Gordofobia no Mundo do Cosplay

Afinal, gorda pode ou não pode?

cosplay

Recentemente passou pela minha timeline um caso de gordofobia que aconteceu com três cosplayers mulheres que são consideradas pela sociedade como “fora do padrão” e “acima do peso ideal”. Elas foram a um evento vestidas como personagens do jogo League of Legends, e a reação que receberam das pessoas foi triste, mas, infelizmente, não incomum. Comentários extremamente ofensivos e preconceituosos foram direcionados às meninas (que estavam lindas), simplesmente porque elas não são magras.

Esse episódio não é isolado. Todo o ódio que é direcionado às cosplayers (não só nesse caso específico) que estão fora do padrão do que a nossa sociedade nos coloca como bonito e aceitável não é uma exceção, mas sim, a regra.

Eu, com meus vinte e poucos anos, já não acompanho tanto, mas durante minha adolescência era muito fã de mangás e animes. Acompanhava o que acontecia no meio, ia aos eventos e, é claro, tinha minhas histórias e meus personagens preferidos. Me lembro quando fui ao Anime Friends pela primeira vez, evento que ocorre todos os anos em São Paulo. Eu e minhas amigas voltamos para casa com muita vontade de nos vestir de alguma personagem.

Mas, ao mesmo tempo, uma das coisas que mais me marcaram no evento foi que a maior parte dos cosplayers que vi eram pessoas magras, e que toda vez que passávamos por alguém que era fora do padrão, via minhas amigas e outras pessoas sussurrarem piadas ou comentários maldosos e julgadores. É claro que eu, como mulher gorda, me senti incomodada com isso, porque também já vi e ouvi de um tudo por aí, quando se trata da opinião das pessoas sobre a minha aparência. E aí, com medo de sofrer esse mesmo preconceito, desisti da ideia do cosplay e coloquei mais essa vontade na listinha de coisas que evitei fazer por medo do que as pessoas falariam sobre o meu corpo.

cosplayGarotas gordas também fazer cosplay!

 

Notícias sobre esse assunto que também circulam muito são as que contam histórias de mulheres que emagreceram para que pudessem realizar o sonho de se vestir como suas personagens favoritas. Desde adolescentes até mulheres um pouco mais velhas, que perderam dez, vinte, trinta quilos para que finalmente pudessem se chamar de cosplayer. E com esse tipo de notícia sempre vem junto um elogio. São sempre opiniões que enaltecem o corpo magro, o esforço feito para eliminar a gordura, porque “agora sim!”. Porque só quando a cosplayer é magra ela pode ser admirada em sua beleza e ter seu valor reconhecido.

O valor, para mim, é umas das questões mais importantes de serem discutidas, porque quando paramos para pensar, vemos que essa é uma das raízes do problema: as comparações entre os corpos, que levam ao pensamento de que um tem mais valor que o outro. Em nossa sociedade é assim: ao corpo magro é atribuído mais valor e, consequentemente, mais beleza e reconhecimento.

Isso tudo principalmente quando se trata de personagens mais erotizadas, sensuais, que usam roupas que deixam mais do corpo à mostra; nesses casos a reação quando é uma mulher gorda usando roupas curtas, decotadas ou que “mostram demais” o corpo é ainda pior. E por quê? Porque nossa sociedade acha que pessoas gordas não podem ser sexy, porque a mídia representa o corpo gordo como feio, como algo que precisa estar sempre escondido, porque pessoas gordas não podem expressar sua sexualidade.

Até para as cosplayers que se vestem de personagens que estão mais para fantasia do que realidade, tentam enfiar goela abaixo regras de como se vestir, que modelagens evitar, como “valorizar seus pontos fortes e disfarçar as gordurinhas”, aquelas besteiras todas. Só digo o seguinte: cada um tem que vestir o que bem entender, dá licença.

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Sabemos que a gordofobia atinge todas as pessoas que não são magras, mas também sabemos que as mulheres são as principais vítimas. É claro, se uma pessoa quer emagrecer, não há, absolutamente, nenhum problema com isso. Isso é óbvio. Mas também precisamos nos lembrar sempre que não há nenhum problema em ser gordo. Pesquisando, encontrei páginas voltadas para cosplay de meninas “gordinhas”, memes fazendo piada com cosplayers fora do padrão, vídeos no Youtube discutindo o tema, textos dando dicas de como esconder seu corpo quando se é gorda e quer fazer cosplay, e até perguntas no Yahoo Respostas de pessoas querendo saber se gorda pode.

Pessoas gordas (aqui dou ênfase às mulheres gordas) dificilmente tem suas escolhas respeitadas. E a desculpa que mais se usa na hora do bullying é: “não é saudável!”. Mas então, existem pessoas que merecem mais respeito do que outras? Conviver com alguém em sociedade e tratá-las com civilidade e respeito – no mínimo, já que sabemos que amor e gentileza com o próximo já é pedir demais – não é algo que todas e todos merecemos? Ou depende de quem somos, da nossa saúde, do nosso tamanho, das roupas que usamos?

Esse incidente com as cosplayers que são mulheres e gordas é simplesmente um espelho da nossa sociedade. Ele apenas reflete o machismo e o preconceito que mulheres sofrem somente por não se adequarem a certos padrões opressores e deixa nítida a falta de respeito com que somos tratadas. A mensagem que se passa é a de que “se você é gorda, então isso não é para você”. Mas vamos continuar por aí sim! Assim como essas mulheres lindas, que se empoderam de seus corpos todos os dias e, apesar do ódio, continuam fazendo o que quiserem com eles.

Odiadores odiarão. E a perda é toda deles.

 

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