A BGS teve Campeonato Feminino de CS:GO pela Primeira Vez Esse Ano – Por que Isso Importa

A iniciativa foi muito bem recebida e é um marco na inclusão e representatividade para meninas e mulheres gamers.

campeonato

Em 2014, um evento de games na Finlândia se tornou notícia quando a Federação Internacional de Esportes Eletrônicos (IeSF) separou os campeonatos do evento entre Masculino e Feminino. No caso, as mulheres teriam competições de StarCraft 2 e Tekken Tag Tournament 2, enquanto os homens poderiam participar de campeonatos de DotA 2, StarCraft 2, Hearthstone e Ultra Street Fighter IV.

Não surpreendentemente, a decisão gerou polêmica e muita revolta por parte do público. Por que mulheres não poderiam jogar Hearthstone: Heroes of Warcraft, afinal? Isso nem a organização do evento conseguiu explicar, causando uma nova onda de protestos e reclamações ao declarar que a separação buscava “promover os eSports como esportes legítimos com as autoridades internacionais”.

Quando a emenda fica a pior do que o soneto.

 

No fim das contas, a própria Blizzard, produtora responsável por Hearthstone, teve que se meter na bagunça para pedir à organização para liberar o campeonato para homens e mulheres. Que foi exatamente o que aconteceu no final. Em um comunicado oficial em seu site, a IeSF anunciou:

“A IeSF ouviu a comunidade gamer e cuidadosamente considerou suas opiniões. Depois de ouvir essas preocupações, a IeSF convocou uma sessão de emergência do Comitê para responder. Como resultado, a IeSF terá duas categorias: eventos ‘Aberto a Todos’ e eventos reservados somente para mulheres. Os eventos que inicialmente foram separados como masculinos agora serão abertos para todos os gêneros, enquanto os eventos inicialmente definidos como femininos permanecerão assim”.

Em outra declaração, a IeSF explicou por que decidiu manter os torneios femininos:

“Mulheres gamers compõem metade da população de gamers, mas apenas uma pequena porcentagem de competidores de e-Sports são mulheres. As competições femininas têm o objetivo de trazer mais diversidade ao jogo competitivo, melhorando a representação de mulheres nesses eventos. Sem esforços para melhorar a representação, os e-Sports não poderão atingir igualdade de gênero verdadeira.”

Todo esse histórico veio à mente quando a BGC anunciou que pela primeira vez teríamos um campeonato feminino de CS GO na BGS esse ano. A iniciativa teve o objetivo declarado de tornar o evento mais inclusivo. De acordo com os organizadores, a intenção por trás foi de abrir portas para meninas e mulheres, já que na grande maioria dos casos os times que competem são compostos inteiramente por homens. O campeonato geral, no entanto, foi anunciado como masculino, embora a organização tenha nos garantido que era aberto a times mistos (seria interessante adotar a categorização Aberto a Todos e Feminino da IeSF para os próximos anos).

De forma geral, no entanto, a iniciativa foi muito bem recebida e realmente é um marco na inclusão e representatividade para meninas e mulheres gamers. Para Camila “cAmyy” Natale, da equipe da Vivo Keyd, vencedora do campeonato feminino na BGS10 mês passado:

“Acho que todo tipo de campeonato é válido, mas por enquanto é importante ter campeonatos totalmente femininos por motivo da visibilidade de outras meninas. Elas verem que tem um cenário ativo e que elas podem se jogar e tentar uma carreira nos jogos, que vai valer a pena. Campeonatos mistos são importantes de uma forma praticamente igual, para essas mesmas meninas verem que é possível ter o mesmo nível e oportunidades que os homens têm, conseguir bater de frente e mostrar o jogo de igual para igual.”

