Younger – Visibilidade Lésbica e Bissexual Longe de Estereótipos
Setembro é mês da Visibilidade Bissexual e para comemorar vamos falar sobre a série Younger.
*Contém spoilers
Imaginem se o produtor que emplacou Sex and the City apostasse em uma série com a presença da Hilary Duff no elenco? Pois é isso mesmo que aconteceu. Estreada em 2015, Younger venceu o Adweek Hot List Television Awards em 2015 na categoria “Série do Momento” e foi indicada a diversos prêmios como o Women’s Image Network Award (2016) e People’s Choice Awards (2017). No entanto, somente recentemente a série vem conquistando mais espaço junto ao público e por isso podemos considerá-la uma série “nova”, apesar de estar em sua 4ª temporada.
Com temporadas de 12 episódios com uma média 20 minutos de duração cada, a série foi inspirada em um livro de mesmo nome escrito por Pamela Redmond Satran. Exibida nos Estados Unidos na TV Land, a produção americana tem muito a acrescentar no quesito amizade entre mulheres, sexismo, os dramas do envelhecimento feminino e confrontos intergeracionais.
E, pasmem, Younger conta com duas mulheres LGBTQ+: uma lésbica nos seus quarenta, melhor amiga da personagem principal, e uma bissexual de 26 anos, amiga da personagem interpretada por Hilary Duff na trama. E o mais interessante fica pro final: as duas namoram na série por um tempo.
O enredo
Younger conta a história da recém-divorciada Liza Miller, que se vê obrigada a voltar ao mercado de trabalho depois de 15 anos vivendo como dona de casa. Aos 40 anos, a personagem encontra um entrave em seu plano: não há oportunidades para mulheres da sua idade em Nova York.
Como destaca Anna Viduani, para o Valkirias, mesmo sendo graduada em uma universidade da Ivy League norte-americana (liga das melhores universidades dos Estados Unidos), “o mercado de trabalho não está disposto a contratar Liza”.
Sem esperanças, um dia a personagem é confundida em um bar com uma jovem de 20 e poucos e decide se passar por uma mulher mais nova para conseguir um emprego e sustentar sua filha. Esse plano arriscado acaba dando certo e ela é contratada pela tradicional editora Empirical. Lá, a personagem conhece sua colega de trabalho Kelsey Peters, interpretada por Hilary Duff.
Maggie Amato
Maggie é artista plástica e está na faixa dos 40 como Liza, sua amiga de longa data. As duas se conhecem desde a faculdade. Quando Liza decide se divorciar, Maggie a acolhe em sua casa em Nova York. É Maggie quem a convence a se passar por mais jovem para conseguir um emprego.
Com um estilo elegante e sofisticado, Maggie é uma personagem cativante, cheia de falas inteligentes e adequadas para os momentos de apuros de Liza. Além disso tudo, ela é também abertamente lésbica e seus relacionamentos amorosos e encontros roubam a cena nos episódios.
A amizade entre Maggie e Liza é um dos pontos chave de Younger.
Fugindo de estereótipos relacionados às mulheres lésbicas – como se apegar muito fácil às suas namoradas, ter obrigatoriamente aparência e/ou gostos masculinos e ser vingativa quando se trata de relacionamentos – Maggie é uma mulher madura, bem resolvida sexualmente e pronta para aproveitar o que a vida tem a oferecer e ajudar sua amiga Liza.
Presente no elenco principal da série desde o primeiro episódio, a personagem é uma representação e tanto para a comunidade lésbica, vivendo abertamente sua sexualidade e espalhando sabedoria em falas sarcásticas e incisivas.
Além disso, é importante frisar que a sexualidade da personagem é só mais uma de suas características e não algo que a define.
Lauren Heller
Lauren tem 26 anos e é publicitária, judia e bissexual. Viciada em redes sociais, ela frequentemente ajuda a tirar Liza e/ou Kelsey de enrascadas usando suas habilidades nesse quesito. A jovem é um pessoa extrovertida, engraçada e simpática, e apesar de aparecer menos na trama do que Maggie ela é também uma das personagens principais.
Um destaque da personagem é sua proatividade, sempre envolvida em projetos e atividades. Ela adora organizar eventos e ajudar as amigas em seus planos. Como com Maggie, ser bissexual é só mais uma de suas características. Sua personalidade expansiva ajuda a apimentar o tom cômico da série.
Pistas sobre a sexualidade de Lauren aparecem no início da primeira temporada quando seus pais comentam que sua vida sexual é imprevisível. À primeira vista, a personagem é apresentada como alguém que quer curtir a vida acima de tudo – o que beira a promiscuidade, característica comumente associadas a pessoas não monossexuais (bissexuais, panssexuais e polissexuais).
Contudo, com o seu desenvolvimento ao longo da série, Lauren acaba por se relacionar com Maggie e posteriormente com um rapaz, o que de certa forma quebra este esteriótipo e aprofunda a personagem, que demonstra ser capaz tanto de amar e estar em um relacionamento estável, quanto saber a hora de curtir a vida.
Juntas, as melhores amigas Lauren (Molly Kate Bernard) e Kelsey (Hilary Duff) entram em inúmeras situações complicadas e divertidas.
Como foi bem colocado pelo site HollyWood Reporter:
“Embora Lauren esteja explorando sua sexualidade, ela não está em luta contra ela – uma representação de personagens bissexuais e pansexuais raramente vistos na TV”.
Ou seja, Lauren está longe de estar confusa ou em crise sobre sua sexualidade, quebrando estereótipos recorrentes à mulheres não monossexuais.
Alison Brown, uma das roteiristas de Younger, disse que sente que há ainda “muitas críticas à bissexualidade, as pessoas pensam que você é promíscuo ou realmente gay, mas não está disposto a admitir isso”. Por isso, ela diz estar emocionada por estar trabalhando em uma série que está falando sobre isso.
