Hollywood é uma Amostra do Quanto a Violência Contra a Mulher é Naturalizada
Por mais distante que pareça da nossa própria realidade, Hollywood nos apresenta um microcosmo bem fidedigno no que diz respeito à violência contra a mulher.
No Brasil, registra-se uma denúncia de violência contra a mulher a cada sete minutos. Dessas violências, 85,8% acontecem em ambientes domésticos, sendo que a metade das mulheres assassinadas no país tiveram suas vidas encurtadas pelos próprios familiares (incluindo-se aí parceiros e ex-parceiros). Da mesma forma, 70% dos estupros são cometidos por parentes, familiares ou conhecidos das vítimas.
Poucas coisas demonstram tanto como a mulher é objetificada e entendida como objeto de posse como essas estatísticas. Afinal, elas provam que a maior ameaça na vida das mulheres não é um maníaco sexual desvairado em um beco escuro, mas sim os próprios homens de nossas vidas. Nossos maridos, amigos, tios, pais, namorados, primos, conhecidos, colegas. Pessoas normais, principalmente quando paramos para pensar no contexto machista e misógino em que vivemos. O reforço de papéis de gênero que nos inferiorizam e a nossa constante objetificação, invisibilização, exclusão e ridicularização nos convence a todos, desde o berço, que mulheres são menos do que homens. Valem menos, importam menos, existem menos.
“Em briga de marido e mulher não se mete a colher” é um dos nossos ditados mais famosos. Lembrando das estatísticas no começo do texto, não é difícil ver a quem ele beneficia e, principalmente, o que ele ~sem querer~ denuncia: a naturalização da violência contra a mulher. “Sim, eles estão brigando; sim, ele parece violento, mas não podemos nos meter.”
Por que não podemos nos meter? Porque é natural a mulher apanhar e, de quebra, também é natural supor que ela fez alguma coisa pra merecer. Essa parcialidade contra a mulher às vezes é escancarada, mas na maioria das vezes não. Na maioria das vezes, ela se manifesta sutilmente em crenças e valores socialmente construídos que estão tão entranhados na nossa consciência coletiva que muitas vezes nem nos damos conta do absurdo que representam (daí o valor da desconstrução). Os meios de comunicação são um ótimo exemplo de como tudo isso se manifesta. Em casos de violência sexual, dissecam a vida das vítimas e reportam suas supostas falhas ao invés de focar no agressor. Em casos de feminicídio, costumam abrir com a frase “inconformado com o fim de relacionamento”, dando uma dimensão passional a um crime que é essencialmente estrutural, resultado direto de machismo e misoginia.
Na verdade, não precisa nem ir tão longe na desconstrução para ver claramente como a naturalização da violência contra a mulher é real. Basta dar uma boa olhada na sua lista de suas celebridades e artistas favoritos.
Roman Polanski drogou e estuprou uma garota de 13 anos.
Jennifer Butler teve de solicitar uma medida cautelar contra o (agora) ex-marido, Bill Murray.
A ex-esposa do Michael Fassbender teve de fazer a mesma coisa depois que ele quebrou o seu nariz em uma cadeira.
Dr. Dre recentemente pediu desculpas pelo seu histórico de violência contra mulher no passado.
Johnny Depp, Charlie Sheen, Woody Allen, Nicolas Cage, Gary Oldman, Josh Brolin, Chris Brown, Bill Cosby, Christian Slater, Terrence Howard, Bernardo Bertolucci, Sean Penn, Sean Connery, Sean Bean. Todos eles e muitos outros possuem histórico de violência doméstica ou sexual.
E, no entanto, as violências cometidas de pouco serviram para manchar a reputação da maioria deles – tanto entre os fãs, como entre os estúdios que os empregam. Ironicamente, na maioria dos casos é a reputação das vítimas que mais sofre. Taxadas de mentirosas, interesseiras, exageradas, difíceis ou loucas, elas costumam ser amplamente questionadas ou ridicularizadas pelo público. Isso quando não são simplesmente culpabilizadas pela violência que sofreram, claro, como demonstrou em primeira mão uma repórter de um canal de cinema, que ao relatar o caso de Depp sentiu a necessidade de questionar Amber Heard com a cretina pergunta: “mas se ele sempre foi explosivo assim, por que você ainda estava com ele?”.
Por mais distante que pareça da nossa própria realidade, Hollywood ainda assim nos apresenta um microcosmo bem fidedigno no que diz respeito à violência contra a mulher. Também lá as vítimas passam por um escrutínio muito maior do que seus agressores. Também lá a maioria deles nem chega a ser punida (tanto legalmente, como socialmente). E também lá ignoram-se as dinâmicas de poder e os efeitos psicológicos das violências nas vítimas, que explicam boa parte das “inconsistências” e “incoerências” nos seus comportamentos.
Todos esses casos de violência envolvendo celebridades de Hollywood nos mostram que, independente da realidade, toda mulher está suscetível a se tornar vítima de violência de gênero. E em todos eles podemos observar de camarote como a violência contra a mulher é naturalizada na nossa cultura. Oh sim, no discurso nós somos ótimos. Duvido que você encontre facilmente alguém que se diz indiferente ou apoiador de casos de violência. Mas é no nosso comportamento que realmente nos revelamos. E o nosso comportamento, como sociedade, grita machismo e misoginia. Só não ouve quem não quer.
Este texto fez parte da Ação Nerd Feminista para o Dia Internacional Luta pelo Fim da Violência contra a Mulher, em novembro de 2o16:
Durante os 16 dias de ativismo na luta contra a violência à mulher, blogs envoltos pelo #feminismonerd se propuseram a discutir as problemáticas em torno da representação de mulheres como uma matriz que reitera os discursos de violência e ódio, quanto veículos que visibilizam a discussão. Sabemos que apenas a exposição e discussões possibilitam o combate direto, a resolução e identificação do problema. Como reitera a escritora e teórica feminista Audre Lorde: “é preciso transformar o silêncio em linguagem e ação”.
BLOGS QUE PARTICIPAM DESSA INICIATIVA:
– Nó de Oito
– Collant Sem Decote
– Momentum Saga
– Ideias em Roxo
– Preta, Nerd & Burning Hell
– Delirium Nerd
– Vanilla Tree
– Prosa Livre
– Kaol Porfírio
– Psicologia&CulturaPop
– Valkirias
– Minas Nerds
– Pac Mãe
– Iluminerds
Leia também Estupro não Forma Caráter – e outros 3 Problemas na Representação de Violência Contra a Mulher na Cultura Pop; e Violência Midiática – O Papel da Imprensa na Manutenção da Cultura do Estupro.