Entendendo Prevenção e Pósvenção de Suicídio através de 13 Reasons Why

Uma análise da série 13 reasons why + um manual rápido de prevenção e pósvenção ao suicídio.

Neste texto falamos não somente sobre a importância de falar sobre suicídio, mas também sobre o cuidado com aqueles que ficam após o ato: a pósvenção. Em seguida ainda vamos analisar como a temática foi tratada na série 13 Reasons Why da Netflix.

Como muitos já sabem, o Setembro Amarelo teve início no Brasil em 2015. Desde então muito tem se falado sobre o tema neste mês de visibilidade do suicídio. Contudo, muitas vezes as informações se perdem em meio a frases de auto ajuda, campanhas publicitárias e outros conteúdos. Por isso, vamos esclarecer alguns pontos neste texto.

Por que é importante falar sobre suicídio? 

O suicídio é o ato intencional de autolesão com intenção de levar a morte. O fator de risco mais amplamente estudado para o comportamento suicida é a presença de um transtorno psiquiátrico/psicológico. Isto não significa que seja o único ou mais relevante. 

Outros fatores podem ser situações adversas na vida, processo de luto, falta de habilidades sociais, etc. Dentro de um estudo feito por Émile Durkheim em 1897, Le Suicide, existem alguns outros fatores a serem levado em conta. Estão entre eles: não se sentir parte do grupo onde está inserido, não aceitar as regras da sociedade e do grupo ao qual pertence e, por último, estar tão ligado ao grupo que não consegue se enxergar sem ele. 

Assim, podemos perceber que o meio (ambiente social) onde a pessoa está inserida exerce também uma influência sobre sua saúde mental, por sua vez, podendo levar ao ato suicida. .

Além disso tudo, o suicídio pode gerar uma reação em cadeia, levando a outros suicídios acontecerem. Suicídios de pessoas famosas, como Kurt Cobain (Nirvana) e Sid Vicious (Sex Pistols), foram noticiados e logo após novos casos ocorreram. Um agravante dessa situação se dá pelas mídias, a forma com a qual a notícia é passada e que idéia é vendida. 

Quando Sid Vicious cometeu suicídio, foi comercializado canetas e chaveiros com a frase “viva rápido, morra jovem e tenha um cadáver bonito” logo após o acontecimento, como uma maneira de romantizar o ocorrido.

 Em casos como esses, percebemos a importância de falar sobre suicídio e tirar os tabus e estigmas que foram atribuídos. O sofrimento emocional e psíquico é carregado de estigmas, trazendo sentimentos de vergonha em admitir essas angústias, como se isso não fosse importante e não devesse ser considerado. 

Guia rápido  de prevenção ao suicídio

Quando ouvimos sobre Setembro Amarelo, vemos muito por aí usarem a palavrinha “prevenção”. Mas como prevenir um suicídio? O que nós podemos fazer para evitar que isso ocorra?

A prevenção, neste caso, consiste em ações que atuem como auxiliadoras à a pessoa com sofrimento psíquico grande e que pensa em cometer ou planeja o suicídio. Oferecer apoio, escuta (sem julgamentos) e acolhimento são boas maneiras de ajudar uma pessoa que está sofrendo.

É importante mostrar opções para a pessoa recorrer quando tiver necessidade, como o atendimento em psicoterapia. Neste sentido, se oferecer para buscar junto com a pessoa locais onde ela possa ser atendida por um profissional de saúde mental (psicólogos), sejam com valores acessíveis ou até mesmo gratuitos, mostra que ela não estará sozinha neste processo. 

Aqui podemos ressaltar que existem opções gratuitas ou com valores sociais para pessoas em situação de vulnerabilidade social. O maior exemplo destes centros de apoio são os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferece atendimento psicológico gratuito. Toda faculdade de psicologia possui um. Além disso, temos o próprio SUS – Sistema Único de Saúde, que também oferece terapia gratuita para todos. Separamos uma thread com atendimentos acessível em São Paulo, mas vale procurar em sua cidade ou região.

CVV – linha de atendimento 24 horas

Além da psicoterapia individual, podemos falar do CVV – Centro de Valorização da Vida, que atende em todo território nacional através do número 188, com voluntários qualificados para ajudar quem precisa. 

