Poetas Ocultos: O Caso Marilyn Monroe

Marilyn foi uma leitora voraz de clássicos da literatura mundial e possuía uma veia poética que por vezes jorrava na forma de poemas e solilóquios em blocos de anotações de hotéis, cadernos, cadernetas ou sacos de pão.

Marilyn Monroe lendo

“Após um ano de análise
Socorro, socorro.
Socorro.
Sinto que a vida está chegando mais perto
quando tudo o que quero
É morrer.

Grito –

Você começou e terminou no ar
mas onde estava o meio?”

Não seria exagerado supor que um dos rostos mais reconhecíveis no mundo é o de Marilyn Monroe, com seus cabelos platinados, lábios rubros e olhos lânguidos. Seja em capas de revista ou em reproduções de Andy Warhol, a atriz da Era de Ouro hollywoodiana se mantém atual e presente, desde o despontar de sua carreira na década de 50 do século passado, até nossos dias.

Nascida Norma Jeane Mortenson em 1 de junho de 1926, enfrentou diversas mazelas desde os seus primeiros anos de vida. Filha de Gladys Pearl Monroe, mulher mentalmente instável e sem possibilidades de cuidar de uma criança, a pequena Norma Jeane passou por diversos lares adotivos e orfanatos, e ainda que visse a mãe biológica com alguma frequência cresceu em ambientes instáveis que contribuíram para a solidificação de suas tendências depressivas. Casou-se pela primeira vez aos dezesseis anos com James Dougherty, de quem se divorciou em 1946, poucos meses após o início de sua carreira artística. Em 1947 assinou contrato com a 20th Century-Fox conseguindo algumas pontas em filmes, enquanto em paralelo mantinha uma carreira de modelo pin-up.

Marilyn Monroe lendo

É nos primeiros anos de 1950 que Norma Jeane torna-se Marilyn Monroe, tendo seu rosto estampado em diversos cartazes de filmes de comédia. É nesta década que ela se transforma em sex symbol, recebendo a alcunha de “Rainha do pin-up”, e também é a década em que ela se imortaliza no papel nada lisonjeiro de “loira burra” através de filmes como Monkey Business (O Inventor da Mocidade – 1952), Niagara (Torrente de Paixão – 1953), e principalmente Gentlemen Prefer Blondes (Os Homens Preferem as Loiras – 1953).

O estereótipo da loira sexy e burra, puro adereço a existir apenas para proporcionar prazer ao público masculino, acompanhou Marilyn em toda sua carreira, com eventuais tentativas por parte dela de fazer filmes dramáticos e sair da camisa de força em que havia sido colocada. Seja por falta de interesse dos estúdios, pelo seu vício crescente em barbitúricos, ou por seus problemas de saúde, o fato é que até sua morte em 1962, Marilyn nunca chegou a fazer algum papel dramático relevante.

Para além do título nada lisonjeiro de loura burra, Monroe foi uma leitora voraz de clássicos da literatura mundial, não sendo raras as fotografias onde pode ser vista lendo atentamente James Joyce, Proust ou Hemingway, e possuía uma veia poética que por vezes jorrava na forma de poemas e solilóquios em blocos de anotações de hotéis, cadernos, cadernetas ou sacos de pão.

Marilyn Monroe lendo

Este artigo busca apresentar esta Marilyn esquecida, poeta oculta, vítima da sociedade machista que, a exemplo de Virginia Woolf e Sylvia Plath, buscava exorcizar seus demônios através da escrita poética. Não se pretende aqui entrar no mérito acerca da qualidade estética, estilística ou conteudística de seus escritos, e sim buscar uma análise do indivíduo Marilyn Monroe através de sua produção, através da imagem tida como descartável e até mesmo indesejável, desta mulher de tantas faces, imagem esta que só foi divulgada ao mundo no ano de 2010 com a publicação de seus escritos. Os poemas, cartas e bilhetes de Marilyn Monroe foram compilados em um livro intitulado Frangments (título de um de seus poemas) e lançado em outubro de 2010 na França pela editora Seuil. No Brasil foi publicado em 2011, pela editora Tordesilhas com o título traduzido Fragmentos.

Capa do livro Fragmentos de Marilyn Monroe e um manuscrito de seus escritosTodos os trechos e fragmentos de poesias neste post foram retirados do livro FRAGMENTOS, publicado em 2011 pela Editora Tordesilhas.

 

A partir destes fragmentos, conseguimos alcançar esta Marilyn Monroe poeta, aprisionada não mais em uma sala comunal, e sim em seu próprio corpo tornado público pela sociedade e que, sendo visto de determinada forma, não poderia comportar algo diferente e que fugisse à compreensão do público.

