Liberdade e Sororidade na Espanha dos Anos 20: Conheça ‘Las Chicas del Cable’
Com o título brasileiro “As Telefonistas”, a primeira produção espanhola da Netflix mostra os distintos e importantes pontos de vista de quatro mulheres na Madrid dos anos 20.
*Esse texto não tem spoilers e quer muito que você veja essa série
Como relapsa aluna de espanhol que não pisa na sala de aula há anos, mas dedicadíssima em não esquecer o idioma, estou sempre buscando filmes, séries e músicas espanholas e latino-americanas. Foi assim que cheguei em As Telefonistas, primeira produção original Netflix da Espanha (com o título original Las Chicas del Cable). Logo descobri que ela tinha duas coisas que amo muito quando vejo séries como Grey’s Anatomy e Jane the Virgin: protagonismo feminino e muito drama.
Las Chicas conta a história de quatro mulheres que começam a trabalhar na recém-inaugurada e já bem sucedida companhia telefônica da Espanha. A série se passa em Madrid em 1928, quando o contexto histórico nos conta que as mulheres espanholas não tinham direito ao divórcio, acesso igualitário ao trabalho e nem mesmo maioridade legal se não fossem casadas. Por isso, o trabalho na telefonia não é apenas um emprego, mas sim uma chance de independência e liberdade. Mesmo estando situada em uma cidade europeia que pouco vemos nas produções mainstream, As Telefonistas conta uma história que é bastante universal e que poderia se passar em qualquer metrópole e em qualquer idioma.
Ao longo da trama, as quatro personagens centrais passam por muitos desafios que seriam rotina para as mulheres da época, mas que infelizmente permanecem como realidade até hoje. Relacionamentos abusivos e violentos sem saída – por conta da ausência do divórcio ou por dependência financeira; famílias restringentes que criticam ou até mesmo proíbem a vida social e trabalho; falta de liberdade de escolha em carreiras, relacionamentos e outros setores da vida; a descoberta da bissexualidade e o que essa experiência pode desencadear. Ao mesmo tempo, a série não é pesada, e tem momentos de leveza que fazem a experiência da maratona bastante prazerosa.
Tretas nossas de cada dia, só que na Espanha dos anos 20
O principal trunfo de Las Chicas é mostrar a sororidade como pilar fundamental para a sobrevivência daquelas mulheres. A amizade entre elas não só é verdadeira, como também um dos principais elementos de suas vidas. Por mais que alguns dos personagens masculinos tenham importância para trama, a mesma só avança quando as personagens ajudam uma a outra, seja na hora de superar um obstáculo ou de atingir um objetivo. Mesmo as outras mulheres que estão coadjuvantes às quatro protagonistas são apresentadas como seres complexos e tem um desenvolvimento interessante ao longo da trama. Algumas delas têm ideias mais questionadoras, outras menos, e a convivência faz com que elas aprendam e cresçam juntas.
Mesmo se passando nos anos 20, a obra faz questão que mostrar que tem um pensamento moderno, tanto nas ideias e questionamentos de suas personagens quanto em outros elementos técnicos. A trilha sonora é composta apenas por músicas novas ou recentes, com batidas eletrônicas modernas. Pode causar estranhamento no início e inclusive incomodar alguns espectadores (uma realidade, segundo os relatos do IMDb), mas acredito que a escolha musical seja uma boa maneira de contextualizar as mensagens que a série quer passar.
Mas claro que Chicas não é uma série perfeita. Principalmente na história do casal principal (sim, tem romance, tem shipper, com tudo que tem direito) muito é construído em cima de situações excessivamente dramáticas e encontros e desencontros que são pouco verossímeis.
Tem moços na série também.
Além disso, em alguns momentos Las Chicas del Cable assume um tom novelesco e dramático. Ao contrário de uma série como Jane The Virgin por exemplo, que assume um papel metalinguístico como telenovela mexicana e tira sarro do próprio gênero, o excesso de drama aqui muitas vezes parece forçado e deslocado. Esse tom não chega a durar um episódio inteiro e não me incomodou muito, mas esse ponto é principalmente uma questão de gosto.
A série tem momentos importantes quando critica e comenta fatos e comportamentos da época. Por exemplo, é recorrente como ela reprova o comportamento abusivo dos seus personagens masculinos de maneira clara. Ela também mostra o contexto violento que as sufragistas espanholas enfrentaram com prisões e repreensão policial. Parece “básico”, mas muitas vezes séries da atualidade se perdem ou acabam endossando a cultura do abuso ao abordar temas como esses. Não entro em muitos detalhes aqui para não revelar spoilers, mas podemos voltar ao assunto no futuro para comentar com mais detalhes.
Para a felicidade de quem gostar do que vê, a Netflix já renovou a série para mais duas temporadas. A segunda leva de episódios deve chegar ao serviço de streaming em dezembro.
Leia também 13 Reasons Why, Big Little Lies e os Abusos que Podem Durar uma Vida Inteira.
pRISCILLA
September 6, 2017 @ 1:56 pm
qUERO UMA ANÁLISE MAIS COMPLETA SIMMM, POR FAVOOR