Por que Achamos que Mulheres não Sabem Fazer Humor (+4 Comediantes na Netflix que Provam o Contrário)

Investigamos por que, como sociedade, achamos que homens são mais engraçados que mulheres. 

Ali Wong no seu especial de humor stand up Baby Cobra, da Netflix

Faz um tempinho recebemos um tweet de uma leitora incomodada por ter ouvido que mulher fazendo comédia stand up não tem a menor graça. Não surpreendentemente, quem disse isso foi um homem, assim como são geralmente homens que costumam dizer que mulheres não são engraçadas, de forma geral. Ambas as afirmações estão para mim entre algumas das poucas coisas hilárias que homens falam, porque contrariam espetacularmente a minha experiência com outras mulheres.

O confronto entre a minha realidade e a percepção geral sobre mulheres e humor sempre me intrigou, mas felizmente não só a mim. Pesquisando o assunto, descobri que vários estudos já foram feitos para entender o que acontece. Afinal, por que achamos, como sociedade, que mulheres são menos engraçadas do que homens?

Tina Fey, premiada comediante, roteirista e atriz norte-americana toda vez que alguém acha isso em voz alta.

 

Um desses estudos descobriu algo particularmente interessante em 2001. Analisando conversas casuais entre jovens, os pesquisadores descobriram que embora homens contassem mais piadas bem-sucedidas em grupos mistos, mulheres contavam muito mais piadas quando estavam somente entre elas próprias. A conclusão dos pesquisadores foi bastante reveladora: “evidentemente, mulheres só fazem graça quando os homens não estão por perto”.   

Não por acaso, esse resultado faz todo sentido quando observamos o resultado de um outro estudo sobre o tema, que analisou o nível de atratividade exercido por indivíduos com base em aparência e senso de humor. No estudo, cem estudantes universitários tiveram que avaliar o quão atraentes consideravam determinados indivíduos do sexo oposto com base apenas em uma foto e uma transcrição de entrevista supostamente conduzida com a pessoa da foto. O resultado foi o seguinte: enquanto mulheres preferiram os homens que foram engraçados em suas entrevistas, os homens consideraram as mulheres bonitas e engraçadas menos desejáveis do que as que eram apenas bonitas.

Resultados como esse sempre intrigaram pesquisadores, pois um traço comum que tanto homens como mulheres sempre dizem desejar nos seus parceiros é senso de humor. No entanto, tudo ficou mais claro quando eles buscaram saber o que cada um entendia por “senso de humor”. Em suma, o que descobriram foi o seguinte: mulheres querem homens engraçados, enquanto homens querem mulheres que deem risada de suas piadas. Curiosamente, outro estudo descobriu que homens se sentem menos atraídos por mulheres que são mais inteligentes que eles próprios, o que tem especial relevância para o tópico em questão já que humor de verdade implica inteligência.

Em poucas palavras, os estudos concluem o que muitas de nós – conscientemente ou não – já sabemos: humor simplesmente não é tão bem-vindo quando é feito por mulheres. Pelo menos, não por homens.

Print de texto da Veja sobre a primeira dama Marcela Temer - "Bela, recatada e do lar"Lembrando qual o ideal feminino na sociedade machista.

 

Tais expectativas acabam modificando o nosso comportamento, pois se somos tolhidas ou mesmo se acreditamos na ideia de que mulheres são menos engraçadas, acabamos nos arriscando menos nas piadas. E no humor, se arriscar é necessário. Outro estudo descobriu que homens fazem muito mais tentativas de humor do que as mulheres, provavelmente porque sabem (mesmo que não conscientemente) que têm muito mais a ganhar do que a perder com uma piada bem-sucedida.

Tudo isso pode explicar por que é tão mais difícil vermos comediantes mulheres do que homens. É um ciclo que se retroalimenta: mulheres engraçadas são menos desejadas, o que faz com que menos mulheres se arrisquem no humor, sendo que as que se arriscam são frequentemente hostilizadas, pois precisam enfrentar um meio dominado por homens que não gostam nadinha de mulheres engraçadas. Claramente, um dilema.

Além disso, há também o problema do androcentrismo – isto é, a ideia predominante de que homens são o padrão de humanidade. Essa noção faz com que a comédia feita por homens seja considerada simplesmente Comédia, enquanto que a comédia feita por mulheres é entendida como “comédia feminina”, quase como uma subcategoria.

