Mulheres que se Encaixam no Padrão de Beleza podem Sofrer Preconceito?

Ninguém está imune aos malefícios ocasionados pelos padrões de beleza que são internalizados em cada célula dos indivíduos sociais.

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Recentemente a atriz, modelo e ex-miss Paraná, Grazielle Massafera, declarou para uma revista que já sofreu todo tipo de preconceito. Mais especificamente, Grazi disse:

“Já sofri todo tipo de preconceito: por ser loura, por ser miss, por ser bonita. O brasileiro é muito preconceituoso. Seja contra negro, contra gay, contra quem tem opinião”.

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Até uma notícia no portal de humor Sensacionalista foi lançada sobre caso: “Grazi diz sofrer preconceito por ser bonita e por não saber diferença entre ‘preconceito’ e ‘privilégio’”. Na matéria, a redação do portal ironiza a declaração da atriz por meio de uma fala fictícia: “Eu acho que você está sendo preconceituosa comigo! Você acha que só porque eu sou loura, miss, magra, bonita, famosa, rica e heterossexual eu não sei o que é preconceito? Que eu não sei o que é privilégio? Você tá por fora e eu sei sim”.

Gracejos sensacionalistas à parte, a declaração da atriz causou indignação na internet por dois motivos:

1) Grazi colocou preconceito, racismo e homofobia no mesmo balaio. O que é equivocado já que racismo e homofobia são opressões estruturais históricas de nossa sociedade, enquanto o preconceito muda com o tempo e os valores de uma época e não necessariamente subjuga estruturalmente um grupo. Esse pensamento reducionista é o mesmo que leva a conclusões que defendem o “racismo reverso” ou a “heterofobia”.  Explicando melhor: ignorar que, por exemplo, o racismo é sistêmico distorce seu entendimento, fazendo com que essa opressão seja vista como um ato meramente individual. Linha de pensamento que assume ser possível que uma pessoa branca sofra “racismo reverso”.  Desse modo, ao classificar opressões como uma falha de caráter individual de um sujeito e não como um sistema histórico reforçado pelas instituições e estruturas sociais naturalizado pela socialização e pela mídia faz com que seu significado real seja apagado e diminuído.

Aamer Rahman explica por que essa linha de pensamento é inadequada

 

Assim, a declaração de Grazi vinda um local de privilégio branco e heterossexual, ou seja, que não é afetado pelas opressões citadas em sua fala (racismo e homofobia) acabou contribuindo a favor de algo que o movimento negro e LGBT vem combatendo: a redução de suas opressões estruturais a mero preconceito.

2) A ex-BBB se encaixa como uma luva no padrão de beleza eurocentrado da nossa sociedade. Loira, magra, alta, de olhos claros e com os chamados “traços finos” – enfim, tudo que é valorizado pelo padrão de beleza racista e gordofóbico ocidental. Ou seja, ela carrega tudo o que a nossa sociedade mais valoriza, como poderia sofrer por isso?

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Se o primeiro motivo de indignação é incontestável, o segundo carece de uma reflexão mais profunda:

Afinal, mulheres bonitas – ou seja, mulheres que se encaixam no padrão de beleza – podem sofrer preconceito justamente por serem bonitas?

Aproveitando o caso da Grazi mesmo, vamos refletir.

Os privilégios da Grazi

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O caso da Grazi foi identificado por ativistas do movimento negro como “problemas de garotas brancas”. O que é justo – Grazi é uma garota branca e tem problemas de garotas brancas, não poderia ser diferente. Isso significa que por ser branca, Grazi tem um privilégio estrutural, já que historicamente a nossa sociedade subjuga, violenta e mata pessoas negras e, principalmente, mulheres negras. Segundo dados do IPEA (2012), 61% das vítimas de feminicídio no Brasil são mulheres negras. Para se ter uma noção, o Mapa da Violência 2015  mostrou que de 2003 à 2012 o número de homicídios de mulheres negras aumentou 54%, enquanto houve uma diminuição de 10% no número de homicídios de mulheres brancas.

