A Diferença entre Gordofobia e Pressão Estética (e por que ninguém sofre preconceito por ser magro)

É importante questionar o que é pressão estética e gordofobia, e entender a diferença entre uma e outra.

Para mulheres, o olhar do outro é implacável. Todas nós, sem exceção, temos que lidar com estereótipos colocados sobre nós. Todas nós temos que lidar com o controle e a vigilância dos nossos corpos, nossas ações e nossas escolhas. Crescemos em uma sociedade que nos ensina desde muito pequenas que é da beleza que vem o nosso valor e que estamos aqui para servir de enfeite. Todas, definitivamente, sofremos com essas cobranças. Pensando nisso, é importante questionar o que é pressão estética e gordofobia, e entender a diferença entre uma e outra.

Em nossa sociedade, o corpo é visto como reflexo da vontade e disciplina individuais. Opções existem e temos à nossa disposição recursos infinitos para que seja possível atingir o corpo perfeito. Com a variedade de procedimentos estéticos, cirurgias plásticas, cosméticos, maquiagens e o que mais a gente possa imaginar, é quase como se o nosso corpo tivesse se tornado uma massinha, pronto para ser modelado de acordo com o padrão de beleza que nos é imposto.

Por isso, quero começar dizendo que sim, pressão estética é um problema real, grave e que precisa ser discutido. É ela que faz com que as mulheres estejam sempre insatisfeitas com seus corpos, que faz com que se sintam inseguras. Vem dela a cobrança tão grande com a aparência que gera distúrbios alimentares e doenças. É tão perigosa e nos afeta de tal maneira que pode ser difícil perceber essa influência externa na forma como nos enxergamos.

A pressão estética dita regras, nos impõe o dever de ser belas, mas também estabelece um padrão de beleza tão irreal e inatingível que só gera frustração e ódio por nós mesmas. Como a Lara disse neste texto sobre a obrigação da beleza:

“[..] talvez a ditadura da beleza imposta sobre as mulheres seja a engrenagem sexista que mais sutilmente nos destitui de poder. Em primeiro lugar, porque coloca como o ideal mais importante de nossas vidas algo que é subjetivo, variante e efêmero. Em segundo lugar, porque arranca de nós tempo, energia e recursos que poderiam ser utilizados em outras ocupações e melhoramentos pessoais mais importantes. E por último, mas não menos importante, porque cria seres inseguros, de baixa autoestima e eternamente dependentes de aprovação externa. O coquetel perfeito para a submissão.”

Assim, magras ou gordas, todas as pessoas sofrem com a pressão estética. E, como sabemos, ela cobra muito mais das mulheres. A sociedade as critica por se preocuparem com a aparência, rotulando-as como fúteis e superficiais. Mas as que não se preocupam são feias e desleixadas. Ser magra demais não pode, tem que ter volumes, mas nos lugares certos, e se tiver demais também não serve. Não dá para ganhar. Porque vivemos em uma sociedade machista, nenhuma mulher está livre dessa opressão.

Mas, mulheres diferentes passam por experiências diferentes. Eu, como mulher branca e gorda, vivo o mundo de uma maneira completamente diferente de uma mulher magra ou de uma mulher negra, por exemplo. Como o padrão de beleza vigente determina que somente mulheres magras e brancas são bonitas (e portanto, têm valor), se encaixar nessas características significa possuir certos privilégios em relação à outras mulheres.

E é aqui que pressão estética e gordofobia começam a se diferenciar. A gordofobia é a aversão, repulsa, preconceito com pessoas gordas. Então, por mais que a pressão estética seja tóxica e nociva, e por mais que mulheres magras também sofram com isso – e esse sofrimento é legítimo -, elas possuem privilégios em relação à mulheres gordas, pois não sofrem gordofobia. 

Nós podemos começar pela palavra gorda: nossa sociedade tem tanto medo de gordura e de gente gorda que a gente cria eufemismos para tentar não ofender e minimizar o seu impacto. É fofinha, cheinha, gordelícia. É o “mas você não é gorda, você é linda!”, o “você é muito bonita de rosto”. Enquanto chamar uma pessoa de magra é elogio, chamar de gorda é ofensa, é pecado, heresia, crime grave, é coisa que não se faz de jeito nenhum, a não ser que se queira ofender. 

“Se tem uma coisa que você jamais pode fazer, é chamar uma mulher de gorda na sua cara”.

E aí tem o “sobrepeso”. A própria palavra já está dizendo que é um peso a mais, que existe um padrão de peso certo no qual todas as 7 bilhões de pessoas do mundo tem que se encaixar, e quem não se encaixa tem esse probleminha, que é o peso em excesso. E tem também “obeso”, que para mim está entre as piores. Mas por que é ruim? Porque é patologia. Se sou chamada de obesa, estão dizendo para mim que meu corpo é doente, e isso sem saber de mais nada além do meu peso. E assim, mesmo que você seja daquelas pessoas que ainda pensam que ser gorda é sinônimo de ser doente, estou aqui para te falar que é errado discriminar pessoas doentes também. Porque doentes ou não, nós merecemos respeito como qualquer outro ser humano. Ou seja, mesmo esse discurso pró-saúde não justifica o ódio que é direcionado a nós.

A dificuldade de encontrar roupas é também um mecanismo de exclusão e marginalização de pessoas gordas. É praticamente impossível encontrar roupas em numerações maiores. A Polly, do Lugar de Mulher, explica muito bem nesse texto aqui:

“Quando eu morava em Londres, ia sempre num shopping gigantesco perto de casa. Dizem que é o maior da Europa, 334 lojas. Sabe quantas dessas 334 lojas vão até minha numeração? 4. Isso mesmo. No maior shopping da Europa, sou bem-vinda em apenas 4 lojas. Nas outras 330 eu posso tentar me enfiar em uma ou outra peça, mas realmente prontas pra me atender, apenas 4.”

