Eu Não Sou Obrigada a Nada (mas todas somos suscetíveis a achar que somos)
Engana-se quem pensa que o perigo tem moradia fixa. Relacionamentos abusivos não são exclusividade dos namoros.
Com o filme Esquadrão Suicida, as discussões sobre relacionamento abusivo se inflamam cada vez mais. E com razão, é claro – a personagem da Arlequina não deve, de modo algum, ser romantizada ou iconizada. No entanto, existem muitos outros filmes populares nos quais, sob uma nova perspectiva, podemos detectar relações destrutivas.
A questão é que o relacionamento abusivo, na maioria das vezes, é sutil e sobretudo silencioso. Ele está à espreita a cada relação humana, no escuro. A cidade das relações possui, muitas vezes, ruas que aparentemente são seguras – mas engana-se quem pensa que o perigo tem moradia fixa. Os abusos não são exclusivos dos namoros.
Se você parar para problematizar filmes adolescentes como Meninas Malvadas, verá que mesmo as relações de amizade podem ser abusivas. Se analisar High School Musical, verá que as relações familiares também. Não se trata de exagero: os “capachos” de ambas histórias se sentem intimidados e coagidos pelas suas “Queen B”. Gretchen sente a necessidade de agradar Regina George tanto quanto Ryan sente necessidade de agradar Sharpay. E ao longo das histórias podemos notar que nenhum dos dois se sente confortável nesta situação, mas mesmo assim se sentem obrigados a continuar desempenhando este papel que, convenhamos, ninguém escolheria.
Outro problema é que estes personagens “zero à esquerda” acabam sempre sendo pouco explorados, de modo que nunca nos identificamos com eles. Parecem ser fracos, sem opinião e superficiais. É preciso um olhar bem mais atento – o que geralmente não temos quando queremos nos entreter – para notar a complexidade destes coadjuvantes e perceber que eles podem estar muito mais próximos de nós do qualquer outro personagem: talvez, nós estejamos justamente neste papel na vida real.
Não foi isso que eu planejei.
Um dos grandes mitos do abuso é acreditar que eles só acontecem com pessoas fracas. Isso contribui para a negação: não, eu não. Não aceitarei isso jamais! Ou que são sempre os vilões cruéis que os praticam. A Regina e a Sharpay são só garotas mimadas – confesso que eu adoro cantar Fabulous e dizer que o “barro” nunca vai pegar – mas é justamente isso: elas não são monstros, mas mesmo assim nem Gretchen e nem Ryan se sentem fortes o bastante para enfrentá-las.
Sempre somos protagonistas de nossas histórias, mas às vezes, ao cruzá-las, acabamos tendo nosso papel diminuído, desvalorizado e ofuscado por um autor, este sim, cruel e que nos subestima: o medo. E se este, por algum motivo, está te fazendo fazer concessões que você não quer fazer, fique atenta. Você se sente coagida a concordar com alguém, a agradar alguém, a estar constantemente disponível, a fazer coisas que não concorda, a aceitar brincadeiras que são ofensivas e tem medo de dizer “não”? Se a resposta for sim a qualquer uma dessas perguntas, tome cuidado.
Se você se sente em um beco sem saída, lembre que dar meia volta é sempre uma opção.
Não podemos resumir o abuso à agressão física, aos namoros e, principalmente, aos outros. Este tipo de relação quer justamente te fazer acreditar que você é inferior, quando na verdade, não existe hierarquia em questão de personalidade: nem antes, nem durante e nem depois do abuso.
Lembre-se: não há nada neste mundo que possa diminuir quem você é. Se te fizeram se sentir sufocada num mundo que mais parece uma prisão, saiba que uma vez livre, não falta espaço no mundo para você se sentir (e ser) incrível.
E se você tem dúvidas, lembre-se de Rihanna, que apesar do abuso que sofreu, é, sempre foi e sempre será poderosíssima.
Leia também “A Insustentável Leveza da Submissão” (ou “A Hora da Fraqueza”).