A Parábola do Semeador: Mais do que Ficção, um Alerta do que Pode se Tornar o Nosso Futuro

A Parábola do Semeador é o segundo livro da dama da ficção científica, Octavia Butler, a ser publicado no Brasil.

O livro A Parábola do Semeador ao lado de foto antiga da escritora Octavia Butler.

A Parábola do Semeador é o novo livro da norte-americana Octavia Butler publicado pela Editora Morro Branco aqui no Brasil. Na verdade, apesar de Butler ter sido uma escritora reconhecida e aclamada em vida, esta é apenas a segunda de suas oito obras a ser publicada no nosso país, sendo que a primeira só chegou ao nosso alcance no ano passado, em 2017 (aproveite para ler o nosso texto sobre Kindred – Laços de Sangue aqui).

É muito demora para uma autora tão importante, mas felizmente a Editora Morro Branco está fazendo o possível para compensar. E o momento não poderia ser melhor, pois apesar de pertencerem ao gênero da ficção científica, ambas as obras já publicadas de Butler por aqui são incrivelmente relevantes tanto para entender o nosso mundo atual, como para vislumbrar possíveis consequências catastróficas no nosso futuro.

Esse é o caso de A Parábola do Semeador, o primeiro livro da duologia Semente da Terra. Publicado em 1993, o livro conta uma história que se passa entre 2025 e 2027, mais próximo dos leitores atuais do que da própria autora na época de sua escrita. Esse fato adiciona uma camada extra de ansiedade à leitura, pois a obra imagina um futuro nefasto que estamos cada vez mais próximos de alcançar.

Narrado em primeira pessoa, em forma de diário, logo de cara já somos apresentados à sua protagonista: a jovem Lauren Olamina, moradora de um bairro murado em Robledo, Califórnia. Através de seus escritos, aos poucos vamos entendendo que Lauren nunca chegou a conhecer nada diferente do mundo em que vive: um lugar perigoso, que crises econômicas e ambientais levaram ao caos social. Não há emprego, não há bem-estar social, não há segurança. Há apenas pessoas desesperadas tentando sobreviver com o que restou e políticos corruptos ceifando cada vez mais direitos em prol da segurança e do enriquecimento de poucos. Em época de Trump e Bolsonaro, as semelhanças são assustadoras e não soam nada como meras coincidências.

No começo do livro, no entanto, a família de Lauren ainda tem certa estabilidade. O bairro em que moram é completamente murado e cercado com arames, alarmes e cacos de vidro para manter longe os invasores, e a comunidade dentro dele se ajuda e se mantém protegida das catástrofes do lado de fora. Lauren sabe, entretanto, que essa situação não vai se manter, e começa a se preparar para o pior. Além disso, apesar de ser filha de um pastor batista, logo descobrimos que ela não adere totalmente à religião do pai (pelo menos não abertamente) e que tem suas próprias ideias sobre Deus. Quando suas previsões em relação ao bairro se concretizam e ela é obrigada a sair em fuga por estradas e cidades devastadas em busca de liberdade e segurança, sua nova fé – que ela chama de Semente da Terra – toma protagonismo em sua vida e ela assume a missão de semeá-la ao longo de seu caminho.

Daí se torna clara a referência do título do livro. A Parábola do Semeador é uma parábola famosa da Bíblia, que funciona como uma metáfora para a palavra que Jesus pregava. Nesse primeiro livro, vemos Lauren começando a espalhar a palavra da Semente da Terra entre as pessoas próximas e, se a narrativa seguir a referência da parábola original, imagino que o segundo livro nos mostrará o quanto de sua semeadura caiu em terreno rochoso, o quanto foi sufocado por espinhos e o quanto caiu em terreno fértil, cresceu e floresceu.

É importante notar, no entanto, que embora o livro traga referências religiosas, ele está longe de pregar qualquer coisa e ser somente sobre isso. A história de Lauren e do seu mundo é acima de tudo uma história de sobrevivência, empatia e solidariedade humana – temas que qualquer pessoa pode entender e apreciar independente de crenças pessoais. É possível dizer que a reflexão que o livro traz sobre religião é apenas um dos seus aspectos principais. Da mesma forma, a obra nos faz refletir sobre outras questões especialmente relevantes para o mundo atual, como racismo, machismo, escravidão moderna, mudanças climáticas, democracia e até relações familiares e amorosas.

A multiplicidade de temas é um diferencial de Butler que também é possível observar em Kindred – Laços de Sangue, principalmente no que diz respeito a racismo e machismo. Como uma autora negra, suas histórias costumam trazer perspectivas que raramente vemos na literatura, o que adiciona camadas e profundidade às suas obras. Tanto em Kindred, como em A Parábola do Semeador, temos mulheres negras como protagonistas, que são rodeadas por personagens de diversos backgrounds étnicos, culturais e sociais. E embora suas personagens vivenciem violências e traumas terríveis, a autora consegue sempre manter o equilíbrio, com uma narrativa poderosa, mas ao mesmo tempo extremamente racional.

De minha parte, espero que o movimento atual de publicação de obras invisibilizadas no mercado editorial por tanto tempo se fortaleça cada vez mais. Nós, como público e como sociedade, só temos a ganhar ao entrarmos em contato com perspectivas diversas, que fogem do padrão masculino e branco. Mais do que uma recomendação, fica então um conselho para a vida: leia mulheres, leia mulheres negras, leia Octavia Butler.

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Leia também Kindred – Os Horrores, Dilemas e Contradições do Período Escravagista em Forma de Ficção Científica.

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