Além disso, Grazi também é privilegiada porque possui características que são valorizadas na sociedade racista e gordofóbica atual. Ela possui feições europeias, olhos claros e é magra. Assim, Grazi desde criança pôde se reconhecer nos filmes infantis, nas passarelas, nas capas das revistas, nos concursos de Miss, no cinema, nas novelas…Isso certamente contribuiu positivamente para sua autoconfiança e autoestima – um privilégio que pessoas fora do padrão não tem. E para completar, depois de participar do BBB e entrar para a Fábrica de Atores da Globo, Grazi também passou a ter um padrão econômico acessível à poucos brasileiros hoje.

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Não parando por aí, como apontado pelo portal Sensacionalista, Grazi é heterossexual, o que a coloca em mais patamares de privilégio. Indo mais além, Grazi é cis, ou seja, se identifica com o gênero que foi designada ao nascer, diferente da população transexual que é marginalizada, explorada sexualmente e morta todos os dias. Segundo uma pesquisa da ONG Transgender Europe (TGEU), o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes no país. A expectativa de vida dessa população é de 35 anos, contra 75,2 anos da população brasileira em geral, em 2014 (IBGE).

Seguindo na listinha de privilégios, Grazi não possui nenhum tipo de deficiência física e, por isso, não sofre os estigmas sociais e dificuldades diversas que fazer parte desse grupo ocasiona. E se formos um pouquinho mais além, vemos que Grazi é natural da região sul do país, a segunda região mais industrializada do país. Por fim, Grazi é do Paraná, o 4º mais rico do Brasil.

Mas e aí, a Grazi sofre?

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Como Alvo Dumbledore já disse: “Sofrer é tão humano quanto respirar”. Depois dessa lista quase interminável de privilégios, chega a ser cômico dizer que a Grazi sofre algum tipo de preconceito. Frases como “Que bobagem branca foi essa?”, “Menina, vem ver uns brancos sendo oprimidos” e “Ai meu deus vou pegar o xarope!”, podem ser vistas em posts do facebook sobre o assunto.

Contudo, não podemos esquecer que mesmo com os diferentes recortes, Grazi ainda é mulher e está sujeita a sofrer opressão de gênero. Mesmo que esteja entre as pessoas mais privilegiadas do nosso país, e seus problemas de garota branca não sejam comparáveis aos problemas de outras minorias.

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Aliás, diferentes opressões, de diferentes recortes não são comparáveis, pois as pessoas são diferentes e vivem em realidades distintas. O combate à uma unificação da categoria mulher que não faz o chamado recorte das opressões específicas que diferentes mulheres sofrem vem sendo feito e cobrado há muito tempo no Brasil, principalmente pelas mulheres que pertencem a grupos invisibilizados e historicamente silenciados.  

Mulheres brancas magras cis heterossexuais e sem deficiências são diferentes de mulheres negras, diferentes de mulheres transexuais, diferentes de mulheres lésbicas e bissexuais e, ainda, diferentes de mulheres gordas e mulheres deficientes. Cada grupo carrega um peso e uma medida em suas costas e as opressões se somam na medida em que alguém se encaixa em uma ou mais categorias.

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Além disso, diferentes vivências acarretam diferentes modos de lidar com a dor e o sofrimento. A psicóloga Ane Caroline Janiro explica em seu blog que: “não podemos desprezar a dor do outro pelo simples fato de não conseguirmos compreendê-la, já que “eu no lugar dele não sofreria tanto com isso”, pois cada um carrega uma “bagagem”, cada pessoa sofre diferente porque carrega aprendizados e vivências diferentes”.

Em suma, Grazi usufrui de toda aquela lista de privilégios que foram listados. Por conta deles, inclusive, ela é capaz de praticar opressão sobre outros grupos ao sugerir que preconceito e racismo são a mesma coisa. Ao mesmo tempo, precisamos lembrar que ela própria não está imune de sofrer certas opressões.

