YouTube, Comunidade Gamer e Misoginia

Uma reflexão sobre a participação feminina na comunidade gamer e no YouTube, e entrevistas com Mikannn e Nady Games na BGS 2016.

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O YouTube nos possibilita aprender e descobrir coisas novas, trocar ideias, escutar diferentes opiniões sobre um assunto, ampliar hobbies, etc. No entanto, embora seja de extrema importância na atualidade para a sociedade contemporânea, e tenha mais de 11 anos de existência, ainda há uma resistência grande por parte dos usuários masculinos à presença feminina na plataforma.

As mulheres youtubers costumam receber comentários que variam entre assédio, críticas à aparência e até mensagens de ódio de homens que simplesmente não aceitam ver uma garota falando algo que não tenha a ver com o “universo feminino”. Quem faz esses tipos de comentários de ódio e críticas nada construtivas ficaram conhecidos como haters. Homens também têm seus haters, mas nenhum deles já tiveram que ler coisas como “Desligo o áudio e fico me masturbando assistindo seus vídeos.” Esse tipo de comentário tem o objetivo de tirar a mulher do posto de ser humano, com opiniões e sentimentos, e rebaixá-la a objeto sexual. É inegável o teor misógino desse e de outros comentários semelhantes destinados às mulheres.

Quando se trata de mulheres youtubers que falam sobre games, os haters são ainda mais agressivos. Pode-se concluir que eles acham que as mulheres “invadiram” não um, mas dois lugares que eles julgam ser masculinos. Há uma tentativa dos usuários de jogos eletrônicos de manter a comunidade e os próprios jogos um lugar hostil às mulheres e nada representativo.

Polêmicas envolvendo desenvolvedores, comunidade e youtubers

Uma polêmica no final de 2014 que ficou conhecida como Gamergate envolvia os jornalistas da área gamer, supostamente tinha como objetivo inicial a discussão sobre ética no jornalismo na área, mas acabou se revelando um reduto de homens misóginos que buscavam definir quem é gamer a partir da genitália. Em resumo, tudo começou com as ótimas resenhas que o jogo Depression Quest da desenvolvedora Zoe Quinn recebeu da crítica especializada. Em seguida, o ex-namorado dela a acusou de ter dormido com um dos colaboradores da Kotaku chamado Nathan Grayson. Nada foi provado, Nathan nunca escreveu a tal resenha, mas isso foi o suficiente para abalar a carreira da desenvolvedora e fazer com que ela e outras mulheres que a apoiaram, como a youtuber Anita Sarkeesian,  recebessem ameaças de morte. Você pode saber mais sobre esse assunto aqui.

youtubeJogo Depression Quest foi bem recebido pela crítica por seu valor educacional e por fugir de estereótipos.

 

Anita Sarkeesian é uma youtuber muito conhecida no meio gamer por apontar tropos relacionados às personagens mulheres em jogos eletrônicos. O simples fato de apontar clichês de construção de personagens femininos em jogos conhecidos a faz ser extremamente odiada pelos homens gamers. A primeira temporada do seu excelente trabalho pode ser encontrada aqui.

youtubeA pesquisa “Anita Sarkeesian” no Google Imagens traz entre os resultados algumas montagens dela com o rosto desconfigurado como se tivesse sido espancada e ilustrações colocando ela como bruxa.

 

Vale também lembrar que não é só em videogames que há uma extrema dificuldade de construção de personagens femininos. Na literatura, cinema, televisão e mesmo na dramaturgia, também podemos encontrar inúmeros tropos de personagens femininos (coisa que já discutimos em outros textos aqui no Nó de Oito).

YouTubers brasileiras

Para falar sobre ser mulher youtuber eu tive o prazer de entrevistar esse ano duas gamers e youtubers na maior feira de games da América Latina (BGS – Brasil Game Show): a Nady, do canal Nady Games, e a Mikan, que já trabalhou no Omelete e tem um canal chamado Mikannn. Ambas fazem gameplay, mas falam de outros assuntos que possam interessar aos seus respectivos públicos.

Mikannn

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Mikan começou seu próprio canal há pouco mais de um ano e já tem 180 mil seguidores. A maioria dos vídeos do canal são análises da série de livros “As Crônicas e Gelo e Fogo” do autor George R. R. Martin e da série de TV baseada nestes mesmos livros, Game of Thrones. Ela também fala sobre animes, videogame, viagens e tudo mais que possa ser de interesse do público que ela cultivou durante este tempo.

O último jogo que ela jogou e recomenda muito é Undertale. Ele é um RPG indie  desenvolvido por Toby Fox, que parece um conto de fadas tradicional, mas foge de estereótipos e surpreende pela sua mensagem otimista. Nas palavras da Mikan, “[…] é um jogo que muda a vida das pessoas”. Ela também recomenda Final Fantasy 9 por ser nostálgico e To the Moon que, assim como Undertale, tem gráficos simples e história emocionante e surpreendente.

