Harvey Weinstein – Abuso, Poder e Silenciamento

Mais de 40 mulheres sofreram algum tipo de violência nas mãos do produtor Harvey Weinstein, um dos homens mais poderosos de Hollywood. 

harvey weinstein

No início do mês, o jornal The New York Times publicou uma história finalmente expondo o comportamento predatório e anos de abuso de um dos maiores e, até então, mais poderosos e respeitados produtores de Hollywood. Harvey Weinstein é acusado de ter cometido abuso e assédio sexual durante décadas, e a notícia inicialmente publicada pelo jornal relata as histórias do assédio sofrido por atrizes, assistentes e mulheres que trabalhavam nas empresas chefiadas por Weinstein, detalhando que pelo menos oito acordos judiciais foram negociados, durante três décadas, evitando que as acusações chegassem ao conhecimento do público.

Dias depois, outro artigo, publicado pelo The New Yorker trouxe à tona acusações de estupro contra Weinstein, de pelo menos três mulheres.

Weinstein era um dos homens mais poderosos de Hollywood.  É co-fundador da Miramax e também fundou sua própria produtora, The Weinstein Company. Como produtor, foi indicado a inúmeros prêmios, ganhou Oscars, e é responsável por filmes bem conhecidos do público, como Pulp Fiction, Shakespeare Apaixonado, Gangues de Nova York e Gênio Indomável, além de ter lançado as carreiras de atores de grande sucesso hoje, como George Clooney, Ben Affleck e Matt Damon.

Após a publicação das notícias, mais e mais mulheres contaram sobre suas experiências com Weinstein; os detalhes são revoltantes. Até agora, são mais de 40 mulheres que dizem ter sofrido algum tipo de violência nas mãos do produtor. É um número assustadoramente alto mas, ao mesmo tempo, não é nada surpreendente. Infelizmente, vivemos em uma sociedade que permite – e ensina – que homens se comportem dessa maneira. Que aceita que isso é poder.

Homens como Harvey Weinstein, que se utilizou do seu poder e sua influência para agredir mulheres durante décadas, e que só agora começa a sofrer as consequência dos anos de abuso e ser visto pelo que realmente é. Na última semana ele foi demitido de sua empresa, expulso da Associação dos Produtores de Hollywood e também da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, responsável pelo Oscar.

Segundo os inúmeros relatos de mulheres que agora compartilham suas histórias, rumores circulavam dentro da empresa sobre o comportamento de Weinstein. Era conhecimento que até mesmo os executivos do mais alto escalão possuíam, e também Hollywood como um todo, mas nunca houve qualquer investigação formal a respeito. Assim, as mulheres dependiam umas das outras, buscando apoio e companhia, evitando que se encontrassem sozinhas com Weinstein, como conta um ex-presidente da Miramax.

Mas como ele conseguiu manter esse segredo até agora? Harvey Weinstein era conhecido por seu comportamento intimidador e tirânico, tanto em sua vida pessoal como profissional. Segundo a repórter Rebecca Traister, ele sabia muito bem o peso que tinha na indústria. Ao recordar uma entrevista com o produtor, ela conta que ele ficou violento, a ofendeu e disse que “estava feliz por ser o xerife dessa cidade sem lei”. Mas ele também sabia manter as aparências e controlar todos e todas a sua volta.

Durante anos Harvey Weinstein foi doador para campanhas de políticos do Partido Democrata dos Estados Unidos. Se envolveu com Hillary Clinton em 2008 e com Obama, nos anos seguintes. Doava dinheiro para causas importantes, inclusive organizações que lutam pelos direitos das mulheres, como a Planned Parenthood. Ganhou prêmios humanitários e era elogiado pelos serviços prestados. Em 2015, no mesmo ano em que chegou a um acordo para pagar (e silenciar) uma mulher que era produtora na Weinstein Company que o denunciou, a empresa lançou o documentário The Hunting Ground, sobre violência sexual em campus universitários. Além disso, ele também tinha o apoio de outros grandes nomes da indústria, como Woody Allen, que em uma entrevista recente, declarou que se sente triste por Weinstein e toda a situação, porque agora sua vida está arruinada. Disse que já ouviu milhões de rumores “fantásticos”, mas está interessado apenas em fazer um filme. Ainda, diz temer uma “caça às bruxas”, em que qualquer homem que piscar para uma garota terá que contatar seus advogados.

Sabe-se que repórteres tentaram expor suas práticas predatórias no passado, sem sucesso. Weinstein fazia com que todas as pessoas que trabalhavam para ele assinassem contratos de confidencialidade, dava empregos, cargos importantes e pagava para silenciar.