Definições necessárias

Falamos de preconceito quando há uma ideia pré-concebida que leva uma pessoa a julgar outra com base em certo estereótipo, ou seja, padrões e características atribuídas a determinado grupo.

Uma pessoa pode ser discriminada quando alguém possui um preconceito sobre alguma característica dela e por isso, a menospreza, desrespeita, duvida de sua capacidade, podendo até agredi-la ou violentá-la.

Existem muitos tipos de preconceitos, como o racial, religioso, de gênero, de idade, linguístico, regional, etc – lembrando, novamente, que preconceito é diferente de opressão. Pode-se sofrer um preconceito por ser loira se determinada pessoa possuir uma ideia pré-concebida sobre loiras baseada em estereótipos sociais ou pessoais. Mas, não se pode ser oprimida por ser loira, pode-se ser oprimida por ser mulher porque estruturalmente a sociedade subjuga mulheres, assim como negros e pessoas transexuais. Por isso que “racismo reverso” não é possível.

Mas, vamos a declaração da Grazi: “Sofri preconceito por ser loura, por ser miss, por ser bonita. O brasileiro é muito preconceituoso.” Que o brasileiro é preconceituoso, nós sabemos, mas o que nossa atriz e modelo global está dizendo é que já sofreu preconceito por justamente se encaixar nos padrões de beleza que são impostos a todas nós.

Será possível isso?

É verdade que se encaixar nos padrões de beleza é um privilégio. Como dizem, as portas se abrem mais facilmente para mulheres bonitas, e isso já foi provado em um estudo da Universidade de Colorado Denver.

A pesquisadora responsável, Stefanie Johnson, declarou que com exceção dos empregos que não são de liderança ou considerados masculinos, as mulheres bonitas saem na frente, ganham salários mais altos, recebem notas mais altas em avaliações de desempenho e ainda ganham mais pontos na admissão a universidades e quando concorrem a cargos públicos.

Apesar disso, é bom lembrar que vivemos em uma sociedade patriarcal, onde mulheres são consideradas inferiores, seus corpos objetificados, sua inteligência questionada, seus direitos sexuais tolhidos. Mesmo que uma mulher seja branca, heterossexual, cristã, de uma classe social favorecida, ela não deixa de ser vítima de machismo estrutural. O que acontece é que ela é menos vulnerável do que outras mulheres a sofrer violência de gênero. Mas, sim, ela ainda pode sofrer por ser mulher.

Padrões de Beleza

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Grazi é modelo, foi miss Paraná. É bom lembrar que os padrões exigidos para as mulheres nas passarelas são absurdos, levando meninas que desejam entrar na indústria da moda à uma série de riscos à sua saúde física e emocional.

Além disso, não é de hoje que assédio, abuso e violência de fotógrafos e outros profissionais do meio são relatados. É carta comum por trás dos bastidores de desfiles. Essas mulheres são o alto escalão do padrão de beleza e nem por isso estão imunes à violência de gênero.

Saindo das passarelas e voltando para a nossa socialização dentro de papéis de gênero, segundo a organização britânica Girlguiding em uma pesquisa realizada com meninas de 7 à 10 anos: 25% sentem pressão para ter um corpo perfeito, 38% não se sentem bonitas o suficiente e 15% tem vergonha da própria aparência. Repito: elas são crianças, crianças de 7 à 10 anos de idade que deveriam estar brincando, descobrindo o mundo, estudando e não se preocupando se atendem ou não aos padrões de beleza da sociedade. Mas, o que isso tem a ver?Já que a Grazi se encaixa nos padrões, como ela poderia sofrer com isso?

Explico.

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Uma matéria intitulada “10 Inconvenientes em namorar uma mulher muito bonita” da revista masculina virtual do portal Terra resume muito bem os estigmas que estão relacionados com a beleza feminina em nossa sociedade. Os motivos vão de: “irão achar que ela é interesseira”, “você se tornará ciumento e possessivo”, até “você não gostará dela pelos motivos corretos”.