Maggie + Lauren
Em qualquer grupo de amigos da vida real relacionamentos acabam acontecendo. Foi o caso de Maggie e Lauren. Longe de ser um relacionamento forçado, ou para “apimentar” a série (como acontece muito nas produções audiovisuais), mais uma vez Younger dá um chá de vida real nos telespectadores apresentando de forma franca, divertida e coerente o começo o desenvolvimento e o fim do envolvimento amoroso das personagens.
Não vamos dar muitos detalhes para não tirar a emoção da série. O que vale destacar é que após o término da relação a amizade das personagens não chega ao fim. O fim da relação é mostrado como parte da vida. E mais: abre caminho para outras etapas de desenvolvimento, mais uma vez quebrando o já mencionado estereótipo de apego demasiado e vingança entre mulheres que se envolvem romanticamente.
Se um relacionamento entre mulheres já é raro na TV e no cinema, um relacionamento entre mulheres com uma grande diferença de idade é um achado e tanto.
Além de tudo, Maggie encara o novo relacionamento de Lauren com um homem sem aversão, ignorando completamente o lugar comum de lésbicas que tem medo de serem trocadas por homens por mulheres bissexuais – ideia recorrente tanto na vida real como infelizmente reforçada em produções audiovisuais, o que ocorreu, por exemplo, na série Glee.
Após o término, Maggie diz a Liza que era questão de tempo elas terminarem, pois Lauren é jovem e acabaria se interessando por outra pessoa (homem ou mulher) – o que pode acontecer em qualquer relação independente da sexualidade dos envolvidos. (Saiba mais sobre este e outros esteriótipos dados a homens e mulheres bissexuais no nosso texto do ano passado: O Medo do “B” da Sigla LGBT – Estereótipos e Invisibilidade Bissexual na Mídia).
Bônus
Abro um parênteses para comentar a presença de mulheres mais velhas na série. Além da própria Liza e Maggie, temos a diretora de Marketing, Diana Trout, de 43 anos. Liza é contratada como assistente de Diana.
Elegante e bem sucedida, a personagem muitas vezes entra em conflitos geracionais com Liza e Kelsey, o que também carrega no tom cômico da série, pois na verdade Liza está na mesma faixa etária que sua chefe. Em um dos episódios, por exemplo, Diana diz a Liza – depois de descobrir que ela mora com Maggie – que fica muito feliz que ela esteja cercada de sábias mulheres mais velhas que a aconselham (sendo ela uma delas).
A presença destas mulheres é um diferencial na série, e também para o próprio mercado de trabalho das atrizes. Como a Lara já abordou no texto O Misterioso Caso das Atrizes que Não Conseguem Mais Trabalho Depois dos 40 Anos, mulheres maduras raramente tem espaço ou representatividade na televisão e no cinema.
Além disso, por se passar em uma editora de livros, Younger nos apresenta as dinâmicas do setor editorial americano. Temos até uma representação jocosa do autor George R. R. Martin, um pouco de mal gosto admito – mas rende algumas risadas.
Entretanto, é preciso levar em consideração que a série é uma sitcom, ou seja, um comédia de situação, na qual acontecimentos de humor são encenadas em ambientes comuns como locais de trabalho, de estudo ou em meio familiar e ter personagens caricatos faz parte deste tipo de produção.
Finalmentes
Younger é uma série de nosso tempo. Internet, memes, feminismo, sexismo e os embates das gerações passadas com as mais novas nesse mundo tecnológico são tema da produção. E tudo isso com uma pitada de romance (inclusive, algo muito incomum na cultura pop: um romance entre uma mulher mais velha e um homem mais novo).
Como destacado no blog Valkirias: Younger passa no teste Bechdel. Ou seja, existem diálogos além dos interesses amorosos masculinos das personagens. Temos mulheres em posições de poder e compondo a maior parte do elenco.
Mas, como tudo na vida, nem tudo são flores: a série peca na diversidade. Anna Viaduni, para as Valkirias, assinalou: “mesmo composta majoritariamente por mulheres, não apresenta nenhum personagem latino ou negro em seus arcos principais de história”. Além disso, há críticas ao próprio desenvolvimento do relacionamento entre Maggie e Lauren, que chegou a ser lido como caricato e “sem química”.
É certo que a série não traz grandes discussões sobre sexualidade, mas esta não é a sua proposta. A simples presença de personagens LGBTQ+ é um diferencial, ainda mais se tratando de duas personagens que não são definidas por sua sexualidade. Maggie e Lauren são muito mais que uma lésbica quarentona e uma bissexual de vinte e tantos que se envolvem para agradar a audiência.
“Como Taylor Swift disse, há um lugar especial no inferno para mulheres que não ajudam outras mulheres.”
Outro ponto a ser frisado é a prevalência da amizade feminina acima dos embates amorosos das personagens – o que muitas vezes evidencia características nocivas dos relacionamentos das mesmas. Desse modo, temos um encaminhamento da trama em que a personagem, amparada por suas amigas, consegue sair de alguma relação tóxica.
Assim, apesar dos pesares, de maneira inteligente, descontraída, com um roteiro amarrado e bons atores, Younger é um entretenimento divertido e pertinente. E mais do que isso: apresenta uma mulher lésbica bem resolvida e uma bissexeual que não está confusa: duas personagens que fogem dos estereótipos comuns sobre este dois grupos tão invisibilizados. Sabemos que muito pode ser melhorado, mas de gota em gota, quem sabe um dia teremos um oceano.
Feliz mês da visibilidade Bissexual!
Leia também O Medo do “B” da Sigla LGBT – Estereótipos e Invisibilidade Bissexual na Mídia.