O serviço é uma linha de atendimento direta que funciona 24h por dia. A pessoa pode ligar quando achar que precisa e sentir a necessidade de conversar, que será atendida e acolhida. 

Além disso, os atendimentos também podem ocorrer através do email de contato deles, e é possível encontrar muitas outras informações no site oficial: https://www.cvv.org.br/

Recapitulando: oferecer apoio, acolhimento e escuta (livre de julgamentos); e oferecer e mostrar serviços e locais onde a pessoa pode receber auxílio são formas de ajudar a prevenir que o suicídio ocorra.

Como ajudar um amigo?

É muito comum que as pessoas se perguntem como abordar um amigo ou um conhecido que percebemos não estar muito bem. Uma das coisas mais importantes é a forma de abordar e falar sobre o assunto.

Contudo, apesar de nós podermos demonstrar interesse pelos problemas da pessoa, devemos perguntar como ela está se sentindo e se ela se sente disposta/confortável para conversar com você.

Não é recomendado pressionar a pessoa a falar sobre o que está sentindo. Muitas vezes, nem ela mesma sabe o que está acontecendo e isso a deixa sem vontade de tentar explicar o que nem mesmo ela entende. Isso pode também desencadear outros sofrimentos como ansiedade, sentimento de inutilidade, entre outros que podem ser agravantes de sua situação.

Além disso, insistir para que alguém fale sobre seu sofrimento pode fazer com que ela se sinta coagida e intimidada ou até mesmo se sinta pior por estar preocupando excessivamente os outros. Assim, não devemos forçar a barra para alguém se abrir.

O mais importante nessas situações é deixar claro, sempre, que você está disposto a ajudar e também apenas escutar como ela se sente (sem propor soluções) – mesmo que ela não esteja disposta a falar. Assim, você pode (e deve) se mostrar disponível sempre, reforçando seu apoio e mostrando que ela tem alguém com quem contar. 

Isso inclusive ajuda para que a pessoa que você ama não se sinta sozinha e saiba que tem alguém com quem contar que não a julga ou repreende. Além disso, esse tipo de ajuda pode ser, em certos casos, a única coisa que impede alguém de tomar a decisão de interromper a sua vida.

Pósvenção: E depois?

Este é um assunto novo, mas muito pertinente quando o assunto é suicídio: a pósvenção. O conceito refere-se às atividades que servem para atenuar as consequências e sequelas de eventos traumáticos. Neste caso,  ao suicídio. 

O termo pósvenção surgiu nos EUA, utilizado a primeira vez por Edwin Shneidman, considerado o pioneiro em suicidologia e foi introduzido no Brasil em 2011, através da dissertação de mestrado da atual doutora psicóloga Karen Scavacini. 

Nas palavras deste autor (Edwin):

“a [pósvenção] tem o objetivo de ajudar os sobreviventes a viverem mais, com maior produtividade e menos estressadamente”. 

Dessa forma, de maneira simplificada, podemos dizer que os objetivos da pósvenção são aumentar a resposta e o cuidado daqueles afetados por suicídio e tentativas de suicídio, prover serviços de apoio e de reabilitação para as pessoas. 

Assim, pósvenção são ações voltadas  para o cuidado dos que ficam quando alguém comete suicidio, de modo a prevenir que novos suicídios ocorram, oferecendo serviços de cuidado especializado para o manejo do processo de luto. 

Suicídio na série 13 Reasons Why

A série 13 reasons why teve a proposta inicial de trazer o assunto à tona na mídia para falarmos sobre isso. Entretanto, há uma concordância da grande maioria de pessoas que a série deveria ter abordado a temática de uma outra maneira. Isso porque a produção apresenta cenas explícitas e diálogos incutidos, que a fazem propícia como gatilho para jovens do mundo todo.

Como base para toda essa preocupação existem estudos na área de suicidologia que demonstram a existência e probabilidade de suicídios coletivos ocorrerem, e “imitações” de suicídios famosos, como os dois casos que citamos (Kurt Cobain e Sid Vicious). 