Já um outro texto, “10 coisas que mulheres bonitas entendem bem”, traz situações como: “Mulheres bonitas sofrem com a ideia alheia de que não são inteligentes”, “Mulheres bonitas correm um sério risco de se tornarem foco de algum lunático obsessivo” e “Mulheres bonitas, muitas vezes, são vistas como mulheres frágeis, incapazes de lutar e vencer com as próprias mãos”.

Por que a empatia com mulheres tidas como bonitas é tão difícil?

O valor de uma mulher em nossa sociedade é medido por sua aparência, mas apesar da beleza ser valorizada ao extremo também há o estereótipo de que mulheres bonitas não são nada além disso. É o que desabafa a freelancer Juliana Faria Lopes de Santos-SP: “A questão é que uma mulher bonita nunca é vista além do que uma mulher bonita. Ela pode ser atriz, empresária, mãe, dona de casa, modelo, mas sempre vão se surpreender se ela falar de política aplicada ou sobre investimentos da bolsa”.

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Juliana continua contando que mesmo tendo apenas 19 anos já sofreu muito preconceito desse tipo até para arrumar emprego: “Já ouvi ‘você é muito bonita pra trabalhar aqui’. De início achei engraçado, depois pensei ‘sério q fui dispensada por isso?’. Isso realmente é relevante, eu daria algum problema pra empresa?”.

Além dos estigmas sobre sua capacidade, a beleza acima da média deixa a mulher mais suscetível a assédio ao longo da vida. É o que conta a pedagoga Maria Clara Motta, 49: “Eu sempre tive muita facilidade para arrumar trabalho, mesmo quando ninguém encontrava eu conseguia arrumar, porém na maioria dos lugares eu não conseguia ficar mais que um dia porque já nas primeiras horas eu sofria assédio sexual”. Mesmo em situações de rotina como ir ao médico, o assédio era constante: “Até quando eu ia ao médico eu sofria assédio, já teve um oftalmologista que me pediu para sentar no colo dele!”.

O que diz a ciência?

Uma dupla de psicólogas da Universidade da Carolina do Norte dos Estados Unidos analisaram múltiplos estudos sobre o tema e descobriram que pessoas consideradas bonitas pela sociedade tendem a ganhar mais. Além disso, há um efeito cumulativo que eleva sua confiança, pois os elogios que recebem ao longo da vida estimulam sua autoestima.

Por outro lado, um dos estudos analisados pelas pesquisadoras demonstrou que médicos tendem a atribuir menos importância aos sintomas de pessoas bonitas, já que elas são consideradas mais frágeis e propensas a reclamar no geral.

Além disso, o mesmo estudo mostrou que a “beleza” está atrelada a solidão, já que mesmo que pessoas consideradas atraentes despertem o interesse da maioria das pessoas, a beleza tende a intimidar e, por isso, pessoas em geral tendem a manter distância de pessoas bonitas.

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Já em outras questões a questão de gênero não pode ser ignorada. O tratamento dado pela sociedade para homens bonitos é bem diferente ao dado à mulheres bonitas. Normalmente, homens bonitos podem ser considerados bons líderes. Já no caso das mulheres atraentes, dados apontam que a beleza faz com que a probabilidade de contratação ou promoção para cargos de liderança diminua.

Um dos estudos analisados pelas psicólogas revelou que se você é entrevistado para um emprego por alguém do mesmo sexo, corre mais risco de não ser contratado para uma vaga se o recrutador achar que você é mais bonito do que ele.

Já outra pesquisa apresentada por economistas da Universidade de Londres concluiu que mulheres consideradas bonitas têm suas chances de contratação reduzidas em até 30% em comparação às não tão atraentes (lê-se que não se encaixam nos padrões de beleza da sociedade). O mesmo estudo demonstrou que no caso dos homens bonitos o contrário acontece – sua aceitação foi 50% maior que dos demais currículos.