Com tudo isso não fica difícil entender por que as vítimas não se manifestaram antes. Para qualquer mulher (ou qualquer pessoa que foi vítima de assédio ou abuso sexual), a denúncia é um processo extremamente doloroso. São poucos os incentivos, mas grandes as ameaças e os perigos, sem garantia de que o abusador realmente será punido.

Ainda vivemos em uma sociedade patriarcal que vê as mulheres como culpadas. O olhar inquisidor geralmente se volta para a vítima e não para o agressor, fazendo com que, além de ser violentada, ela sofra também com tudo o que acontece depois. A exposição é grande e –  como estamos falando de crimes que aconteceram porque alguém não respeitou a intimidade do seu corpo – faz com que as vítimas, já fragilizadas, escolham o silêncio.

Segundo uma enquete do Projeto Via Lilás, que colocou totens em estações de trem no estado do Rio de Janeiro, mais de 70% das vítimas de violência não denunciam seus agressores. Através de respostas voluntárias, também concluiu-se que 95% das pessoas que admitiram ter sofrido violência eram mulheres.

De acordo com uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizada em 2014, estima-se que 527 mil pessoas são estupradas no Brasil, ou seja, uma a cada 12 segundos, e 89% delas são mulheres. Apenas 10% das vítimas de violência sexual fazem a denúncia.

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O que é nítido em casos como o de Harvey Weinstein, por exemplo, é a relação de poder existente entre o abusador e a vítima. Pensando nesta dinâmica, é possível também entender a situação de vítimas de violência sexual em várias outras esferas e  situações, e o porquê de elas raramente denunciarem seus agressores, ou demorarem tanto para fazê-lo.

Weinstein atraía mulheres para seu quarto de hotel, com o pretexto de que o encontro seria uma reunião sobre papéis em filme, audições ou oportunidades de emprego. A atriz Ashley Judd, de Divergente, uma das primeiras a denunciar o produtor, contou em entrevista que chegou ao hotel esperando uma reunião de negócios, mas ele a mandou para seu quarto, onde a atriz o encontrou de roupão, pedindo para fazer uma massagem nela, e que ela o assistisse tomando banho. A atriz conta que pensou em como sair do quarto sem alienar um produtor tão famoso quanto ele, arruinando sua carreira.

Lauren O’Connor, que trabalhava com o produtor, escreveu uma carta para os executivos da Weinstein Company, dizendo: “I am a 28 year old woman trying to make a living and a career. Harvey Weinstein is a 64 year old, world famous man and this is his company. The balance of power is me: 0, Harvey Weinstein: 10.” (Eu sou uma mulher de 28 anos tentando me sustentar e construir uma carreira. Harvey Weinstein tem 64 anos, é um homem famoso mundialmente e essa é a empresa dele. O equilíbrio de poder aqui é eu: 0, Harvey Weinstein: 10).

Lena Headey, a Cersei de Game of Thrones, conta que em duas ocasiões diferentes foi assediada por ele, e que se sentiu completamente impotente.Também contou que ao negar as aproximações de Weinstein, nunca mais trabalhou em nenhum filme produzido pela Miramax.

E assim como a dessas três mulheres, todas as outras vítimas contam a mesma história, desde atrizes famosas (Angelina Jolie, Gwyneth Paltrol, Eva Green, Kate Beckinsale, Léa Seydoux são só algumas delas) até mulheres desconhecidas. Atraídas para um quarto de hotel e forçadas a um contato que não desejavam.

Muitas mulheres têm medo de serem demitidas, de prejudicar suas carreiras, e justificaram seu silêncio dizendo que tinham muito a perder. Outras disseram que não tinham testemunhas e temiam retaliações, e se sentiam envergonhadas, culpadas e humilhadas. A violência sexual não tem nada a ver com sexo em si, tem a ver com poder, e como ele é exercido sobre a vítima. É sobre medo, intimidação e coerção.

Em declaração, Harvey Weinstein diz entender que suas ações causaram muita dor, afirma buscar ajudar e estar fazendo terapia, o que também é um problema. A noção de que estupradores, abusadores (e qualquer um que cometa violência sexual) são doentes apela para a simpatia do público, desculpabiliza o agressor, retira dele a responsabilidade de ter cometido um crime, de ter violentado outra pessoa, como se este não tivesse consciência do significado de suas ações. Pelo contrário, ele claramente tem essa consciência, tanto que intimidava e ameaçava vítimas para que elas ficassem em silêncio.

Harvey Weinstein não é o primeiro, e infelizmente não será o último. Há incontáveis histórias sobre atores, diretores, produtores acusados de algum tipo de violência sexual, mas que ainda tem sua carreira e reputação intactas. Essas histórias se espalham para muito além de Hollywood e a indústria do entretenimento. Mas talvez possamos, a partir delas, refletir sobre a situação das mulheres como um todo.


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