Minorias Mágicas, Sábias e…Secundárias – Reforçando Dinâmicas de Poder Através da Cultura Pop

Mais um tipo de representação que, embora possa ter uma intenção benevolente, ainda assim reforça a marginalização de minorias.

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Reconhecer clichês e estereótipos na mídia e entender como muitos deles podem ser nocivos nem sempre é fácil. Frequentemente, falamos por aqui de casos sutis de machismo e racismo na cultura pop, com estereótipos e clichês que muitas vezes parecem enaltecer mulheres e outras minorias, mas que na verdade reforçam dinâmicas de poder que há séculos as mantém nessa posição. Tendo falado recentemente sobre a Coadjuvante Hiper Competente, resolvi focar dessa vez em outro padrão que se repete vezes sem conta na cultura pop e também reforça a marginalização de diferentes grupos na sociedade: o das Minorias Mágicas.

Pois bem, o estereótipo das Minorias Mágicas se refere àqueles personagens pertencentes a alguma minoria que possuem uma sabedoria muito acima da média (mágica ou não) e ajudam o protagonista – na maioria das vezes homem branco cis hetero – a superar ou conquistar seja lá o que for que ele precisa conquistar ou superar. Sem história própria e frequentemente indiferente à sua posição inferiorizada em relação ao protagonista (seja social ou economicamente), esse tipo de personagem costuma ser secundário, sendo o seu maior objetivo ajudar o nosso herói “padrão”. Alguns exemplos incluem:

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O Negro Mágico: Cheio de sabedoria, espiritualidade ou às vezes literalmente mágico, ele costuma ser de origem humilde (um zelador, um prisioneiro, um mendigo), mas pouco se preocupa com a própria condição. Frequentemente, ele desaparece ou morre depois de dispensar sábios conselhos ou ajudar o protagonista branco de alguma forma. Muitos filmes com o Morgan Freeman trazem esse estereótipo. 

O Indígena em União com a Natureza: Aquele personagem de origem indígena cuja proximidade com a natureza lhe outorga uma sabedoria e poderes que os “brancos civilizados” não têm, mas que serão usados em seu favor.

O Mestre Asiático: Normalmente aparece na forma de um mestre em artes marciais, curandeiro ou praticante de alguma religião oriental que ajuda ou dá lições ao protagonista branco. Mesmo quando não é literalmente mágico, ele poderá ser tão bem sucedido na sua prática que parecerá sobrenatural. Não raro ele é visto meditando e falando em provérbios.

O Gay Sábio: Pode se aplicar também a personagens lésbicas, bissexuais e transexuais, mas como há um apagamento generalizado dessas e outras siglas queer na mídia, o que mais temos é o Gay Sábio. Frequentemente no papel de Melhor Amigo do protagonista hetero, esse personagem sabe muito sobre a vida, o universo e tudo o mais, e vive dispensando conselhos sobre relacionamentos. Em dramas, não é incomum o personagem morrer para ensinar lições sobre homofobia ao protagonista ou ao público.

A Manic Pixie Dream Girl: Como mulheres compõem um grupo historicamente oprimido (social, econômica, política e/ou culturalmente), elas também são consideradas minorias e possuem os seus próprios estereótipos mágicos e sábios. A Manic Pixie Dream Girl, por exemplo, é aquela personagem feminina adorável que possui alguma sabedoria misteriosa baseada em alegria de viver, e está ali para fazer com que o pobre protagonista masculino aprenda a olhar para a vida de forma diferente e, com isso, consiga encontrar a felicidade. (Sobre isso, leia também Mulheres Misteriosas e as Armadilhas do Machismo Benevolente na Cultura Pop e Será a Manic Pixie Dream Girl a Versão Moderninha do Bela, Recatada e do Lar?).

Todos esses clichês e estereótipos acabam funcionando em oposição àqueles que são descaradamente ofensivos – como o Negro Bandido ou o Gay Promíscuo -, com personagens que são enaltecidos por sua sabedoria, espiritualidade ou magia. No entanto, por não terem história própria e existirem em função do protagonista “padrão”, eles continuam ocupando uma posição inferior e marginalizada.

Por isso, embora a intenção por trás possa ser benevolente, esse tipo de representação continua sendo um problema. Uma porque apresenta os membros desses grupos como seres místicos, exóticos e incompreensíveis – isto é, como menos humanos. E outra, porque embora pareçam muito sábios e poderosos, eles continuam sendo secundários em relação ao herói “padrão”, o que nos passa a mensagem de qual história tem mais valor e importância. Além disso, o fato de eles existirem em função desse protagonista “padrão” acaba reforçando as dinâmicas de poder opressoras do nosso próprio mundo.

De certa forma, esses clichês são atualizações de estereótipos clássicos, como a Mammy (ou Mãe Preta), sempre contente com sua posição servil e leal à família branca a que serve; ou o Nobre Selvagem, que está sempre pronto para se sacrificar para que um protagonista branco possa viver. E claro, existem também outras versões mais atuais desses estereótipos, como O Melhor Amigo [Insira Aqui a Minoria] ou mesmo as Lideranças Decorativas.

Oi Seraphina Picquery. 

 

Talvez a melhor forma de entender essa problemática seja inverter os papéis e identificar o duplo padrão que existe quando se trata de retratar personagens poderosos, mágicos e/ou sábios. Pois quando um personagem “padrão” ocupa essa posição e ajuda uma minoria de alguma forma, ele não é secundário, mas sim o protagonista e salvador da porra toda.

Eu nunca vou me conformar com esse filme. 

 

Infelizmente, tudo isso reflete e reforça as dinâmicas de poder que ainda prevalecem na estrutura e no nosso imaginário social. Por isso, mesmo com todo o avanço das últimas décadas, é preciso manter os olhos bem abertos e entender que ainda temos um longo caminho a percorrer.


Leia também Mulheres Misteriosas e as Armadilhas do Machismo Benevolente na Cultura Pop; e Minorias como Lideranças Decorativas – A Evolução dos Tokens na Cultura Pop.

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