Para entender melhor o porquê desse resultado, os pesquisadores entrevistaram os responsáveis por selecionar candidatos em diversas empresas. Eles descobriram que a seleção era feita quase que exclusivamente por mulheres (96%), em sua maioria solteiras (67%), com idade média de 29 anos. Baseados nesses fatos, concluiu-se que as evidências apontavam que as recrutadoras penalizavam as concorrentes mais bonitas.

A rivalidade feminina é amplamente difundida pela cultura pop (cena do filme Meninas Malvadas) 

 

Nesse ponto é importante lembrarmos que desde cedo meninas são incentivadas a serem rivais. Cria-se um atmosfera de competição cujo valor é a beleza, que consequentemente atrairia mais a atenção dos homens.

Como escreveu Aline Valek para a Carta Capital:

“Foi isso que nos ensinaram: que não poderíamos confiar umas nas outras. Cochicharam em nossos ouvidos que mulher é tudo falsa. Nos disseram que as outras eram interesseiras, traiçoeiras, que roubariam nossos namorados, que tentariam chamar mais a atenção, que eram vagabundas, sempre uma ameaça”.

Uma mulher bonita é vista como uma ameaça pelas demais e isso é socialmente construído.

Quem nunca ouviu que uma mulher atraente só conseguiu um emprego porque era bonita, ou que uma colega tirou boas notas porque tinha favores do professor, ou que uma mulher só foi promovida ou contratada porque fez o teste do sofá? Comentando essa mesma pesquisa para o Jornal O Correio do Estado, o diretor-executivo da Ricardo Xavier Recursos Humanos, Marshal Raffa, declarou que a beleza de uma candidata pode despertar inveja e concorrência em quem estiver fazendo a seleção.

A pedagoga Maria Clara Motta conta que sofreu com isso na faculdade: “eu me dedicava e estudava muito, consequentemente minhas notas eram altas, mas mesmo assim já ouvi comentários como: se eu fosse bonita como você também tirava essas notas, dando a entender que eu tinha conseguido favores de um professor”.

Marshal ainda explica que o “estigma da mulher bonita” segue com a profissional mesmo depois da contratação e se ela é por acaso promovida:

“Mesmo provando competência em sua função, a promoção de uma mulher considerada bonita acaba gerando comentários maldosos. E depois, se ela resolve mudar de emprego, terá que provar novamente que a beleza é só um complemento. Tem que mostrar competência em dobro, sempre”.

Outro estudo da Universidade de Colorado Denver publicado no “Jornal de Psicologia Social” constatou que mulheres bonitas acabam no final da fila quando se trata de arrumar determinados empregos. Os participantes da pesquisa receberam fichas com informações, fotos de diversos candidatos e a recomendação de que escolhessem aqueles que parecessem mais indicados para o cargo em questão.

As conclusões apontaram que mulheres consideradas bonitas eram ignoradas para empregos como gerente de pesquisa e desenvolvimento, diretor financeiro, engenheiro mecânico e supervisão de construção. Porém, nos cargos de recepcionista e secretária, mulheres que atendiam aos padrões de beleza eram escolhidas prontamente.

Mas, e no Brasil? Em 2014 a Elancers divulgou um estudo que chegou à conclusão que, no Brasil, 46% dos 2.075 recrutadores ouvidos disseram preferir contratar pessoas de beleza ‘média’. A exceção, como na pesquisa norte-americana, fica com vagas de atendimento ao público ou em áreas de vendas. Ainda foi verificado no estudo brasileiro que executivos casados rejeitam profissionais mulheres muito bonitas, para evitarem problemas em seu casamento.

