Identidade GG

Fazer as pazes com uma etiqueta nunca foi tão bom.

gorda                                                                                                                               Imagem: Jezra M. Siga no Instagram.

Eu me lembro do dia em que me descobri gorda. Eu devia ter entre 6 ou 7 anos e minha prima tinha levado uma leva de roupa que não servia mais nela. Família grande ceis sabem, a roupa passa na mão de quase todos os membros da família antes de ser descartada, e nessa leva especifica tinha uma saia xadrez verde que eu queria muito, fui experimentar e não serviu. Me lembro que tentei de tudo e nada da danada entrar. Depois desse dia eu me tornei a gorda.

Bom, o fato é que realmente a partir dessa idade eu comecei a engordar e só parei aos 15 anos, com poucas variações de peso desde então, tirando a compulsão alimentar que é uma realidade com a qual eu ainda lido.

Convivi muito tempo da minha vida com o fato de que ser gorda me excluía. Me fazia ser a piada “mas você não liga, né”, aceitei e acreditei que quando eu emagrecesse minha vida realmente ia mudar e um cara ia se apaixonar por mim e tudo ia ser melhor na minha vida.

Durante algum tempo fiz academia, dieta, etc etc etc, mas uma vez li um texto que dizia que não adianta você tentar mudar o seu corpo se você não ama ele. Como você vai querer melhorar uma coisa que você não ama, que você não respeita?

A diva Gabi Fresh mostrando que merece respeito.

 

Migues esse texto mudou minha vida. Desse dia e até hoje eu tento me amar e me respeitar ao máximo, mas confesso que alguns dias são muito mais fáceis do que outros.

Quando você se descobre uma criança gorda, toda a sua perspectiva de mundo muda. Você vê que todo mundo ao seu redor abomina essa característica que você por um acaso possui. Ninguém quer ser gorda. É quase como uma doença contagiosa – e você tem essa doença.

Você não vai se ver nas novelas, nos jornais, na política, nas revistas. Você dificilmente vai ver na mídia alguém como você namorando alguém “bonito”. Você uma hora vai entender que tem que ser engraçada para se destacar e conseguir a amizade das pessoas.

Ver pessoas magras se chamando de gordas é uma coisa que dói na alma. Sabe por que? Porque essas pessoas estão por aí em seus manequins 36-42 dizendo isso como se fosse uma piada, mas não sentem na pele o que é não encontrar uma calça jeans que fique bem, o que é ter vergonha do próprio corpo e chegar ao ponto de tentar se ver nua o mínimo possível porque, né. Ninguém merece banha.

Tess Holliday, uma das únicas modelos verdadeiramente plus size da grande mídia.

 

Ser gorda não devia limitar a nossa vida. Devia ser apenas um adjetivo como qualquer outro:  morena, loira, leal, confidente. Mas não é dessa forma. A partir do momento que você é considerada gorda, suas escolhas são limitadas. As roupas que você vai, os lugares que você vai frequentar, a sua afetividade e, principalmente, a sua autoestima. Todas essas coisas são completamente destruídas e você, ser humano com um percentual de gordura maior que o resto do mundo, passa anos (senão a vida toda) tentando catar os caquinhos e dando graças a Deusa se um dia encontrar alguém “que te aceite como você é”. As lojas nos excluem na cara dura, esse sistema nojento impõe um padrão de beleza ridículo e qualquer pessoa que ouse não estar dentro dele é excluído sem precedente nenhum.

Ser gorda é ser patrimônio da humanidade. As pessoas acham completamente normal te falar coisas como “você é linda de rosto”, “nossa, mas e a sua saúde”, “mas ele gosta de você assim?”, “mas você sabe que depois dos 25 você não emagrece mais de forma fácil né, só com cirurgia”. E é um preconceito tão naturalizado, tão embutido, que as pessoas acham ruim quando percebem que ofenderam alguém.

‘Gordice’ é um dos termos que me dão calafrios. Quer dizer, o fato de você comer uma coisa que você gosta é uma coisa abominável! Ai de você se permitir se alimentar com as coisas que te fazem feliz. Você estará para sempre resumida ao limbo DAZGORDA, já era!

A modelo Andrea Michelle.

 

Ah, mas Adélia você é um ser humano perfeito? Falou a desconstruidona, uia!

Não. Não. E não.

Durante muito tempo da minha vida eu falei que comer no McDonald’s era gordice, que só não emagrecia quem não queria, e quando via uma mulher mais gorda que não passava na catraca pedia as cinco chagas de Cristo que nunca na vida ficasse dessa forma. A nossa cabeça fica tão doida, a gente não se aceita tanto, que tenta achar normal esse tipo de coisa. Isso porque eu sou uma gorda menor. Hoje até consigo comprar em algumas lojas da cidade sem me sentir o cocô do cavalo bandido. Fico pensando em como as mulheres maiores devem sofrer esse tipo de coisa multiplicado por mil. A desconstrução é um processo diário e não é feito da noite pro dia. Um passo de cada vez.

O termo plus size é outro que me dá vontade de bater a cabeça na parede. Não me leve a mal, as modelos plus size são maravilhosas, incríveis e empoderadas. Mas em muitos casos ela não são gordas! Elas são o que o sistema aceita que seja visto. Elas não têm barriga, não têm estrias e são curvilíneas. Porra, eu não sou curvilínea. Eu sou gorda e tenho barriga! Toda calça que eu uso fica o raio de uma pochete. Eu não me sinto representada por essas mulheres, nem aqui nem na China!

gordaClose erradíssimo da nossa migue C&A, loja onde nunca consegui comprar um peça de roupa.

 

E na moda é até engraçado, porque ‘ok, você é gorda, mas né, vamos esconder esses braços, vamo usar uma brusinha pra esconder a pochete e o capô de fusca’. Quer dizer, impõe-se direto até onde você pode ser gorda.

O maior desafio é ressignificar a palavra ‘gorda’. Durante um tempo isso é como se fosse um xingamento, uma ofensa, uma lembrança daquele defeito que você gostaria de não ter. Somos chamadas de gordinhas, fofinhas, cheinhas, plus size e leva um tempo para fazer as pazes com essa palavra. Acolher, encher de carinho e ver que de fato isso é apenas uma característica, e que isso não te define como ser humano. Você é gorda e também é linda, inteligente, forte, extrovertida, confiável, leal, uma ótima namorada, uma ótima amiga, uma ótima filha, irmã, prima. Você pode ser loira, morena, careca, cabeluda, alta, baixa, branca, negra, alta, baixa, com cabelos curtos, com cabelos compridos e além de todo esse monte de caracteristicas, você também pode ser gorda. E tudo bem! 🙂

gordaMC Carol mostrando que é de luta.

 

Meu conselho PRAZGORDA é: manas, se amem. Não deixem de usar as coisas que te fazem bem, de comer as coisas que te fazem bem, de tomar partido em relacionamentos por isso. Procurem conversar com outras mulheres que passam pela mesma coisa. Esse convívio empodera e aumenta o amor próprio. Se afastem do tipo de crush que não te assume, que só fica com você no escurinho. Nós, como qualquer pessoa, merecemos ser amadas na luz do dia, sim! Nós merecemos nos sentir seguras em uma loja, num restaurante, na academia, na nutricionista, na balada e onde mais quisermos ir. A luta é longa e não é fácil, mas juntas somos mais e mais fortes.

Beijo da gorda!

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