5 Mitos sobre Amor Romântico na Cultura Pop que Sustentam o Mito da Friendzone

O conceito de friendzone nunca vai morrer enquanto formos alimentados a colheradas de mitos cretinos sobre o amor romântico.

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Ahh, a temida friendzone (ou ‘zona da amizade’)! Aquele lugar imaginário que os não-correspondidos gostam de evocar quando não sabem lidar com a frase “gosto de você só como amigo”.

Se você não esteve em coma na última década, com certeza já ouviu o termo antes. Sua origem data de um longínquo episódio de Friends de 1994 (The One With the Blackout), em que o Joey avisa o Ross que ele está caindo na temida friendzone da Rachel, e que uma vez lá ele nunca seria visto por ela como um par romântico em potencial.

friendzonePorque você esperou demais para fazer sua jogada…e agora está na friendzone. / Não estou na zona. / Não, Ross. Você é o prefeito da zona.

 

O episódio em si não elabora muito sobre a friendzone além de uma piada ou duas, mas isso não impediu que o termo fosse apropriado com o passar dos anos para se tornar um conceito que culpa as mulheres pela sofrência amorosa dos Caras Legais™. Com isso, inúmeros homens unidos em solidariedade já abusaram do termo para lamentar a injustiça de terem sido rejeitados, enquanto outros tantos aproveitaram a deixa para criar memes, páginas, vídeos e até livros sobre o assunto.

Em tese, a ideia de friendzone parece bem normal. Poxa, quem nunca ficou #chatiado com um amor não correspondido? É triste mesmo, cara! O problema é que friendzone não é simplesmente um termo para amor não correspondido, mas sim um fenômeno entre homens que se sentem injustiçados quando uma mulher diz que só quer amizade.

É isso o que caracteriza o conceito de friendzone: o sentimento de injustiça, de ser vítima de uma situação. E como é muito raro que mulheres se sintam injustiçadas após terem sido rejeitadas por um cara, a friendzone acabou se configurando como um fenômeno predominantemente masculino. Embora, na teoria, tanto homens como mulheres possam sofrer com ela, a vilanização de quem rejeita só acontece quando essa pessoa é uma mulher.

Pois bem, se você não sabia nada sobre friendzone antes de chegar nesse texto, fique sabendo que eu não sou nem de longe a primeira a falar sobre isso. Muitas mulheres já criticaram fortemente o conceito ao longo dos anos, principalmente porque a ideia de que uma mulher deve algo a um homem só porque ele foi legal com ela, além de estapafúrdia, tem cheirinho de machismo. Infelizmente, apesar de toda a crítica, ainda vemos muitos caras vilanizando as minas e rotulando-as de egoístas, aproveitadoras e cruéis por não quererem ficar com um cara.

friendzoneUma indagação recorrente entre os crentes da friendzone: qual o sentido de ser seu amigo se não vai rolar sexo?

 

Mas por quê?

Por que é tão mais fácil vilanizar uma mulher que rejeita um cara legal do que o contrário? Por que o conceito de friendzone desperta tanta solidariedade entre os homens a ponto de se tornar esse fenômeno que se recusa a morrer? E acima de tudo, por que é tão difícil para os caras simplesmente aceitarem um ‘não’?

Essa última, na verdade, é a pergunta de um milhão de dólares. Porque a real é que não existe friendzone. O que é existe é um monte de homem que não sabe lidar com rejeição feminina.

E é aí que a coisa pega. Porque ao que me parece essa dificuldade vem de uma série de suposições, estereótipos e mitos sobre amor romântico entre homens e mulheres que são constantemente martelados na nossa cabeça. E pior: são reproduzidos incessantemente nos filmes, séries e histórias que amamos. A verdade é que o conceito de friendzone nunca vai morrer enquanto formos alimentados a colheradas de mitos como:

Mito 1: O herói sempre tem direito a uma garota. Principalmente se ele for um Cara Legal

Esse mito enxerga as mulheres como uma recompensa por bom comportamento. Se o cara é legal e ainda assim é rejeitado, das duas uma: ou ele precisa insistir mais até a garota ceder;

friendzoneO que pode ter resultados assustadores…
friendzonee/ou cretinos…

 

…ou a mulher é uma vadia que não o merece. No entanto, essa última situação raramente acontece em filmes, porque o herói sempre consegue conquistar a garota no final.

O grande problema é que a vida não é um filme e mulheres não são troféus. Mulheres são indivíduos que gozam plenamente do direito de dizer ‘não’ para um romance ao mesmo tempo em que dizem ‘sim’ para uma amizade.

