[Resenha] Água Fria e Areia – Sobre o que se Passa do Lado de Dentro

Mais do que a história de um possível casal, Água Fria e Areia é uma história sobre o impacto do amor, do tempo e da vida no íntimo de seus personagens.

Recentemente, uma grande amiga me enviou um artigo sobre o mito do amor romântico e como ele pode arruinar nossa vida amorosa. Para além de circunstâncias de vida atuais, quem me conhece sabe que esse tipo de envio sempre será oportuno para mim, uma grande cética dos relacionamentos açucarados que nos são oferecidos em enlatados do cinema, televisão e literatura desde que me conheço por gente.

Mesmo assim, é impressionante como muito dessa idealização permanece em nossas expectativas sobre amor romântico apesar dos ceticismos. O artigo enviado por minha amiga faz um trabalho interessante no sentido de explicar como alguns conceitos que consideramos indissociáveis atualmente só se tornaram assim há muito pouco tempo, e como a expectativa desse “pacotão” do amor romântico pode nos frustrar ao longo da vida. De acordo com ele:

“Foi a idealização de Rousseau que reuniu em uma só instituição os conceitos de amor, sexo, felicidade e casamento. Antes dele, tudo era vendido separadamente”.

Parece lógico quando lemos um artigo e entendemos a História por trás, mas o condicionamento cultural a que somos submetidos ultrapassa e muito qualquer tentativa de racionalidade sobre a questão. Talvez por isso a autora de Água Fria e Areia tenha inicialmente classificado seu livro de estreia como um “desromance”. Afinal, se há uma certeza sobre esta obra, é que apesar de se tratar sim de um romance, ela passa longe de qualquer fórmula idealizada de representação do amor romântico.

Água Fria e Areia conta uma história vivida em intervalos entre dois personagens principais – Caroline e Yannis. Ela brasileira, ele francês, ambos vivem dias intensos juntos em uma estadia de Caroline na França, antes de seguirem em caminhos diferentes. A vivência, no entanto, deixa marcas profundas e uma expectativa que permeia a próxima década de vida dos personagens, apesar do ritmo incessante da vida. Mais do que a história de um possível casal, no entanto, Água Fria e Areia é uma história sobre o impacto do amor, do tempo e da vida (como diria Caroline), no íntimo de seus personagens. Nas palavras da própria autora, sob o ponto de vista de Caroline:

“Quantas narrativas se criam do lado de dentro, sem que o mundo saiba”.

Intimidade é a sensação que fica na leitura desta primorosa obra de estreia. Sabemos que Caroline e Yannis levam vidas agitadas e, para todos os efeitos, comuns. Trabalho, amigos, hobbies, viagens, namorados e namoradas. Mas ao invés de uma narrativa sobre o cotidiano da vida, a autora nos leva para o “lado de dentro” de seus personagens. Não há desperdício de palavras – cada uma delas está bem posicionada para compor uma construção impecável do íntimo de cada um deles de maneira orgânica, sem exposições desajeitadas e obviedades.

Habilidade com as palavras, aliás, é algo que sobra à autora. A história é permeada por trechos que narram acontecimentos significativos do passado de cada um dos personagens, mas em nenhum momento ela se perde na alternância entre passado e presente. Outro ponto alto da obra é a sinestesia de suas descrições, que transportam o leitor diretamente para dentro da cabeça e sensações dos personagens e permitem empatia e identificação instantâneas com cada um deles, por mais diferentes que sejam entre si.    

Em suma, Água Fria e Areia é um livro que entrega ao leitor em poucas páginas (são menos de cem) o que muitos livros não conseguem entregar em quinhentas. Um romance que embora desafie as noções idealizadas de amor romântico atuais, nem por isso é menos verdadeiro ou transformador. “Existem sofrimentos que alteram para sempre a natureza dos seres”, certo trecho do livro diz. Eu diria que o mesmo se aplica a histórias. E a história de Caroline e Yannis certamente é uma delas.

Sobre a autora: Vanessa Vascouto nasceu em Chapecó (SC), é escritora, roteirista, dramaturga e jornalista. Atualmente, mora em São Paulo e integra o Núcleo de Dramaturgia SESI – British Council. “Água Fria e Areia” é o seu primeiro romance.

Para comprar o livro, clique aqui ou aqui.

Leia também A Parábola do Semeador: Mais do que Ficção, um Alerta do que Pode se Tornar o Nosso Futuro.