É mais uma maneira de fazer com que sejamos invisíveis. Mas, apesar de ser um problema recorrente, a dificuldade de encontrar roupas que sirvam ainda é só a ponta do iceberg.

Pense, por exemplo, que porque pessoas gordas são vistas como doentes, somos constantemente impedidas de ocupar cargos conquistados de forma justa, como o caso de uma professora que foi aprovada em segundo lugar em um concurso, e também aprovada nos exames médicos exigidos para ocupar o cargo, mas foi impedida, por conta do seu peso. Ou da diarista, que por ser considerada “obesa” não pôde assumir um cargo público. E infelizmente elas não são as únicas, como mostram várias outras notícias. Segundo dados da Folha de São Paulo, 25% das pessoas barradas em concursos no estado são gordas. 

Já que, como disse ali em cima, existem infinitos recursos que nos auxiliam a moldar nosso corpo, só é gordo quem quer. Como só depende da força de vontade, se uma pessoa ainda é gorda é porque é preguiçosa, lhe falta disciplina e determinação. Essa lógica faz com que não exista, em nossa sociedade, símbolo maior de fracasso individual do que ser gordo. A gordura é vista como uma falha de caráter.

Essa visão de perpetua com grande ajuda da mídia, onde é muito raro ver personagens em filmes, novelas e séries que sejam gordos. Quando existem, é sempre para ser a piada, ou é um personagem que está sempre tentando emagrecer e a história toda é sobre os problemas com peso, imagem e auto-estima. É como se toda a minha vida girasse em torno daquele número da balança, ou do tamanho indicado na etiqueta da minha calça jeans.

Gabourey Sidibe teve que lutar e argumentar muito para que sua personagem ganhasse uma cena de sexo em Empire, porque sexualidade é uma coisa que é constantemente negada a pessoas gordas.

Gordos não são vistos como pessoas, que sentem, que amam, que vivem, que se apaixonam, que trabalham, que se divertem. De acordo com a imagem que é passada de nós através da mídia, somos apenas monstros da gula que estão sempre pensando na próxima refeição.

Em Friends, Monica Geller é constantemente ridicularizada por ter sido uma mulher gorda no passado, com flashbacks frequentes em que a maior piada é o seu peso. 

Nós que somos gordos passamos por várias pequenas (ou grandes) agressões todos os dias, porque a gordofobia é um problema estrutural, institucionalizado e inevitável. É a dificuldade de acessibilidade à certos lugares. São catracas de ônibus, cadeiras nos cinemas e teatros que são pequenas demais. São médicos que ignoram nossas reclamações para focar somente na gordura, como se o único problema de saúde que tivermos só pudesse ser consequência dela. Assim, dentro dessa lógica, ser gorda é estar em débito com a sociedade. Se sou gorda, automaticamente tem algo de errado comigo. Tanto que mulheres gordas que se amam e são felizes incomodam. Alyne Cristine ilustra bem essa mentalidade em seu texto “Gordofóbica, eu?”, neste trecho:

“Veja, ela estava feliz, se divertindo, mas meu inconsciente não conseguia absorver o porquê de ela estar tão satisfeita consigo mesma, saindo com diversos boys, sendo que engordou aproximadamente 10 quilos. Foi aí que percebi que a autoestima de pessoas gordas incomoda uma pessoa magra. […] Quantas vezes você já não exaltou aquela sua amiga que perdeu peso ou que ficou mais fitness? Ninguém quer ser gordo e, além disso, ninguém quer admitir que não gosta da autoestima do gordo.”

A pressão para emagrecer vem de todos os lugares, o tempo todo. Durante toda a minha vida, a gordura sempre foi ligada a quem eu sou, pois nunca me deixaram esquecer que sou gorda. Desde que era criança, aprendi que deveria mudar, que existir da forma como existo é errado, que no mundo não tem espaço para mim e por isso eu deveria fazer o possível para me adequar a ele.

O preconceito contra pessoas gordas existe até mesmo depois da morte. Casos, por exemplo, de pessoas que não encontram caixão no tamanho certo, sepulturas que são pequenas demais, funerárias que se recusam a fazer esse serviço, ou que não estão preparadas para fazê-lo. Até mesmo a nomenclatura das urnas é ofensiva, conforme esta notícia da Gazeta do Povo de Londrina: os termos “urna gorda” e urna-baleia” eram usados para designar caixões de tamanho grande.

Por essas razões, quando ouço mulheres falando em magrofobia, me sinto oprimida e silenciada. Sinto como se minha dor e minhas experiências como mulher gorda fossem insignificantes. Porque não tem espaço para mim. Sair de casa é resistência e enfrentamento.

Quando mulheres magras sentem pressão para emagrecer ainda mais, quando ouvem comentários ofensivos ou julgadores sobre seus corpos, elas têm todo o direito de se sentirem ofendidas, porque essas são falas extremamente opressoras. Mas, ainda assim, elas não são consequência da magrofobia, e sim da pressão estética que oprime todas nós. O problema não está em ser magra, como não está em ser gorda. O problema está no sistema que promove a magreza como única forma aceitável.

Por isso, falar em magrofobia é comparar problemas incomparáveis. Isso não é uma competição de quem sofre mais. Muito pelo contrário: é uma busca por mais empatia, sororidade e apoio entre nós mulheres.

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