Além disso, a maneira sobre a qual falamos do assunto pode tanto nos ajudar ajudar na prevenção, como a criar mais problemas e tabus. Nesta linha de raciocínio, conforme as críticas foram chegando, a Netflix deu sua resposta ao público aumentando a classificação indicativa da série e incluindo alertas de gatilho nos episódios

A série conta a história de Hannah Baker que no auge da adolescência sofre diversos tipos de abusos, tanto sexuais, como psicológicos. Quando Hannah “tenta” por último conversar com o orientador vocacional de sua escola, a série mostra que ela não recebeu a ajuda que deveria, passando a imagem de que realmente não há ajuda ou alternativa. Em decorrência desses traumas, a personagem não vê escapatória para seu sofrimento e por isso, vê como sua única alternativa colocar um fim nele, cometendo suicídio.

A cena do suicídio de Hannah

A cena do suicídio é bem explícita e pesada, sendo a causa de desconforto até mesmo em uma pessoa com saúde mental estável.

É claro que a série pode ser interpretada de diversas maneiras. Mas entendemos todo o cenário do suicídio da Hannah “visual” demais – ou seja, com uma estética bonita e atrativa. O que pode ser sim um gatilho, em nossa opinião, para pessoas com um histórico depressivo.

Assim, consideramos a maneira como a cena foi montada um desserviço para qualquer telespectador, tanto os que se consideram mentalmente saudáveis, como para aqueles que estão passando por algum tipo de sofrimento psíquico.

Além disso, é importante assinalar que a série dá margem a interpretação que uma pessoa depressiva não tem outra saída que não seja o suicídio. O que é muito perigoso e irresponsável, ainda mais em uma produção direcionada ao público adolescente, que se encontra em uma fase sensível e que exige atenção. 

Dois lados da mesma moeda

 Por outro lado, é importante falarmos cada vez mais sobre o suicídio e não tratá-lo como um tabu. Como mostramos no início do texto, a desinformação sobre o tema leva a proliferação de ideias prejudiciais. Assim, é comum ouvirmos coisas como “é apenas uma fase”, “frescura”, “falta de esforço”, “mente fraca” ou até mesmo acusações de ausência de fé ou força espiritual.

Dessa forma, mesmo com ressalvas, acreditamos que podemos absorver pontos muito importantes da série como um todo. Um bom exemplo é a negligência de amigos e familiares ao sofrimento de Hannah. Assim, é mostrado na série com a desatenção dos demais personagens aos sintomas de Hannah também contribuiu para que sua vida fosse perdida. 

Dessa forma, como mostramos ao longo do texto, uma pessoa em sofrimento precisa de apoio emocional das pessoas próximas, que inclui uma compreensão e disposição maior. E, claro, ajuda profissional! Assim, concordamos que o maior erro da série foi a forma como foi mostrado o ato em si, de forma romantizada.

Outro erro, também muito importante, é o da romantização de todo o planejamento que Hannah fez sobre seu suicídio. As fitas foram intencionais para que as pessoas se sentissem culpadas por sua morte, e uma maneira de expor os acontecimentos sofridos por ela. Porém, como vimos, isso teve efeitos nocivos a cada um que ouviu todas as fitas. Inclusive, um deles tenta se matar ao final da temporada.

Aqui entra o que falamos anteriormente: a maneira com a qual a notícia do suicídio é passada pode gerar novos suicídios.

Vários fatores contribuíram para o triste fim da vida de Hannah. Entretanto, foram passados apenas aqueles externos e pertinentes aos demais personagens. Não foi falado de Hannah, propriamente.

Gostaríamos de falar também sobre a probabilidade dos fatores internos de Hannah terem tido um papel tão importante quanto os fatores externos (já citados neste texto).

Hannah não apresenta sinais de boas habilidades sociais como comunicação assertiva, empatia, estratégias de enfrentamento, dentre outros. Isso a prejudicou de forma considerável, levando em conta todos os eventos que se seguiram. 

Em linha cronológica, estes eventos começaram de uma “brincadeira” com uma foto chegando até o estupro. O acúmulo de todos estes eventos estressores e traumáticos, a falta do apoio de familiares e amigos, falta de serviços escolares decentes e a falta de habilidades sociais de Hannah, facilitaram o ato de suicídio.

Aprendendo com os erros: a segunda temporada

Após as críticas e grande repercussão da primeira temporada, na temporada seguinte pode ser notado um maior cuidado com a temática. Ao longo dos episódios foi mostrado o que aconteceu com cada uma das pessoas deixadas para trás e aqui tivemos um exemplo de onde a pósvenção se faz necessária. 

