Minorias como Lideranças Decorativas – A Evolução dos Tokens na Cultura Pop

Representatividade pressupõe caracterização e complexidades que vão além de uma participação em segundo plano, por mais imponente que ela seja.

tokens

Ok, antes de qualquer coisa, vamos a algumas definições necessárias.

Tokenismo é um termo que vem do inglês ‘token’ (símbolo) e consiste na prática de fazer pequenas concessões a um grupo minoritário para evitar eventuais acusações de preconceito ou discriminação. Na cultura pop, isso se traduz naquele único personagem não-branco no meio de um mar de gente branca, ou naquela única mulher no meio de um elenco formado inteiramente por homens.

Ou seja, o tokenismo é uma estratégia de defesa antecipada, uma medida que ensaia trazer representatividade para uma produção, mas acaba entregando apenas o mínimo na forma de um único personagem que serve de plano de fundo para a história de outros. Chamados “tokens”, esses personagens costumam ser entre secundários e terciários, e frequentemente são estereotipados e estáticos – isto é, eles não se desenvolvem ao longo da história, e não raro não sabemos nada sobre sua história pessoal.

Eu sou o cara negro token. Devo só sorrir, não me intrometer na conversa e dizer coisas como PUTZ, PORRA e ISSO É ZOADO!

 

Claro que nem sempre esse é o caso. Como toda regra, essa também tem exceções, e a construção dos personagens tokens pode variar bastante. Às vezes acontece de termos tokens que são personagens incríveis e complexos, por exemplo, e vez ou outra temos até tokens protagonistas, com tudo de positivo que isso traz (muito embora esses ganhos sejam limitados pelas óbvias implicações negativas que o simples fato de um personagem ser token representa).

O tokenismo feminino tem um nome só dele, aliás: Princípio Smurfette.

 

Mas não é sobre eles que eu quero falar (até porque eu já falei). Não, eu quero falar sobre uma variação de tokenismo que parece estar ficando cada vez mais popular ultimamente: a dos líderes decorativos.

tokensOi!

 

Estou falando, claro, dos tokens em posição de autoridade e poder: personagens que se afastam completamente da estereotipização de que normalmente são vítimas e ocupam espaços de importância e destaque em organizações ou instituições dentro de uma história. Eles podem ser presidentes do Congresso Mágico dos EUA, como a Seraphina Picquery aí em cima, ou mesmo…

tokensLíderes de Alianças Rebeldes
tokensMinistros da Magia 
tokensou até Chefes de Estado 

 

Na verdade, não importa. Porque seja qual for o título impressionante e mirabolante que possuam, uma coisa eles terão em comum: o fato de serem todos personagens estáticos e secundários fazendo o papel ora de facilitador, ora de obstáculo em histórias majoritariamente brancas e/ou masculinas.

tokensE às vezes terciários: Madam Ya Zhou (Delegada da Confederação Internacional de Bruxos) e Tynnra Pamlo (senadora e membro da Inteligência da Aliança Rebelde) que o digam.

 

Olha, eu sei que eu pareço chata, um disco quebrado até. Acredite em mim: eu não quero ser assim. Mas enquanto ficarem brincando de representatividade pela metade e esperando que a gente aplauda (como de fato aconteceu no caso da Seraphina Picquery, por exemplo) eu não vejo outra alternativa a não ser ficar escrevendo esses textos. A questão é:

É positivo ter esses personagens femininos e de minorias em posições de poder dentro das histórias?

Claro que é! E é ótimo que os velhos estereótipos opressivos estejam aos poucos sendo subvertidos.

Mas é o suficiente em termos de representatividade?

Não, não é, porque representatividade pressupõe caracterização, arco de personagem, complexidades que vão além de uma fala ou duas, por mais majestoso e importante que o personagem pareça enquanto as enuncia.

Ah Lara – ouço alguém aí dizendo – mas não dá pra todos os personagens serem super desenvolvidos, né?

Realmente, não dá. Então por que não parar de relegar as minorias aos papéis secundários e terciários e colocá-las, ao invés disso, como protagonistas (ou no mínimo em maior quantidade dentro do grupo de principais)? 

A gente sabe que dá, porque muitas coisas estão mudando – e pra melhor. O próprio Rogue One, embora tenha deixado muito a desejar em termos de representatividade feminina, nos trouxe uma história incrível cheia de personagens não-brancos. Temos um filme esse ano protagonizado por três mulheres negras (Estrelas Além do Tempo) que bateu todos os outros nas bilheterias norte-americanas (inclusive Rogue One e La La Land). Além disso, a mesma Marvel que nos deu um Nick Fury em segundo plano por tanto tempo, vai nos trazer Pantera Negra ano que vem, um filme com um elenco principal majoritariamente negro. E na televisão, cada vez mais séries trabalham a representatividade feminina, não-branca e LGBT.

tokensA gente tem até personagens não-brancos em posição de poder que não são tokens e são super bem construídos (eu tô falando, claro, do capitão Ray Holt, de Brooklyn Nine Nine).

 

Ao mesmo tempo, no entanto, a grande maioria dos filmes ainda são brancos e masculinos, e infelizmente ainda nos deparamos frequentemente com tokenismos – com a única diferença que agora eles são apresentados em figurinos impressionantes, falas assertivas e algum espaço em posteres promocionais. Temos que fazer mais, temos que fazer melhor. Não é pra ser tão difícil assim.  


Leia também Rogue One e a Persistência do Princípio Smurfette; e Por que Representatividade Importa.

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