Não dá para comparar tragédias. Mas e vilões?

Alguns vilões são caricatos e descarados. Outros são tão sutis que a muitos escapa a sua devastadora vilania, por mais descarada que ela seja. 

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Na última semana, o Facebook foi tomado por discussões sobre fotos de perfil e instruções sobre o que as pessoas deveriam sentir a respeito dos atentados de Paris e do tsunami de lama em Minas Gerais. Comparações foram feitas, broncas foram dadas, manifestações artísticas viralizaram e frases de efeito foram ditas.

vilõesTudo muitíssimo interessante. #sqn

 

Pouca validade ou serventia tem, no entanto, a comparação de tragédias, a não ser para amenizar sentimentos de culpa e acariciar egos. E por mais que a conclusão a que se chegou no final seja dolorosamente óbvia em sua simplicidade, ela é verdadeira. Sofrimento humano é incomparável, todo ele é válido. Isso não quer dizer, é claro, que agora que concordamos que nenhuma vida vale mais do que outra podemos esquecer tudo e cantar kumbaya até o amanhecer. Alguma comparação pode, sim, ser feita. E uma que me interessa particularmente diz respeito aos vilões dessas duas histórias.

De um lado temos o Estado Islâmico. Caricaturais, seus membros se encaixariam muito melhor como super vilões em uma trama da Marvel do que na vida real. Inegável em sua crueldade, violência e intenção de nos aniquilar, o Estado Islâmico faz parte do rol dos vilões perfeitos.

De outro lado, temos como vilões principalmente as empresas responsáveis pelas barragens que se romperam (no caso, a Vale, Samarco e a BHP), mas a culpa respinga também na legislação e fiscalização insuficientes – ambas prerrogativas do Estado. Em uma situação assim, em que as responsabilidades são, de certa forma, pulverizadas, convém buscar um denominador comum, algo que explique todas essas insuficiências. E quando fazemos isso, nos defrontamos com um vilão que tem o dedo sujo em muitas outras tragédias Brasil afora: a lógica do capital, a redução da vida ao plano econômico, o lucro a qualquer custo.


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Esse vilão matou não só os habitantes e ecossistemas da bacia hidrográfica do Rio Doce, como também boa parte do cerrado e floresta amazônica. É ele que esmaga as comunidades tradicionais Brasil afora, que mata índios para proteger o agronegócio e que se beneficia ao manter opressões sistêmicas, pois qualquer mudança que prejudique ou tire o foco do capital representa uma ameaça. E é impedindo qualquer mudança no modo de agir e de pensar que ele prospera quanto mais precarizada a educação e menos independentes os meios de comunicação – ambos que, com maior abertura, teriam potencial revolucionário.

A alienação de que o sistema capitalista depende para sobreviver é reforçada não só por educação precária e mídia parcial, como também por uma lógica predominantemente maniqueísta. Como disse a filósofa Marcia Tiburi, em seu Como Conversar com um Fascista, o capitalismo funciona como uma religião, pois se utiliza da criação de estigmas para se manter. Tudo o que o critica é oposição e ruim, pois ao mesmo tempo ele trabalha com a ilusão de que detém o monopólio de tudo o que é bom – a democracia, a oportunidade, a liberdade, a felicidade. E a partir disso nascem as simplificações e distorções que permeiam o imaginário popular atualmente e beneficiam enormemente o sistema. Se não é capitalista, é comunista. Se não é PSDB, é PT. Se é feminista, odeia homens. Se tem orgulho de ser gay, odeia héteros. Se fala sobre racismo, é racista.

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Nesse contexto, fica fácil compreender por que muitos julgam que o Estado Islâmico é o maior vilão. É fácil identificá-lo e entendê-lo, afinal, dentro da lógica binária na qual estamos inseridos. O próprio maniqueísmo do Estado Islâmico se reflete no nosso – “se você não está conosco, está contra nós” – e assim como ocorre com o capitalismo, essa lógica os beneficia enormemente, na medida em que rechaça reflexões e questionamentos. Muito mais difícil é identificar como vilão todo um sistema, do qual nós mesmos fazemos parte.

Vale pensar, portanto, se apenas a investida militar é a solução para o problema do Estado Islâmico. Afinal, metade de seus integrantes são estrangeiros, radicalizados e recrutados em todos os cantos do planeta. A abertura à reflexão, ao questionamento e à empatia podem ser armas poderosas para frear esse recrutamento. E quem sabe? Podem inclusive matar dois vilões de uma cajadada só.  

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