Nerdsplaining: O Silenciamento da Mulher na Cultura Nerd
Nerdsplaining: a manifestação prática do pensamento de que apenas homens sabem o suficiente sobre cultura nerd.
Às vezes algumas coisas acontecem na nossa cara e, infelizmente, só depois de muito tempo a gente percebe que certas bizarrices não eram coincidência. No caso desse artigo vamos falar de nerdsplaining, um viés específico do mansplaining.
Se você entende o conceito de mansplaning, pule o próximo parágrafo. Se não, continue lendo.
Mansplaining: É uma prática machista na qual um homem vai tratar uma mulher como alguém incapaz de entender o que – adivinha – ela já sabe. Ocorre em diversos momentos da vida, independente da relação entre os dois. Amigos, família, colegas de trabalho, ninguém escapa. As mulheres são muitas vezes silenciadas, interrompidas por homens, porque eles acreditam que entendem e sabem mais de determinado assunto do que a moça (ou moças) da roda. Geralmente não importa muito o assunto. Pode ser música, cinema, esportes, economia, enfim, sempre vai aparecer um cara pra duvidar do teu conhecimento sobre a área, que vai te questionar, escavar algo que possa provar que a mulher está errada, tentando sujugá-la perante todos que estão ali e forçando a barra para um possível momento “mina histérica”. Porque afinal, se não gostamos do desrespeito, somos loucas.
Essa mina heroína ilustrou perfeitamente o mansplaining.
É claro que no mundo nerd não seria diferente. Nesse elemento da cultura cheio de ficção científica, heróis, games, historias em quadrinhos, temos um universo criado para a auto-afirmação masculina, uma vez que ele, no geral, abraça os garotos que não se encaixam em lugar nenhum. Aparece como um cantinho confortável, uma bolha que possibilita entrar, se esconder e se afastar do perigoso mundo real.
Até aí, parece compreensível. Porém, sendo algo criado exatamente por homens e para homens, temos também aí um punhado de misoginia e sexismo. Tenho a impressão de que foi um mix de rancor pela falta de familiaridade com mulheres que colaborou com o machismo exacerbado que enxergamos na cultura nerd há muito tempo e que se perpetua hoje em dia. A Ana Freitas fala sobre o machismo que as mulheres sofrem principalmente em fóruns e chans em um texto excelente aqui.
Exemplo da vida real:
Um engraçadinho na fila da cafeteria revira os olhos pra minha camiseta do Bioshock Infinite e sugere que eu “provavelmente nem sequer joguei”. Então eu contei o final pra ele.
Esse sexismo se dá via um fanservice tosco que coloca personagens femininas como barbies em roupas impossíveis de respirar e de usar pensando em proteção ou em sentir frio. Basicamente, a receita para a formação de uma personagem feminina é uma mulher extremamente desejável, montada através de estereótipos; adicione a isso um corpo dentro dos padrões e duas ou três características rasas – frágil, burra, desengonçada, engraçada, ágil (já que agilidade é algo para seres pequenos que não usam roupas largas). Atributos diferentes desses – como inteligência, força, sagacidade, coragem – são bem menos comuns em personagens femininas no mundo nerd (fora dele a questão também é complicada).
Se formos analisar a existência de corpos fora do padrão então, a situação piora drasticamente. Os avanços que tivemos até hoje são, em grande parte, recentes, e aconteceram exatamente pela pressão que o movimento feminista coloca na indústria. Mesmo assim, além dessa questão ainda estar andando a passos de tartaruga, acabamos nos deparando com parte do público masculino repudiando essas mudanças.
Male tears depois da divulgação da protagonista (mulher) do próximo filme da franquia Star Wars – Rogue One.
Enfim, somos relacionadas de forma desumana a objetos com baixa capacidade cognitiva e intelectual, cuja única serventia é ser agradável aos olhos dos integrantes do clube do bolinha. A organização Feminist Frequency costuma problematizar essa representação principalmente em jogos. Isso é tanto um reflexo quanto elemento que colabora com a manutenção dos valores da indústria do entretenimento, reafirmando diversos clichês sexistas. E um deles é: nerdice não é coisa de mulher (como se existisse coisa de mulher e coisa de homem, assim, separadinho). A Rebeca Puig, do excelente Collant sem Decote, fala aqui do quão difícil as coisas são para uma garota que se identifica com a cultura nerd.