Print de parte do stand up Hard Knock Wife da comediante Ali Wong em que ela diz: "Eu não vou esconder que fui muito sexualmente ativa durante meus vinte anos. Porque todo mundo sabe o segredo agora: que quando uma mulher transa com um cara logo de cara, não é porque não nos damos o respeito. É porque não respeitamos vocês!Pessoalmente, eu também tenho a teoria de que homens são péssimos em aceitar uma piada, e quando temos uma comediante no palco, eles inevitavelmente se tornam alvo de várias.

 

Bom, fica aí algo que a maioria de nós mulheres já sabemos há muito tempo: humor feito por mulheres não é subcategoria. E se você duvida, sugiro que abra bem os olhos e repare nas comediantes que estão cada vez mais conquistando espaço na comédia nos últimos anos. Só na Netflix você pode assistir várias, sendo que as minhas preferidas, você confere abaixo.

Michelle Wolf

A comediante Michelle Wolf

Comediante, roteirista, produtora e apresentadora, Michelle Wolf é uma das melhores novidades da Netflix esse ano. Veterana na comédia como colaboradora e roteirista para os talk shows Late Night with Seth Meyers e The Daily Show with Trevor Noah, Wolf estreia agora The Break, um programa semanal só seu na Netflix que mistura doses de talk show com comentários afiados sobre as principais notícias da semana anterior nos EUA e no mundo. Antes disso, Wolf alcançou o estrelato com o seu discurso sarcástico e provocativo no jantar dos correspondentes da Casa Branca, onde não se intimidou ao tirar sarro e criticar tanto membros do governo norte-americano, como da imprensa. Anote aí na sua programação de domingo.

Ali Wong

Ali Wong no especial de humor stand up Hard Knock Wife

Ali Wong é uma atriz, comediante e roteirista americana que se tornou uma das pessoas mais engraçadas que eu já tive o prazer de assistir na televisão. Construindo seu caminho aos poucos há mais de uma década, a artista finalmente conquistou a fama com o lançamento do seu especial Baby Cobra em 2016 e, mais recentemente, com o especial Hard Knock Wife – ambos na Netflix e excelentes (uma dica: assista-os como duas partes do mesmo show e não caia no seu discurso antifeminista irônico). Ah, e já ia esquecendo: em ambos os especiais Ali se apresenta enquanto grávida de sete meses. De acordo com ela: “Gravidez para uma mulher que trabalha é geralmente percebido como uma fraqueza. Eu queria usar minha gravidez como uma fonte de poder e transformá-la em uma arma ao invés de uma fraqueza”. O que dizer? Maravilhosa.

Hannah Gadsby

Hannah Gadsby no especial de stand up Nanette

Hannah Gadsby é uma comediante australiana que você deve reconhecer se assistiu a ótima série de dramédia Please Like Me (já escrevemos sobre a série aqui ó). Internacionalmente consagrada, Gadsby estreou recentemente na Netflix a sua última performance de stand up: Nanette – um espetáculo imperdível e revolucionário, em que a artista mistura doses iguais de humor e confrontamento, com histórias das violências que sofreu (e sofre) enquanto mulher e lésbica. Sem sombra dúvidas, uma das apresentações mais potentes e impactantes que eu já assisti na vida. Não deixe de ver.

Chelsea Peretti

Chelsea Peretti no seu especial de stand up One of the Greats

Se você assiste Brooklyn Nine-Nine, provavelmente já é fã da Chelsea Peretti, que interpreta ninguém menos que a hilária Gina na série. Chelsea é veterana da comédia tanto no stand up, quanto como atriz e roteirista – entre outros trabalhos, a diva tem seu nome no roteiro de nada menos que seis episódios de Parks and Recreation. Na Netflix, você pode conferir o seu imperdível especial Chelsea Peretti: One of the Greats.

Só uma observação: Peretti é casada com Jordan Peele, a mente por trás terror Corra!, indicado ao Oscar desse ano (escrevemos sobre o filme aqui, confere lá). Ou seja, casal de gênios, sou fã.  


Leia também The Good Place: Uma Análise da Natureza Humana e uma Inovação para as Sitcoms; e Brooklyn Nine-Nine: Discretamente Progressiva, Gritantemente Necessária.

Comentários do Facebook