Sobre ser mulher na cultura gamer, Mikan afirma que a situação está bem melhor ultimamente. Quando ela começou o canal esperava que a quantidade de comentários machistas fosse ser muito maior:

“(…) por incrível que pareça, eu achava que seria muito pior. Eu acho que o público que eu criei no meu canal […] é um público muito sadio. […] é difícil aparecer alguém com um linguajar mais tóxico. […] Tem um ou outro, mas eu acho que no meu canal eu consegui criar uma bolha que não tem tanta comunidade tóxica assim.”

A respeito de assédio e ataques de haters, ela disse que já sofreu um pouco com isso:

“Já teve sim casos de pessoas que foram muito desagradáveis, que ficaram me perseguindo nas redes sociais. Já teve caso de gente que criou fake pra me xingar nas redes sociais, gente que me xingou por ser feminista, mas em geral costuma ser uma comunidade sadia.”

De acordo com a Mikan, estamos caminhando lentamente para um ambiente mais igualitário na comunidade e no desenvolvimento:

“Eu acho que é o que está acontecendo agora, mas está em passinhos de tartaruga. Tem que ser criada uma conscientização para que haja espaço para as mulheres estarem. Se as mulheres estão mais na comunidade e no desenvolvimento é mais fácil dos jogos serem mais inclusivos e atraírem mais mulheres. Acho que tudo começa na comunidade. A comunidade sendo mais aberta e mais permissiva nesse aspecto, eu acho que é mais fácil de você conseguir criar esse ciclo de aceitação.”

Por fim, ela deixou um ótimo conselho às meninas que desejam ter canal no YouYube, mas tem medo de críticas:

“Eu acho que é importante você se preservar sim, então nunca mostre seu endereço, sua família. Coisas pessoais que você não quer que as pessoas saibam, não mostre no YouYube. Mas eu acho que isso não deve ser um impeditivo para você. […] sendo uma mulher, você tem uma visão nova a acrescentar, porque são poucas as meninas que estão nessa mídia. Tem, lógico, mas em comparação com os homens é pouco, então você tem uma visão nova pra trazer. Então não tenha medo, não tenha vergonha. Se você não tem equipamento, faça com o equipamento que você tem, depois você melhora. Foca nos seus conteúdos, nas suas opiniões e você já vai estar trazendo um benefício para a comunidade.”

Nady Games

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Nádia mantem o canal Nady Games há 6 anos. Adora jogar videogame desde sempre e quando iniciou o canal havia poucas pessoas para lhe servir de inspiração, então teve que ter muita força de vontade. Um dos youtubers citados como inspiração foram a Solange, que começou antes dela, e o Zangado, que começou depois, mas acabou servindo como inspiração também.

Nady Tem um leque grande de preferências em estilo de jogo que vai de RPGs a FPS. Atualmente tem jogado muito Overwatch, jogo que é conhecido por ter personagens femininas fortes, bem construídas e que representam bem a pluralidade. Seu jogo favorito da vida é Halo Witch. Além de gameplay, Nady também faz vídeos de dicas de como usar funções de consoles e com opiniões de assuntos relacionados ao mundo gamer.

Sobre ser mulher na cultura gamer, a youtuber tem uma visão diferente da Mikan e diz que não mudou muita coisa nos 6 anos que ela faz vídeos:

“Ainda sinto muito preconceito, muitos comentários maldosos, e não é comentários vindo de menina. As meninas são as mais legais. São os caras mesmo comentando e ofendendo a gente. Eu agora estou tentando levar mais na boa, mas isso já me incomodou bastante.”

Segundo ela, os homens são os que mais fazem críticas à aparência, como falar que está gorda ou mandar fazer as unhas (oi???), e também se incomodam com a presença dela na plataforma, mandando ela ir “lavar a louça”.

Além disso, ela já sofreu muito assédio recebendo fotos indecentes de homens por e-mail. Isso desanima as garotas e faz com que a voz feminina na comunidade enfraqueça exatamente por medo de exposição. Nady conta que já jogou usando nome masculino e tem várias amigas que ainda fazem isso para não serem incomodadas.

É preciso ser forte e entender que os comentários de ódio na internet são apenas comentários, e que foram escrito por pessoas que não te conhecem. Nady aconselha:

“Eu tinha muito medo, até hoje eu tenho medo por ser mulher, […] mas fiquem tranquilas. Foi só um comentário, não leva para o pessoal. A pessoa não te conhece realmente, não sabe quem você é. Então fica tranquila e faz o que você gosta. Você gosta de jogar? Você gosta de fazer vídeo? Vai lá e faz! Não tem problema nenhum.”

Conclusão

Mikan e Nady têm gostos para jogos e públicos diferentes e por isso as experiências delas com o público masculino machista divergem. Mikan opta por jogos com histórias profundas. Nady gosta de jogos em primeira pessoa com multiplayer online. Independente disso, ambas as youtubers são gamers, independente da frequência e preferência por estilo de jogo. E não precisam provar nada pra ninguém.

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Visite o canal Mikannn.

Visite o canal Nady Games.

Leia também BGS 2016 – O que nos Contam as Mulheres Desenvolvedoras de Jogos no Brasil.

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