Considerando o histórico de criação e desenvolvimento da cultura nerd, fica mais simples entender o motivo dessas representações e o porquê de uma parcela de pessoas acharem que o mundo geek é algo só para meninos. Esse sexismo que tenta ditar as preferências e gostos das pessoas dá ainda mais abertura para que homens pensem que não sabemos nada sobre qualquer coisa, inclusive, ser nerd.
Mais uma:
“Na fila para ver Deadpool, um filme no qual sou mencionada pelo nome, um cara começou a explicar quem Deadpool era pra mim”– Gail Simone, roteirista da DC Comics.
E sobre essa temática, tenho algumas coisas a afirmar: mulheres leem quadrinhos, gostam de ficção científica, fazem cosplay, jogam FPS, TPS, RTS, RPG, MMO, gostam e agem como nerd, porque somos nerds. E também somos muito mais do que isso. Entendemos de esportes, economia, música, cinema, literatura… Não há regra para o que vamos ou não gostar, para o que vamos ou não ser. A gente sabe do que está falando e estamos cansadas do silenciamento, dos questionamentos, das interrupções e desafios a todo o momento.
Então amigo, apenas pára que tá feio. Não temos que provar nada pra ninguém. Pare com essa ideia de que você é o mais nerdão de todos. Exigimos respeito, igualdade, diversidade nas representações e, é claro, que ninguém tente roubar nosso espaço.
Estamos entendidos?
Leia também Por que as Mulheres Deixaram de ser Destaque na Computação?; e Mulher-Troféu: A Mulher como Recompensa do Herói na Cultura Pop.
Isabelle
September 14, 2016 @ 12:30 am
Roberta, parabéns pelo texto!
Ainda há muito preconceito e machismo no meio nerd para ser discutido. Sua reflexão é muito importante. <3
Paac Rodrigues
September 14, 2016 @ 3:35 am
adorei teu post e me representa muitooooooooooo
Jana
September 14, 2016 @ 6:27 am
Olá Roberta, adorei seu texto! É isso aí mesmo! É foda quando os caras que nem são da área vêm querer explicar o que a gente vive no nosso cotidiano profissional há décadas.
Lucas Rodrigues
September 14, 2016 @ 6:08 pm
Que texto fantástico! Parabéns, Roberta! Gostei mesmo.
Vanessa
September 14, 2016 @ 7:05 pm
Pobres machos oprimidos. Reclamam de filmes nerds com protagonismo feminino, como se eles não tivessem uma industria inteira feita só pra eles, com protagonistas masculinos dominando tudo. Pobrezinhos, alguém pare o feminismo. E pare as poucas produtoras e criadores de inserir personagens femininas fortes e independentes no seu precioso mundo nerd. Afinal de contas, tá de mais né? Colocam protagonista feminina em tudo quanto é produção nova. E os homens? Como ficam?
Bruno Duran
September 15, 2016 @ 8:10 am
No texto eu só não concordo com pressionar criadores para fazer personagens fora dos padrões, acho que todos devem ter liberdade para criar o que quiser e quem não está satisfeito que aprenda a programar e fazer o jogo da forma que desejar.
De resto, o texto é ótimo. Esse tipo de nerd que se acha o superior é típico, não focam só em mulheres, mas acredito que os discursos direcionados a elas sejam piores (não posso afirmar). O importante é tacar o foda-se e continuar curtindo as coisas, não é necessário provar nada para ninguém, a única pessoa que precisa ter certeza de que você é nerd é você mesma.
Sobre Star Wars, nem aí se vai ser protagonista homem, mulher, branco, negro. O que importa é que o personagem seja bom. No episódio VII a Rey e o Finn foram maravilhosos, se a protagonista do Rogue One tiver boa parte do carisma deles, o filme já vai ser um sucesso.
Mariana
September 17, 2016 @ 5:11 am
Fazer o que quiser inclui colocar crianças mulheres como sexualizadas, como no caso de Tera (com as Elins) e Tree of Savior? Existe um limite sim, e se na hora de fazer designs, produzir, revisar e criar as leis, SÓ HOMENS o fazem, assim nossos corpos, nosso respeito e nossa dignidade fica a dispor de vocês! Não adianta não regular, deixar totalmente livre, se a sociedade não age dessa forma (e não dá espaço para nós mulheres criarmos nossos games/hqs/mangás dessa maneira) pq com vocês poderia? Pq agrada muita gente, não é?
Eu me sinto desrespeitada profundamente com o conteúdo que as grandes marcas (que deveriam ter no mínimo algumas mulheres como público-alvo) fazem. Tudo bem fazer “o que quiser”, desde que não inclua: “Cultura do Estupro, Pedofilia, Objetificação da Mulher… E que as grandes marcas possam nos ver como público que consome também!
