Big Little Lies: Rivalidade x Solidariedade Feminina

Em meio a uma envolvente trama de assassinato, Big Little Lies subverte noções pré-concebidas sobre rivalidade feminina tanto na vida real como na cultura pop.

big little lies

Não contém spoilers.

Gostaria de começar esse texto que mastiguei tão intensamente nas últimas duas semanas com uma informação de ordem prática e outra de ordem totalmente pessoal: Big Little Lies é a mais recente minissérie da HBO, e também uma das melhores coisas que já assisti esse ano.

Dizer algo assim é realmente reconfortante (se não um alívio), pois mesmo antes de assistir a primeira cena a produção já havia elevado minhas expectativas a níveis perigosos. Baseada em um romance escrito por Liane Moriarty sobre um grupo de protagonistas femininas, com atrizes de peso para interpretá-las e profissionais mulheres de peso na produção, Big Little Lies só tinha como entregar um de dois cenários possíveis: ou uma produção que acalenta nossas esperanças por uma mídia que respeita as mulheres e as experiências femininas; ou o já velho, conhecido e amargo gosto da frustração.

Isso pode ficar feio – eu antes de começar a série.

 

Bem, felizmente como já ficou claro pelo meu parágrafo inicial, o cenário que se desenrolou ao longo da minha maratona foi o primeiro. E digo mais: a produção da série é tão consciente sobre a história que está contando, que consegue jogar até o final com as nossas expectativas em relação a mulheres e a forma como somos normalmente retratadas na cultura pop.

A série abre com a investigação de um assassinato, mas nem a vítima nem os suspeitos são revelados. Em uma inversão bastante interessante das clássicas narrativas sobre crimes, o maior mistério gira em torno de quem é a vítima – informação que só nos é entregue junto com a revelação do assassino, no último episódio.

O que a série nos dá logo no início, no entanto, são os principais envolvidos no crime. Como narradores profundamente desinformados e parciais temos diversos membros da pequena comunidade de Monterey, que regularmente nos contam, através de trechos de entrevistas com a polícia, suas versões pessoais sobre os potenciais suspeitos/vítima do crime: cinco mulheres com variados laços de amizades e inimizades entre si.

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Paralelo aos achismos, parcialidades, julgamentos e preconceitos dos narradores, acompanhamos ao longo de sete episódios o desenrolar da história como ela realmente ocorreu, conforme nos são apresentadas as vidas e as relações dessas cinco mulheres nos meses que antecederam o crime.

Entre as muitas camadas, críticas e temas importantes que Big Little Lies nos traz, o que me chamou mais a atenção foi essa dinâmica de narrativas parciais e imparciais que se intercalam e influenciam o espectador a todo momento. De um lado, os narradores pouco confiáveis alimentam as nossas expectativas desdenhosas em relação a mulheres e amizades femininas, enquanto de outro vemos florescer lealdades e solidariedades profundamente significativas entre as protagonistas. O cruel é que mesmo essas lealdades são vistas com desconfiança pelo espectador – em parte porque nosso entendimento da história está contaminado pelos achismos dos narradores sim, mas também por causa das nossas próprias expectativas sobre relações entre mulheres.

É nesse sentido que Big Little Lies joga com os nossos preconceitos e visões de mundo. A todo momento desconfiamos das protagonistas e das relações que elas constroem, muitas vezes sem o menor motivo, a não ser um assassinato sobre o qual não temos absolutamente nenhuma informação. E para completar, a série também é brilhante ao retratar as rivalidades entre essas mulheres de forma honesta e verossímil, mostrando não só o lado feio dessas dinâmicas, como também as pressões sociais machistas que por vezes (mas nem sempre!) as desencadeiam.  

Eu amo meus rancores. Eu cuido deles como pequenos animais de estimação. 

 

E nisso também Big Little Lies subverte nossas expectativas de maneira positiva e empoderadora. Pois ao mesmo tempo em que ela traz de forma orgânica todo um contexto que incita as mulheres umas contra as outras, ela também mostra que rivalidade feminina não é um destino social inescapável. Sim, as pressões são várias e muito desiguais, e a série nos mostra como é cruel um mundo em que muitas vezes coisas drásticas precisam acontecer para que mulheres se sintam seguras e confiem plenamente umas nas outras. Mas ao fim ficamos com o entendimento de que nada disso é determinante. Que apesar do contexto desfavorável, rivalidade ou solidariedade feminina dependem tanto de empatia, como de escolha. 

Como eu disse lá em cima, as minhas expectativas eram altas e felizmente foram alcançadas. Uma falha da série que deve ser criticada, no entanto, é o fato da personagem da Zoe Kravitz (a única não-branca no grupo de protagonistas) não ter um papel maior. Muito embora a sua participação seja central, a personagem não é tão bem desenvolvida como as outras, e raramente temos a chance de ver os acontecimentos pelos seus olhos.

Existem inúmeras outras coisas a serem ditas sobre Big Little Lies, mas não em um texto que se comprometeu a não dar spoilers. A única coisa a mais que eu posso dizer por ora é: assista. Ainda temos muito o que discutir.


Falamos muito mais sobre a série no nosso podcast Nó de Bechdel. Ouça! 

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