Então, quando os meninos crescem acreditando que elas são suas por direito (já que eles são os heróis de suas próprias vidas), temos um problema. Porque quando eles inevitavelmente são rejeitados (mesmo quando são caras legais de verdade, porque a vida é assim mesmo) eles se sentem injustiçados, e as mulheres são vilanizadas. Ou seja: friendzone feelings.

Mito 2: Homens conquistam, mulheres são conquistadas

O item um decorre principalmente desse mito, pois é daqui que vem a ideia que nos objetifica como prêmios. Isso significa que no ideal romântico somos terrivelmente des-empoderadas, já que a expectativa é a de que sejamos passivas, sempre à espera da ação dos caras. A ideia de que possamos não reagir de forma positiva à tentativa de conquista com certeza existe, mas é atenuada pelo Mito 1, que faz com que o sentimento de injustiça cresça quando a rejeição acontece. O que fatalmente leva a, isso mesmo – friendzone feelings.

Em cinco das sete subtramas de Simplesmente Amor são os homens que agem para conquistar as mulheres e, adivinha – todos são recompensados no final.

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Já as únicas duas subtramas encabeçadas por mulheres não acabam tão bem.

 

Mito 3: A Conquista romântica exige persistência

Se fosse para escolher um ensinamento principal passado por comédias românticas ao longo de décadas, seria esse: a ideia de que quando mulheres dizem ‘não’, o que elas querem dizer é ‘você não está tentando o suficiente’. Essa é a ideia por trás do termo “conquista”, aliás. Conquistas não devem ser fáceis, por mais otimistas que sejam as suas expectativas em relação a elas (Mito 1). Lembre-se: de acordo com o ideal romântico, mulheres são como prêmios. E ninguém ganha prêmio de graça.

Para mulheres, essa ideia é especialmente problemática, pois desconsidera as suas vontades, a menos que elas coincidam com as dos pretendentes. Isso muitas vezes as coloca em situação quase certa de assédio, mesmo que elas tenham dito ‘não’ com todas as letras.

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Já para homens, quanto mais tempo e energia eles gastam tentando conquistar a atenção de uma mulher (e sabemos que isso pode durar bastante tempo), maior o sentimento de injustiça e ressentimento quando a rejeição acontece. Ou seja: friendzone feelings ativado.

friendzoneMesmo assim, se você acha ruim estar na “friendzone”, imagina descobrir que o seu amigo só te tratava bem porque queria transar com você.

Mito 4: Mulheres e homens não podem ser ‘só amigos’

Se tem alguma coisa que é mais difícil de encontrar em filmes do que duas mulheres conversando sobre qualquer coisa que não seja um homem, é amizade entre homem e mulher hetero que não acaba em romance. Das duas uma: ou o filme nem contempla uma amizade como essa, ou ele faz questão de descartá-la em prol do amor romântico.

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A mensagem é muito clara: amizade entre um homem e uma mulher hetero é praticamente impossível, e se você tem uma, pode ter certeza que em algum momento vai rolar um sweet loving. O máximo que a cultura pop consegue nos entregar nessa frente é uma amizade em que um dos personagens é apaixonado e o outro não. E aí normalmente a história descamba inevitavelmente para o romance.

friendzoneCurioso pensar que a mais famosa comédia romântica que mostra a raridade de uma mulher ativamente tentando conquistar um cara não acaba com eles juntos. 

 

Enfim, preciso dizer o que esse mito significa para o cara que mantém amizade com uma mulher com a expectativa de uma hora ser recompensado com uma namorada? Sim, isso mesmo. Friendzone feelings.

Mito 5: Mulheres não sabem o que é bom pra elas

Esse é um mito não específico das histórias românticas, mas impregnado em toda a cultura pop pelo simples fato de mulheres serem mal representadas na mídia – seja porque poucas personagens femininas são escritas, seja porque as que são geralmente não passam de estereótipos. A combinação da ausência com o reforço de estereótipos acaba endossando crenças machistas, sendo uma delas a noção de que mulheres são menos relevantes e capazes do que homens.

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Um dos resultados dessa crença é o de que a autonomia das mulheres se torna facilmente desrespeitada ou desconsiderada. Ou seja, se ela diz ‘não’, continue insistindo. Se ela continua dizendo não, ela é burra e não sabe o que está fazendo. É dessa crença que nasce uma das ideias mais estapafúrdias que acomete muitos dos imersos na ilusão da friendzone: a crença de que mulheres só gostam dos cretinos.

friendzoneO que acontece não é que ela só gosta de cretino, é que ela não gosta de você, amigão. Aceita que dói menos.

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Enfim. O buraco do friendzone é muito mais embaixo, e por isso não surpreende que esse seja um conceito ainda tão difundido. Como eu disse lá em cima, ele nunca vai morrer enquanto a nossa ideia de romance não for questionada. Até isso acontecer, prepare-se para muita sofrência.


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