Certamente, a possibilidade de ver mulheres jogando profissionalmente ajuda muito a despertar o interesse de outras, até porque quanto mais mulheres no meio, mais seguras e acolhidas elas se sentirão. Sobre isso e a diferença entre jogar com homens e com mulheres, Camila diz:

“Jogar apenas com mulheres é um sensação de dever cumprido, de que tudo que você se empenhou deu certo. Pessoas com os mesmos problemas culturais e preconceitos, que se juntam para um mesmo objetivo, e ver isso dando certo é muito bom.

Jogar com homens é uma coisa mais tranquila e com menos pressão na minha opinião. Depende muito do tipo de homem com quem você joga. Tem os que te apoiam e tem os que te atrapalham e te colocam pra baixo, então vai de você saber lidar com isso e aceitar certas coisas. Tem muitos meninos que gostam de jogar junto, que pra eles não tem diferença alguma se você é homem ou mulher, mas como tudo tem dois lados, tem os homens que mesmo você jogando bem ou mal, vão dar um jeito de te ofender.”

Como a própria IeSF declarou, a participação feminina em competições de e-sports ainda é pouco expressiva, em boa parte porque o meio gamer ainda não é muito receptivo para mulheres. De acordo com a gamer profissional Kelly “Mrs Violence” Kelley, isso tem muito a ver com preconceito de gênero. Em entrevista ao portal Game Skinny, Kelley declarou que:

“Não tem muitas garotas aqui porque não há muitas oportunidades para elas. Os caras só dão uma olhada nelas e imediatamente dizem ‘não’ sem nem checar suas habilidades ou talento. Eu acho que essa ainda é a razão número um pela qual mulheres não estão em grandes equipes”.

Da mesma forma, Camila confirma que o simples fato de ser mulher no meio pode render muitas experiências negativas:

“Todos os dias alguma coisa acontece. Se eu for jogar sozinha e cair em time de pessoas que não conheço, sempre tem um engraçadinho que fala alguma coisa pra te ofender. E não tem essa que a menina joga bem ou não, não importa, vai receber xingamento de qualquer forma. E já ouvi coisas bem pesadas, por exemplo: aquele caso do RJ que a menina foi abusada por 30 homens. O cara morrendo pra mim no jogo e falou: “Depois não sabe por que é estuprada por 30 homens, merece até 40”. É absurdo o nível de ofensas nesses jogos. É bem triste, mas aprendi a lidar com isso e ignorar, porque se você não aprender a ignorar, você não entra mais pra jogar.”

Felizmente, no entanto, esse cenário está mudando. Ainda de acordo com Camila:

“Sinto que o espaço para mulheres nos games está aumentando, sim. Bem devagar, mas está sendo mais reconhecido. Esse ano de 2017 foi bem bom pro CS GO feminino aqui no Brasil, até porque estamos conquistando coisas inéditas nos campeonatos masculinos com o nosso time formado todo por mulheres.”

A equipe de Camila, representando a Vivo Keyd, foi a grande campeã feminina da Brasil Game Cup esse ano, contra a Bootkamp Gaming. A final lotou o evento e arrancou muita torcida e gritos do público, composto igualmente de mulheres e homens. A equipe – composta, além de Camila “cAmyy” Natale, por Gabriela “GaBi” Maldonado, Bruna “bizinha” Marvila, Pamella “pan” Shibuya e Juliana “showliana” Maransaldi – já conquistou também o tri-campeonato da Liga Feminina da Gamers Club e se tornou o primeiro time composto totalmente por mulheres a conquistar uma vaga na Liga Principal, também da GC. Desde a BGS, as meninas também já garantiram vaga em qualificatório da WESG nos EUA.

campeonato#DreamTeam.

 

Camila e sua equipe, assim como as meninas da Bootkamp Gaming e muitas outras, estão aí para provar que mulheres podem sim jogar com ou contra homens em pé de igualdade. Porque o meio ainda é pouco receptivo a mulheres, os campeonatos femininos ainda se fazem necessários, mas fica a esperança de que com o tempo as mulheres conquistem participação igualitária o suficiente para que esse tipo de iniciativa não seja mais uma necessidade.


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