Se pararmos para analisar a segunda temporada da série, cada um dos personagens apresentava sentimentos ambíguos com relação a Hannah Baker. Um misto de raiva, culpa e alívio. 

A psicóloga Karina Fukumitsu, em entrevista para a Rádio USP, no programa Diversidade em Ciência, apresenta o termo “estranho alívio”, ao qual ela se refere ao sentimento das pessoas pós-suicídio, que acontece em razão de a pessoa não estar mais aqui e então não é mais necessário despender energia a ela.

Neste sentido, as pessoas também apresentam um forte sentimento de culpa, sempre evidenciado pelos dizeres “como eu não vi isso?”, “eu poderia ter feito algo antes”, entre outras frases muito comuns. 

A mãe de Hannah se agarra a este sentimento com bastante intensidade, chegando a abrir um processo judicial, no qual se baseia a segunda temporada, para que a escola seja responsabilizada pelo incidente e haja um sentimento de “justiça” e “alívio moral”.

Conforme a série se desenrola, outro personagem ganha voz: Tyler. O personagem passa por uma série de eventos traumáticos e extremamente negativos, com os quais não consegue lidar e pedir por auxílio. Conforme isso se acumula e se agrava, Tyler começa a planejar o ataque aos estudantes no dia do baile de formatura e, consequentemente, o seu próprio fim.

Nos EUA, o índice de ataques escolares é alto, e tem uma ocorrência muito maior do que em outros lugares do mundo. A maioria dos casos ocorre devido ao bullying sofrido, causando estresse e sofrimento psicológico. A falta de auxílio é um fator de muita importância.

Entretanto, após o ocorrido com Hannah, todos os envolvidos passam a prestar mais atenção em sintomas e sinais relacionados ao risco de um suicídio acontecer. No final da temporada, Clay e o restante do grupo conseguem tirar Tyler do local antes que fosse capaz de ferir alguém ou a si próprio. Antes de mais uma tragédia ocorrer. 

Por fim, embora carregassem sentimentos hostis e de remorso, todos foram capazes de tomar decisões um pouco diferentes do que tinham tomado anteriormente. Dessa forma, acreditamos que a segunda temporada de 13 Reasons Why foi muito mais importante pro entendimento do suicídio de Hannah e dos seus agravantes. 

Precisamos ainda assinalar que a segunda temporada também colocou em evidência as consequências do ocorrido, diferente da primeira, que romantizou o ato. Por isso recomendamos que ela seja assistida como um complemento e reparação das pontas soltas da temporada inaugural da série.

Edição da cena de suicídio e 3ª temporada

Durante a divulgação da 3ª temporada da série, a Netflix divulgou que parte cena de suicídio explícito da primeira temporada seria removida da série. Em seu comunicado oficial, a plataforma disse ter consultado médicos e especialistas como a Dra. Christine Moutier, da Fundação Americana para Prevenção de Suicídios na tomada de tal decisão. 

Já o criador da série, Brian Yorkey, se justificou dizendo que a intenção criativa com essa cena era “retratar a realidade feia e dolorosa do suicídio” e “dizer a verdade sobre o horror de tal ato, para garantir que ninguém deseje imitá-lo”, mas admitiu que a cena poderia causar o efeito contrário.

Contudo, apesar dos elogios em relação à ação de marketing consciente de divulgação da nova temporada, é preciso questionar a demora para tomar providências sobre o assunto. Como vimos ao longo do texto, mais do que nunca precisamos falar de suicídio e a série, ao abordar tal temática, carrega responsabilidades para com o público e seus entes queridos, ainda mais por ser direcionada ao público adolescente. 

Autoras: 

Ana Barreto: Ana é estudante de biologia e escreve crônica em seu blog há dez anos. Depois de superar uma depressão severa hoje consegue falar abertamente sobre o tema. Ama séries, cinema e animais marinhos.

Amanda Franco: 21 anos, estudante de Psicologia (UNASP), ex-brinquedista (InCor), ativista em saúde mental, e uma apaixonada por animes, cafés, livros e gatos.

Lívia Reginato: Jornalista, social media, escrevo sobre cultura, representatividade, saúde mental e diversidade. Colaboradora no #NódeOito desde 2016. Mais em: https://medium.com/@liviareg

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