O Oscar 2017 é Prova: Não é Talento o que Falta para Artistas Não-Brancos
Depois de dois anos consecutivos de #OscarSoWhite, teremos uma premiação quebradora de recordes em indicações de artistas e profissionais não-brancos. O que mudou?
Essa semana saiu a lista de indicados para o Oscar 2017 – algo que felizmente se provou um raiozinho de luz em um mundo cada vez mais sombrio. Depois de dois anos consecutivos de #OscarSoWhite (traduzido livremente como #OscarTãoBranco), a premiação desse ano quebrou recordes na quantidade de artistas e profissionais não-brancos que foram reconhecidos com uma indicação. Explico:
- Esse é o primeiro ano na história da premiação que tem atores negros indicados em todas as categorias de atuação: Mahershala Ali (Moonlight), Naomie Harris (Moonlight), Viola Davis (Fences), Denzel Washington (Fences), Octavia Spencer (Estrelas Além do Tempo) e Ruth Negga (Loving).
- Sete atores não-brancos foram indicados, no total, contando Dev Patel (Lion), que encerrou um hiato de 13 anos desde que o último ator com ascendência indiana recebeu uma indicação.
- Três atrizes negras foram indicadas em uma mesma categoria (Melhor Atriz Coadjuvante): Viola Davis (Fences), Naomie Harris (Moonlight) e Octavia Spencer (Estrelas Além do Tempo).
- Nove filmes e documentários com temática ou elenco majoritariamente não-brancos foram indicados: Moonlight, Fences, Estrelas Além do Tempo, Loving, Lion, Moana, A 13ª Emenda, I Am Not Your Negro e OJ: Made in America.
- Pela primeira vez uma mulher negra (Joi McMillon – Moonlight) foi indicada na categoria de Melhor Montagem.
- Três roteiristas não-brancos foram indicados por Melhor Roteiro.
- Bradford Young (A Chegada) se tornou apenas o segundo profissional negro a ser indicado para Melhor Fotografia na história do Oscar.
- Barry Jenkins é o primeiro profissional negro a ser indicado por Melhor Diretor, Melhor Filme e Melhor Roteiro. Se ele ganhar por melhor direção, se tornará o primeiro diretor negro a ganhar a estatueta.
- Ava DuVernay (A 13ª Emenda) pode se tornar a primeira mulher negra a ganhar um Oscar por Melhor Documentário.
Aqui um gif bem maravilhoso que mostra esses e mais alguns recordes do Oscar 2017.
Se é possível tirar alguma conclusão dessas indicações, é essa: definitivamente, não é talento o que falta para profissionais e artistas não-brancos. Fica a pergunta: o que mudou de um ano pra cá para gerar essa guinada?
Há um ano e meio, Viola Davis se tornou a primeira mulher negra a receber um Emmy como Melhor Atriz de Série Dramática na história da premiação. Nessa ocasião, Davis aproveitou o espaço e o alcance ampliado de sua voz para refazer uma crítica que já vinha fazendo sempre que tinha a oportunidade:
“A única coisa que separa mulheres não-brancas de qualquer outra pessoa é oportunidade. Você não pode vencer um Emmy por papéis que simplesmente não estão lá.”
Assiste o discurso todo, vai. Nunca te pedi nada.
As críticas de Davis e de outros artistas negros, assim como boicotes e a indignação do público traduzida por hashtags como a #OscarSoWhite, desvelaram uma discussão muito necessária na indústria sobre a quantidade restrita de papéis para os quais artistas não-brancos são escalados.
Em suma, atores e atrizes não-brancos não costumam receber indicações nas grandes premiações não porque não são talentosos ou porque são poucos, e sim porque pouquíssimos papéis complexos e de destaque vão para eles. Isso acontece por causa de um viés inegavelmente racista da indústria (e da sociedade americana, em geral), que tanto não tem interesse em contar histórias e experiências não-brancas, como tende a pensar que artistas não-brancos só podem ser escalados para interpretar papéis especificamente escritos para pessoas desses grupos. Papéis que, também como resultado de racismo, costumam ser poucos, secundários e terrivelmente estereotipados.
Como disse Davis: falta oportunidade, não talento.
Taí uma das mudanças consideráveis desse último ano, um saldo positivo das críticas, boicotes e discussões que se seguiram a eles: 0s grandes estúdios parecem ter apostado mais em filmes que deram oportunidade a talentos não-brancos. É verdade que muitos deles ainda parecem obedecer à noção de que artistas não-brancos só podem assumir papéis especificamente feitos para eles, mas o fato de esses papéis terem sido protagonistas maravilhosamente complexos em filmes importantíssimos sobre experiências que não costumam ser retratadas no cinema foi uma mudança muito bem-vinda.