Para exemplificar a já mencionada camisa de força em que Marilyn esteve aprisionada, pode-se apresentar uma das mais premiadas biografias acerca da atriz, publicada em 1973, escrita por Norman Mailer, autor premiado duas vezes com o Prêmio Pulitzer. A biografia é iniciada com a pretensão de ater-se aos fatos, por mais fugidios que eles sejam em se tratando de Marilyn, uma vez que há inúmeros desencontros de informações, e a própria biografada (como qualquer personagem deste gênero literário) tenha apresentado inúmeras vezes fatos pouco prováveis em suas entrevistas. O autor apresenta ao leitor todos esses problemas, mas não se esforça em sair dos estereótipos criados pela grande mídia, ou pelas suposições de uma sociedade extremamente sexista como aquela hollywoodiana. Sobre a biografada ele diz:

Sem instrução (o familiar infortúnio das loiras bonitas), ela também não tinha cultura – podemos adivinhar que não saberia dizer se o Rococó veio três séculos antes do Renascimento ou se a retirada de Napoleão de Moscou se deu porque seus trens não funcionavam no frio. (MAILER, 2013, pg. 21)

Esta opinião engessada era popular na época em que Marilyn se tornou famosa, também o foi quase onze anos após sua morte ou quando da publicação do livro de Mailer, e ainda o é hoje. É provável que continuasse popular ainda por muitos anos se a compilação de seus escritos não tivesse vindo a público. Sobre esta inclinação para a poesia, Arthur Miller, dramaturgo e seu terceiro marido, se pronuncia:

“Para sobreviver, seria preciso que ela fosse mais cínica ou, pelo menos, mais próxima da realidade. Em vez disso, ela era uma poeta na esquina, tentando recitar seus versos a uma multidão que lhe arrancava as roupas.” (BUCHTHAL; COMMENT, 2011, pg. 37)

Nota-se a ideia de sobrevivência ligada à opinião do público e à poesia. Marilyn sofria de crises de depressão (uma doença familiar, uma vez que sua avó e sua mãe eram clinicamente depressivas), era viciada em comprimidos, fosse para tratar de sua insônia crônica ou a ansiedade, e baixa auto-estima quase sempre relacionada ao trabalho e aos papéis que representava, tendo inúmeras vezes entrado em conflito com os estúdios que a colocavam para representar sempre a mesma personagem: a loira superficial, estúpida, sensual e materialista.

Talvez seja incorrer no mesmo erro que Norman Mailer com suas pressuposições sem base, mas a constante luta para atuar em filmes “sérios”, sua busca por aperfeiçoamento – algumas das brigas que ocorriam durante as filmagens tinham como motivo o fato de Marilyn sempre levar consigo seus professores de atuação -, sua intenção de aprofundar seus conhecimentos em literatura através de aulas na universidade, fazem com que seja possível pensar que sua tentativa de auto-conhecimento e crescimento acabavam por serem frustrados pela sua realidade, sufocando sua outra faceta, aquela literária, aquela poética.

(…) Quando, porém, lemos sobre o afogamento de uma bruxa, sobre uma mulher possuída por demônios, sobre uma feiticeira que vendia ervas ou mesmo sobre um homem muito notável e sua mãe, então acho que estamos diante de uma romancista perdida, uma poeta subjugada, uma Jane Austen muda e inglória, uma Emily Brontë que esmagou o cérebro em um pântano e que vivia vagando pelas ruas, enlouquecida pela tortura que seu dom lhe impunha (…). (WOOLF, 2014, pg. 73)

Neste contexto não existem bruxas ou possessões demoníacas, mas existe a loucura, a depressão, e a supressão inconsciente de sentimentos. A prisão dentro do próprio corpo, as barras de ferro feitas pela sede voraz da sociedade em desejar e querer manter para si o produto pronto.

Abaixo segue um poema não datado, escrito a lápis em uma folha pautada onde Marilyn fala sobre a morte, tema recorrente em seus escritos.

Oh droga queria estar
Morta – absolutamente inexistente –
Desaparecida daqui – de
Todos os lugares mas como eu conseguiria
Sempre existem pontes – a Ponte do
Brooklyn
Mas eu amo aquela ponte (tudo é lindo daqui e o
ar é tão puro caminhando) me parece
cheio de paz lá mesmo com todos aqueles
carros enlouquecendo embaixo. Então
teria que ser outra ponte
uma feia e sem vista – exceto
que gosto em particular de todas as pontes – existe algo
nelas e além do mais
nunca vi uma ponte feia

A atriz chama a atenção para a impossibilidade da inexistência, ou de simplesmente desaparecer estando viva, talvez por sua própria imagem mundialmente reconhecida, encontrando na morte uma possibilidade real. A beleza, no entanto, torna inviável o término de sua vida, a morte sendo incompatível com o belo, com a vista que se descortina de uma de suas pontes favoritas, a ponte do Brooklyn.

Marilyn Monroe lendo

Além da morte, a solidão também era um tema recorrente nos escritos de Marilyn. A impossibilidade de se chegar a um conhecimento profundo acerca de outro indivíduo, o conhecimento apenas do que o outro deseja mostrar.

Apenas partes de nós alguma vez
Tocarão partes dos outros –
a verdade de alguém é apenas isso
na realidade – a verdade de alguém.
Podemos apenas compartilhar
a parte que é aceitável dentro do conhecimento do outro
portanto a gente
está quase sempre sozinha.
Como deve ser na
natureza evidentemente – no máximo talvez isso pudesse fazer
nossa compreensão buscar
a solidão do outro.

Este texto teve como objetivo ajudar a trazer à luz uma outra faceta de Marilyn Monroe, desmontando o estereótipo, que ela mesma ajudou a criar, de loira burra, e apresentando uma mulher sensível, que buscava aprimorar-se constantemente fosse por meio de aulas formais ou leituras, e que veio a perder a vida em uma luta desigual para uma doença terrível. Sem entrar nos méritos acerca da qualidade de seus poemas, o que fica para os leitores é a ideia da utilização da poesia como válvula de escape da realidade, como um catalisador de liberdade, a necessidade de expressão dos sentimentos que toca todo ser desta raça humana.


Fontes e livros citados ou mencionados:


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