Assim, no Brasil a beleza é vista como um fator de distração no ambiente de trabalho. Há ainda o estereótipo de que mulheres bonitas (dentro dos padrões) não são inteligentes – as típicas piadas de “loira burra” ilustram esse cenário. Do mesmo modo, o estigma social pesa também na hora da contratação, e profissões que lidam com a imagem, como modelos e apresentadoras de televisão, tendem a ter suas profissionais subestimadas e taxadas como incapazes, pois há o pensamento que para estar lá basta ser bonita.

Segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho – 52% das mulheres já sofreram assédio no trabalho. A analista de negócios e projetos Carolina Souza contou em seu blog que foi contratada uma estagiária linda e um dos diretores da época comentou: “Ela nem precisa falar, pode estar ali só embelezando o escritório”.

Nessa ocasião, a profissional percebeu que aquela mulher não teria chance de demonstrar sua competência, pois o objetivo de sua contratação era outro, a sua voz não seria ouvida. “Ela não durou nem um ano na empresa, e quem duraria em um lugar em que você só é tratada como uma tela a ser apreciada?” – questiona Carolina. Como já destacou a pedagoga Maria Clara, as contratações de mulheres bonitas tendem a ser pelos motivos errados e o assédio é constante.

Esses dados e casos mostram como mesmo aquelas mulheres que se encaixam nos padrões de beleza ainda estão suscetíveis a sofrer discriminações pelo simples fato de serem mulheres e bonitas. Mesmo aquelas que mais se encaixam em seus moldes, ainda estão sujeitas a subjugação.

Homens não são medidos pela sua aparência, mas quando são bonitos isso só soma seus atributos pessoais. Já no caso das mulheres, isso define todo o seu ser. Isso demonstra que os padrões de beleza, mesmo favorecendo uns mais do que outros, não são bondosos a ninguém.

O Peso dos Padrões de Beleza

Como já vimos, não importa se uma mulher descobriu a cura para o câncer, o que importa é se ela é bonita, se se depila, se está com o esmalte em dia, se está em um relacionamento. O fracasso ou não de uma mulher é medido pela sua aparência.

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Um dos papéis mais cultuados da sociedade para a mulher é o ornamental. Isso pode ser visto muito bem em filmes, quando mulheres são colocadas em cena somente como enfeites – sendo, na grande maioria das vezes, sexualmente objetificadas também.

Além disso, a socialização feminina desde os primeiros anos estabelece que para uma mulher ser bonita ela não pode ser natural. Por isso, a partir de uma certa idade, que começa cada vez mais cedo, as mulheres aprendem a se submeter aos rituais de beleza: depilação, tirar as sobrancelhas, pintar as unhas, usar maquiagem… Se não segue esses passos, as mulheres são taxadas como desleixadas e descuidadas.

Já a beleza masculina é muito próxima do natural. O que um homem precisa para se colocar atraente para a sociedade? Um banho e um corte de cabelo? Uma ilustração dessa discrepância é a falsa ideia de que depilação feminina é uma questão de higiene. Se esse fosse o caso, então por que os homens não são incentivados a fazer o mesmo? Por que barba (pêlos na cara) recentemente virou atributo de beleza masculina?

A beleza virtual

belezaCampanha contra a manipulação de imagens: “Qual é o segredo da minha beleza? É O creme diário Adobe Photoshop”

 

Mesmo as mulheres consideradas as mais bonitas do mundo não estão imunes a essas imposições sociais. Gisele Bündchen, uma das modelos mais bem pagas e famosas do mundo, já declarou: “Somos sempre julgadas pela aparência. Ninguém quer saber se eu tenho bom coração, por exemplo. Hoje em dia as pessoas me aceitam mais e pedem para eu ser eu mesma, do meu jeito. […] Não me sinto todo dia linda, mas tem algumas coisinhas que ajudam. Uso produtos que são bons para o cabelo e a pele, pois faz parte do meu trabalho”.