Filmes como Estrelas Além do Tempo, Fences, Rainha de Katwe, O Nascimento de uma Nação, Lion, Southside with You, Moonlight, A United Kingdom, Loving, Collateral Beauty, Moana, e mesmo documentários como A 13ª Emenda, I Am Not Your Negro e OJ: Made in America fizeram de 2016 um avanço enorme em termos de representatividade não-branca na indústria em relação a outros anos. Mais talentos melhor aproveitados, e temos um Oscar 2017 com uma cara bem diferente.
Atores e atrizes indicados ao Oscar 2017.
Mas calma. Oportunidade não é a única coisa que falta para mais artistas e profissionais não-brancos serem reconhecidos no Oscar. Porque a história da premiação nos mostra inúmeras ocasiões em que profissionais não-brancos estavam no lugar e na hora certos e mesmo assim não foram indicados.
De cabeça, não precisa nem ir muito longe. Ano passado mesmo foi um ano de #OscarSoWhite, mesmo com fortes concorrentes como Idris Elba, Mya Taylor e Tessa Thompson. Impossível esquecer também que apenas o roteirista branco tenha sido indicado por Straight Outta Compton – um filme dirigido por um diretor negro e estrelado por um ator negro. Vale lembrar também que em 2015 (outro ano de #OscarSoWhite), Selma foi indicado a Melhor Filme, mas a sua diretora negra, Ava DuVernay, não recebeu indicação por Melhor Direção. E mesmo esse ano, é no mínimo digno de um levantar de sobrancelhas que Taraji P. Henson, a protagonista de Estrelas Além do Tempo (que já faturou mais do que Rogue One e La La Land, diga-se de passagem), não tenha sido indicada para Melhor Atriz.
Muito disso tem a ver com o perfil dos votantes do Oscar. Até o ano passado, os vencedores da estatueta dourada eram escolhidos por 6028 membros, sendo que cerca de 92% deles eram brancos, 75% eram homens e sua idade média era de 62 anos. Obviamente, esse perfil reflete os resultados da premiação. Até o momento, em toda a história do Oscar, apenas 31 indicados negros ganharam a estatueta, contra 2.947 vencedores brancos. Nas categorias de Melhor Ator, apenas 7% foram negros. Quanto a mulheres negras, apenas uma ganhou o prêmio de Melhor Atriz (Halle Berry, em 2002).
Felizmente, também nessa frente tivemos uma leve melhora em 2016. Respondendo às críticas, a Academia convidou ano passado mais de seiscentos novos membros – 46% deles mulheres, e 41% não-brancos – para compor o quadro de votantes. Com isso, a porcentagem de votantes mulheres e não-brancos subiu alguns pontos percentuais. Ainda é pouco, mas de acordo com a presidente Cheryl Boone Isaacs, a Academia pretende dobrar a diversidade do grupo até 2020.
Estamos de olho.
Todos esses fatores fazem com que o Oscar 2017 assuma um papel de extrema importância. Será que ele é o começo de uma mudança significativa na indústria, ou apenas um ponto fora da curva, uma exceção?
O tempo dirá, mas não há dúvidas de que a luta ainda não está ganha. Embora tenhamos avanços, a grande maioria das histórias que saem de Hollywood anualmente continuam sendo majoritariamente brancas e masculinas, e o espaço para mulheres e minorias não-brancas por trás das câmeras também continua limitado.
Em 2016, apenas 7% dos maiores filmes do ano foram dirigidos por mulheres. De acordo com o Center for the Study of Women and Film at San Diego State University, a taxa de diretoras caiu 2% no ano passado; e apenas 13% dos roteiristas, 17% dos produtores executivos e editores, 24% dos produtores, 5% dos cinematógrafos e 3% dos compositores foram mulheres. Isso sem contar a disparidade salarial entre atores e atrizes, sendo a última bomba a notícia de que Natalie Portman (detentora de dois Globos de Ouro e um Oscar) recebeu três vezes menos que Ashton Kutcher (zero indicações e prêmios) em um filme no qual eles compartilharam o protagonismo.
Tipo.
Confesso que nessas horas, o meu otimismo entra em choque com o meu lado realista. De qualquer forma, independente do que aconteça, de uma coisa eu tenho certeza: a luta vai continuar.
Leia também Mulheres Negras em Hollywood: Falta Oportunidade, não Talento.
Vera
January 30, 2017 @ 11:47 am
Cada vez mais ansiosa por um Oscar (e um cenário no geral) diferente quanto aos espaços para as minorias (até que essas minorias deixem de ser minorias – nos mais diversos cenários- e possamos todos sermos REALMENTE felizes e iguais!).