Lucas Lopes
October 22, 2017 @ 9:00 pm
EU CONCORDO COM esse comentário do Bruno Duran. (Não sei pq o caps lock não tá funcionando aqui desculpa)
Existe muito nerd chatão querendo explicar as coisas pra todo mundo e bla bla bla. Isso é um problema que o mundo nerd como um todo enfrenta. Provavelmente são pessoas que só se foderam na vida, sofreram bullying ou são infelizes a respeito de si mesmos e que precisam de algo para não se sentirem tão miseráveis, então fazem esse tipo de coisa.
Agora, Como ela mesma disse no início do texto, é uma indústria criada por homens e para homens. Ou seja ficamos décadas lidando com nossas frustrações e problemas através dessa indústria, finalmente existia um lugar no universo onde o gordo, o magrelo, o feio, o que não era bom em esportes, o que não era popular com as garotas, podiam sentir que eram bons em algo. E então vieram algumas mulheres depois de décadas, entram nesse universo e querem ditar regras? É óbvio que haverá resistência. Esse era um universo para fugir exatamente da ditadura de regras as quais nós não nos encaixávamos. (E se por acaso você quiser refutar esse argumento com “nós não queremos ditar regras, nós só queremos ser tratadas iguais” então o que eu tenho pra te dizer é, nós homens nos tratamos desse mesmo jeito. Nós nos xingamos e tudo mais até que fique provado que somos bons ou conhecedores do assunto em questão. Não é nada pessoal, nós só somos assim. Uma frase que explica bem isso é “respeito não se paga, se ganha”.)
Por isso, nada adianta ficar reclamando e escrevendo textão, é muito mais eficiente ir lá e fazer, mostrar que são capazes e assim conquistar seu espaço e direitos.
Mas obviamente isso não acontece do dia pra noite e mais obviamente ainda, vocês encontraram muita gente que vai ofender, que vai xingar etc e tal. Toda mudança é assim.
Eu como negro sem bem disso. Leva tempo pra que te respeitem. Não é o cenário desejável nem exemplar, mas é o cenário em que vivemos.
TATIANE MATIAS ARAUJO
September 15, 2016 @ 8:16 pm
Que texto simplesmente foda!
Anny Campos
September 17, 2016 @ 8:05 pm
Nossa adorei o texto, super realidade, é um saco ser mulher e ser nerd…se for em evento vc vê na hora como é isso =\
Fernanda Garrido
November 13, 2016 @ 5:05 pm
Moça, só faltou uma dose de pesquisa e honestidade intelectual aí hein?
VC pegou o tweet da Gail Simon completamente fora de contexto, no resto da conversa ela comenta como depois de desfazer o mal entendido, como ela e o cara q “explicou” pra ela quem o Deadpool era tiveram uma conversa amigável sobre o personagem e de como o cara ficou feliz de conhecer alguém ligada a produção do personagem e de como ela ficou feliz de conhecer alguém tão apaixonado pelo personagem.
Mas a conversa não cabe na sua narrativa ne? É mais fácil pegar só a fala fora de contexto pra ganhar “pontos feministas” na internet
Parabéns, o texto tava até legal, até vc mostrar toda a sua desonestidade
Finalizando, minha mensagem para você é:
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Thais
November 30, 2016 @ 10:33 pm
Hahahahahahah muito bom o texto! Essas minas que ainda se dão o trabalho de responder um cara assim merecem um prêmio, por que eu só viro a cara e deixo falando sozinho hahahahauahu Adorei esses prints para ilustrar situações, achei bem divertido! Beijos!
Line
April 24, 2017 @ 4:51 pm
Concordo com vc, infelizmente essa militância tem muito disso, desonestidade, e depois ainda falam que quem age assim não é feminista de verdade ou é apenas uma pequena minoria. Sei…
Priscilla Rúbia
May 15, 2017 @ 4:07 am
Que bom que acabou bem, mas o ponto levantado é que um cara tava explicando algo pra uma mina simplesmente pq ela era uma mina.
Priscilla Rúbia
May 15, 2017 @ 4:05 am
é um saco que a mulher tem que ficar provando que gosta daquilo de verdade, coisa que não é exigida dos fãs machos.
Esses dias escrevi um texto sobre aquele chorume que aconteceu qdo uma pesquisa divulgou que o público gamer é em sua maioria composto de mulheres, aq se alguém interessar: >> Nota da moderação: Link excluído – Não aceitamos links nos comentários <<