O Misterioso Caso das Atrizes que Não Conseguem Mais Trabalho Depois dos 40 Anos

Eis um mistério: por que muitas atrizes premiadas e celebradas somem de cena quando passam da segunda metade dos trinta?

anos

No Globo de Ouro de 2015, Tina Fey e Amy Poehler brincaram com Patricia Arquette em relação ao seu papel em Boyhood, um filme que foi filmado ao longo de doze anos. De acordo com elas, “Boyhood prova que ainda há ótimos papéis para mulheres com mais de 40 anos, desde que você seja contratada antes dos 40”.

A piada foi muito apreciada, principalmente porque a crítica embutida não é novidade nenhuma para quem trabalha em Hollywood. É simplesmente um fato que muitas atrizes, por mais talentosas que sejam, são jogadas para escanteio depois que atingem uma certa idade. Tanto que várias delas já falaram sobre isso.

“Estou nesta indústria desde os nove anos de idade e ouvi a mesma coisa ao longo da minha carreira. De repente, OLÁ, eu estou nos meus quarenta anos. E é verdade. Não é que não haja ótimas histórias sobre mulheres em seus quarenta anos. É que os chefões de Hollywood acreditam que as pessoas que vão ao cinema se interessam pouco por elas. Eu queria fazer cinema porque eu cresci assistindo a grandes performances por mulheres em seus 40, 70 anos: Anne Bancroft, filmes como ‘Alice Não Mora Mais Aqui’, papéis interessantes para mulheres em uma ótima idade.” Catherine Zeta-Jones.

“Não posso reclamar, porque me beneficiei disso. Quando tinha vinte e poucos anos, eu pegava papéis escritos para mulheres com mais de cinquenta anos. Agora estou nos meus trinta e estou tipo: ‘por que aquela atriz de vinte e quatro anos conseguiu aquele papel?’ Eu já fui essa atriz de vinte e quatro anos.” – Anne Hathaway.

“Tem coisas que são realmente decepcionantes sobre ser uma atriz em Hollywood que me surpreendem o tempo todo. Tenho 37 anos e me disseram recentemente que sou muito velha para ser o par romântico de um homem de 55. Isso foi chocante pra mim. Primeiro me senti mal, depois brava, e então eu só dei risada.” – Maggie Gyllenhaal.

Essas são apenas algumas declarações entre tantas outras ao longo dos últimos anos por parte de atrizes que viram a oferta de papéis minguar conforme elas envelheciam – uma discussão que se destacou ainda mais com os escândalos de disparidade salarial em Hollywood.

Essa invisibilidade etária feminina na indústria é apenas mais um reflexo do machismo na sociedade como um todo, que acredita que mulheres só tem valor quando são belas, e só são belas quando são jovens. De certa forma, esse é mais um fenômeno que reforça o quanto as mulheres ainda são objetificadas e valorizadas mais pelo o que podem oferecer ao olhar masculino do que por sua complexidade como ser humano. Coisa que a sketch Last Fuckable Day (algo como ‘Último Dia Fodível’), do Inside Amy Schumer, captou com maestria.

E eu digo isso com toda a convicção principalmente porque esse é um fenômeno que só acontece com mulheres, nunca com homens. Por quê? Porque homens não têm o seu valor atrelado ao quão “fodível” eles são.

Importante notar que, enquanto Hollywood opta por escalar atrizes brancas somente até os 35, 40 anos, as atrizes negras são invisibilizadas mesmo quando ainda não atingiram os trinta anos de idade. Isso tem muito a ver com o fato de que pouquíssimos papéis complexos e de protagonismo vão para elas. Uma porque Hollywood não tem muito interesse em contar e bancar histórias e experiências não-brancas (independente da idade), e outra porque os estúdios tendem a pensar que artistas não-brancas só podem ser escaladas para interpretar papéis especificamente escritos para elas – papéis que, como resultado de racismo, costumam ser poucos, secundários e terrivelmente estereotipados. Esse último ano tivemos uma leve melhora no reconhecimento e valorização que Hollywood dá a suas atrizes negras, mas só o tempo dirá se 2016 não foi apenas exceção.(*)

Bem, como não podia deixar de ser, o misterioso caso das atrizes que não conseguem trabalho depois dos quarenta é também o responsável por outros mistérios intrigantes que vira e mexe o cinema nos força goela abaixo. Como o misterioso caso das atrizes de 35 anos que fazem o papel de mãe de garotões de 25…

Hoho, lembra quando a Angelina Jolie interpretou a mãe do Colin Farrell em Alexandre, mesmo sendo só um ano mais velha que ele?

 

Ou mesmo o mistério das jovens que são pares românticos de caras vinte anos mais velhos que elas.

Harrison Ford e Anne Heche em Seis Dias e Sete Noites. Diferença de idade: 27 anos.
Jack Nicholson e Helen Hunt em Melhor é Impossível. Diferença de idade: 26 anos.
Johnny Depp e Christina Ricci, em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Diferença de idade: 16 anos.
Liam Neeson e Olivia Wilde, em Terceira Pessoa. Diferença de idade: 31 anos.
Jennifer Lawrence e Bradley Cooper, em O Lado Bom da Vida. Diferença de idade: 16 anos.
Emma Stone e Colin Firth em Magia ao Luar. Diferença de idade: 28 anos (uma constante em filmes do Woody Allen).
Richard Gere e Julia Roberts, em Uma Linda Mulher e Noiva em Fuga. Diferença de idade: 18 anos. Richard Gere e Winona Ryder, em Outono em Nova York. Diferença de idade: 22 anos.

 

E não é que eu estou querendo cagar regra no relacionamento dos outros, deusolivre, não sou dessas. É só que curiosamente, o contrário raramente acontece. Se temos um romance entre um cara jovem e uma mulher mais velha, pode ter certeza que esse será um elemento para causar choque, e será muito provavelmente o ponto central da trama.

Mais misterioso do que esses casos, no entanto, é o quanto nós, como público, raramente reparamos neles. Infelizmente, o machismo está tão entranhado, que nos causa muito pouco estranhamento o fato de mulheres serem tratadas como produtos com data de validade na indústria cinematográfica. Um fenômeno ainda mais assustador quando percebemos que o cinema é tanto um reforço como um reflexo do nosso próprio mundo.


*Editado em 06/04 para incluir o parágrafo sobre a falta de oportunidade para atrizes negras antes e depois dos quarenta anos. Agradecimentos à leitora Gabriela por chamar a atenção para a ausência da questão racial na primeira publicação.

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