A top-model ainda contou que no começo de sua carreira era criticada por sua aparência: “Não comecei sendo primeiro lugar, e isso já tem 17 anos. Era muito jovem e recebi muitos ‘nãos’. Falavam dos meus defeitos, que eu tinha olho pequeno, mas tudo era uma questão de gosto. Não podia levar para o lado pessoal”. Se já criticaram a aparência na Gisele, imagina nós, reles mortais? Mas isso não é questão de gosto.

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Nesse ponto, as imagens dizem mais do que palavras. É importante frisar que estamos na era do photoshop. A “beleza” tornou-se algo do plano virtual. Mesmo com cirurgias plásticas diversas, as atrizes, modelos e celebridades ainda tem seus corpos “melhorados”, modificados e até mesmo deformados pelas edições digitais. Há até uma matéria sobre os 10 piores desastres em Photoshop com celebridades.

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Portanto, o padrão de beleza cultuado por nossa sociedade imagética é virtual, ou seja, não existe no plano físico. O ideal de beleza que está estampado na capa das revistas, nos anúncios publicitários, nos portais da internet é irreal. E nem Grazi e nem Gisele do plano físico, de carne e osso, se encaixam nele.

Se a própria Gisele Bündchen precisa de uns “produtinhos” para se sentir bonita, o que precisam as mulheres que não se encaixam no padrão? O fato do padrão de beleza da sociedade ser inalcançável (porque é irreal), auxilia justamente na venda de produtos, procedimentos, soluções milagrosas para as mulheres reais se encaixarem nesse molde absurdo.

belezaComo a imagem mostra, nem a Grazi escapou de passar por intervenções cirúrgicas para se adequar mais ao padrão de beleza.

 

A indústria da beleza faturou em 2015 R$ 42 bilhões só no Brasil. A insatisfação com o próprio corpo e com a aparência é um fator fundamental para que as consumidoras comprem cada novo produto que elas PRECISAM para serem bonitas, já que ser bonita é o mais importante, não é mesmo?

Aonde chegamos?

As celebridades que estampam as capas das revistas tem sua imagem manipulada, o que reforça um padrão de beleza inatingível até para quem ganhou a loteria genética do padrãozinho. Isso faz com que a rivalidade feminina já fomentada pelo patriarcado atinja outros níveis.

Na Idade Média mulheres extremamente bonitas eram queimadas em fogueiras porque supunha-se que elas tinham feito um pacto com o demônio para conseguir tal dote. Hoje, a cada dia que passa a imagem e a estética crescem em importância. E o desejo de se enquadrar nos padrões estético cresce. Assim como todos os mercados que se alimentam dessa necessidade construída: dietas, maquiagem, academias, centros cirúrgicos…

Ao mesmo tempo que mulheres consideradas bonitas têm seus corpos cultuados, vendidos, estampados em toda parte, seu ser é colocado na categoria de objeto decorativo que não pode ser nada além do que se é: um corpo bonito. Porque supostamente elas alcançaram tudo que uma mulher deseja e precisa na nossa sociedade seu sofrimento é menosprezado. Assim, a empatia por essas mulheres fica comprometida, afinal, elas não são o que a sociedade mais aclama? Quem não gostaria de ser como elas?

O resultado: as mulheres tidas como bonitas perdem o status de seres que têm o direito de sentir, pois não há o que reclamar, já que elas possuem o que toda a sociedade deseja. Depois disso, refaço a pergunta: é possível sofrer preconceito por ser loira, por ser miss e por ser bonita? Isso é mesmo tão absurdo?

Ninguém está imune aos malefícios ocasionados pelos padrões de beleza que são internalizados em cada célula dos indivíduos sociais. Como vimos, até aquelas que representam a ascensão máxima desse molde idealizado não se encaixam perfeitamente nele. Isso acarreta consequências em diferentes graus para todos, com diferentes sentidos e diferentes focos.

belezaA imagem mostra como o padrão de beleza muda com o tempo.

 

Vivências diferentes acarretam questões diferentes. De uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, ninguém passa ileso a esse mundo, e entender como o sistema afeta cada um é importante para combatê-lo e transformá-lo.

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