3 Projetos Artísticos que Subverteram Expectativas de Gênero e Raça

Através do estranhamento ou incômodo com a inversão de gênero e raça, podemos refletir sobre o nosso próprio machismo e racismo.

Aqui no Nó de Oito nós falamos bastante sobre a falta de representatividade de mulheres e minorias na mídia, e sobre a importância de se questionar e combater a representação estereotipada desses grupos. A forma como as pessoas são retratadas na arte e no entretenimento influencia enormemente como vemos o mundo e tem um grande potencial de promover mudanças significativas na sociedade.

Não passa muito tempo, no entanto, sem que alguém – normalmente membro de grupos não oprimidos e bem representados – venha dizer que estamos procurando pêlo em ovo. Que é “só um filme”, “só uma propaganda”, “só uma foto”, e que representatividade não faz tanta diferença assim.  

Como uma mulher branca, consigo entender bem os dois sentimentos opostos. Como mulher, sou diretamente afetada pela falta de representatividade feminina na mídia, e sinto na pele os efeitos que isso tem na formação da minha identidade e autoestima. Por outro lado, como uma pessoa branca e, portanto, opressora no nosso sistema racista, sei como somos criados para entender a nossa cor de pele como padrão e, portanto, a não considerar o fato de sermos bem representados e não estereotipados na mídia como um privilégio, com consequências diretas na forma como a sociedade é estruturada.

É importante notar, no entanto, que a melhor forma de manter privilégios (e, consequentemente, desigualdades e as violência que delas decorrem) é negar que eles existem, o que também convenientemente nos livra da responsabilidade de pensar no nosso papel como opressores. É preciso esforço consciente para se livrar das crenças e valores machistas, racistas e lgbtfóbicas que nos são introjetados desde que nascemos e entender que representatividade faz, sim, toda a diferença.

E é aí que entra a razão de ser desse texto, pois uma forma interessante e efetiva de provocar reflexão é a inversão de gênero/raça – isto é, a subversão de nossas pré-concepções sobre mulheres e homens, brancos e não-brancos em projetos artísticos variados. Através do estranhamento ou incômodo que esse tipo de projeto causa, podemos refletir sobre o nosso próprio machismo e racismo.

Sem mais delongas, então, vamos a três projetos interessantes que subvertem estereótipos (e expectativas) de gênero e raça e nos fazem pensar.

Let’s Talk About Race – O, the Oprah Magazine

Na edição de maio de 2017 da revista americana O, the Oprah Magazine, o fotógrafo Chris Buck inverteu posições de mulheres não-brancas com mulheres brancas em seu ensaio “Let’s Talk About Race” (tradução: Vamos Falar Sobre Raça). Em um artigo da Mic, Lucy Kaylin, editora-chefe e curadora do ensaio, explicou que a intenção era a de encorajar um diálogo honesto sobre raça.

                                                                  artísticos                                           Crédito das imagens: Chris Buck/O, the Oprah Magazine

O resultado foi uma resposta estrondosa do público, principalmente por parte de mulheres não-brancas. De acordo com Judy Gerlade, a jovem americana de origem filipina-chinesa que viralizou as fotos no Twitter, as fotos refletem conflitos internos que ela própria experimentou devido a falta de representatividade de mulheres asiáticas em sua infância.

“Foi incrivelmente difícil sentir que eu tinha meu próprio senso de pertencimento. Branco parecia ser o normal, desde ir a escola e ser uma das poucas asiáticas lá, até ver o que era mostrado na televisão – brancura dominante. Eu percebi que mesmo quando criança eu ansiava por alguém que se parecesse comigo, que fosse semelhante a mim – algo ou alguém com quem eu pudesse me identificar”.

The Creation of God – Harmonia Rosales

Recentemente uma obra da artista americana Harmonia Rosales viralizou internet afora por trazer uma inversão de gênero e raça em sua versão do famoso afresco de Michelangelo, A Criação de Adão. Intitulada por Rosales de The Creation of God (tradução: A Criação de Deus), a obra substitui as figuras masculinas brancas por mulheres negras.

Imagem postada no Instagram de Rosales – @honeiee

 

De acordo com Rosales, em uma entrevista para o Buzzfeed:

“Eu queria pegar uma pintura significativa, uma pintura amplamente reconhecida que consciente ou inconscientemente nos condiciona a ver figuras brancas e masculinas como poderosas e autoritárias e inverter o roteiro, estabelecer uma contra-narrativa. (…) Substituir as figuras brancas e masculinas – as mais representadas – por pessoas que eu acredito serem as menos representadas pode começar a re-condicionar nossas mentes a aceitar novos conceitos de valor humano…Se eu puder tocar mesmo o menor grupo de pessoas e empoderá-las através da arte, então serei bem-sucedida em ajudar a mudar a forma como vemos o mundo…E quando consideramos que toda a vida humana veio da África, o Jardim de Éden e tudo mais, então faz sentido pintar deus como uma mulher negra, criando vida à sua própria imagem”.

Majorité Oprimée – Eléonore Pourriat

Sim, eu sei que é antigo, mas é sempre tempo de trazer o curta Majorité Oprimée (tradução: Maioria Oprimida) de volta à tona. O vídeo causou furor em 2014 por trazer inversão de gêneros: na história, acompanhamos um dia na vida de Pierre, um homem em um mundo dominado por mulheres. Representando a forma como muitos homens agem em em nosso próprio mundo, as mulheres que passam por Pierre o assediam, menosprezam, abusam sexualmente, descreditam e culpabilizam ao longo dos 10 minutos de vídeo.

Ative as legendas!

O curta na verdade havia sido feito em 2009, mas só viralizou em 2014. Em uma entrevista ao jornal The Guardian, sua diretora, Eléonore Pourriat, contou que só ficou sabendo da explosão quando sua caixa de entrada no YouTube encheu repentinamente. No entanto, como a maioria das mensagens eram agressivas, ela as deletou, com exceção de uma:

“Mais baboseira feminista paternalista. Continuem choramingando, vagabundas!”.

Pourriat não teve dúvidas: estava mais convencida do que nunca de que tinha que continuar fazendo filmes.


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