A Guerra dos Sexos: Sobre Tênis, Feminismo e Descoberta Sexual
O filme que conta parte da história da tenista Billie Jean King não é uma obra prima, mas levanta questões importantes.
*Como esse filme é baseado em fatos reais, não sei se dá pra falar de spoilers, mas sim, esse texto fala sobre momentos históricos mostrados no filme Guerra dos Sexos*
A primeira vez que eu ouvi sobre Guerra dos Sexos, achei que não tinha como dar errado. Um filme sobre um importante capítulo do tênis (no caso, a partida na qual Billie Jean King jogou contra um homem para mostrar que as mulheres são tão boas quanto eles nos esportes), contextualizado por uma personagem feminista em meio de sua descoberta sexual, trazendo Emma Stone no papel principal era a fórmula para um grande filme. Talvez minha expectativa estava alta demais e por isso acabei me decepcionando um pouco com a qualidade do filme em si. No entanto, Guerra dos Sexos, que se passa nos anos 70, traz à tona assuntos bastante relevantes para o contexto atual.
A Guerra dos Sexos acompanha parte da história de Billie Jean King, uma ex-tenista americana que dominou o circuito feminino do esporte durante os anos 70. O filme começa quando King e Gladys Heldman (criadora da World Tennis Magazine, interpretada por Sarah Silverman), incomodadas pelo fato de que as premiações dos torneios eram muito maiores para os homens do que para as mulheres, decidem lançar uma série de torneios exclusivamente femininos (que daria origem a WTA, que organiza o tênis feminino profissional atualmente). As nove tenistas que faziam parte e decidiram embarcar nessa organização se denominavam feministas e lutavam por ter condições iguais às dos homens no esporte. Em meio a esse cenário público, King começa a descobrir a sua própria homossexualidade, mesmo estando casada com um homem.
Que mulherão da p**ra.
O antagonista dessa história é o também tenista americano Bobby Riggs (Steve Carrel). Aposentado e jogando o circuito sênior, Riggs vê a ascensão dos torneios de mulheres e começa a dar declarações dizendo que, mesmo mais velho, seria capaz de derrotar as melhores tenistas. Ele, que se auto intitula um “porco chauvinista”, deixa bem claro que o que defende é maior do que o esporte. O que ele diz e representa é que os homens são superiores às mulheres em todos os aspectos, inclusive o físico e o mental, tão importantes para o tênis. King então entende que precisa derrotá-lo na quadra e assim o prová-lo errado em todos os sentidos. Homens e mulheres dos anos 70 escolheram seus lados e mais de 50 milhões de americanos acompanharam o jogo.
Uma luta longa e longe de chegar ao fim
Se você está achando que tudo isso poderia estar acontecendo em 2017, você não está errada. Depois que Billie Jean ameaçou boicotar um dos maiores torneios de tênis do mundo, o US Open, a organização passou a premiar homens e mulheres com valores iguais. Mas os outros três Grand Slams (principais torneios de tênis do ano) só o fizeram nos anos 2000 – dá pra ver um pouco do histórico dos prêmios nessa matéria do jornal britânico The Guardian. E ainda no ano passado, o então tenista número um do mundo Novak Djokovic afirmou uma certa injustiça no pagamento igual para mulheres, uma vez que os jogos do masculino trazem mais público e lucro do que os femininos – mesma razão colocada pelos executivos do esporte em 1970, como mostra o filme.
Bem difícil ouvir as bobagem que esse moço fala mesmo, né, dona Billie Jean.
A película mostra também como Billie Jean e suas companheiras têm de ouvir como não são capazes de aguentar pressão e como deveriam estar se importando com outras coisas como casa e família, inclusive de outras mulheres. Nos momentos finais do filme, ao vencer a partida, Billie Jean cai no choro (numa belíssima cena de Emma Stone), por finalmente ter derrotado um discurso (mesmo que por um momento) que ela sabe ser tão prejudicial na vida dela e de outras tenistas. Na vida real, a tenista afirmou que se na época que jogava tivesse que se preocupar apenas com o esporte, teria sido ainda melhor sucedida.
2017 ou 1973: é assustador como os preconceitos sofridos pelas jogadoras no filme ainda são bastante atuais.
O filme, no entanto, parece não se decidir como retratar Riggs. Ora mostrado como um velho fracassado e invejoso– viciado em apostas, ele parece alguém que simplesmente não deve ser levado a sério. Ao mesmo tempo, ao mostrar que para Bobby Riggs a vida era uma festa e ele pouco se importava em treinar ou se preparar para as partidas, a película acaba tirando parte do mérito de Billie Jean por ter vencido.
Quantos atletas gays você conhece?
Mudando um pouco de foco para falar sobre a questão da sexualidade nos esportes, os fatos são tristes e polêmicos. O mais comum é vermos jogadores sofrendo represália de seus clubes, nações e torcidas e chegando a situações extremas, como o suicídio. Dos mais de 11 mil atletas a competirem nos jogos Olímpicos de 2016, aqueles que são homossexuais assumidos não passam de 50, segundo os relatos jornalísticos da época. Billie Jean King foi uma das primeiras atletas profissionais a se assumir como lésbica (e mesmo assim não escolheu fazê-lo, como veremos) e continua sendo uma das únicas que o fez.
E no filme, na mesma medida em que a história é bem-sucedida ao mostrar a luta das mulheres, ela é completamente tomada por clichês ao retratar um relacionamento lésbico. Ao simplificar o convívio das mulheres envolvidas, apostar em cenas ultraromantizadas e usar vários artifícios que caberiam em uma comédia romântica com um casal hétero, Guerra dos Sexos banaliza a descoberta sexual da personagem e o momento complicado que ela estaria passando (e que passou, como Billie Jean abertamente fala nos dias atuais).
Além disso, o filme cai na armadilha do personagem mágico: o gay sábio. O personagem que é o estilista (sim, AFF) das tenistas durante os torneios, interpretado por Alan Cumming (que é um ator incrível e não merece isso) aparece essencialmente para fazer caras e bocas e falar uma frase do tipo: “Um dia você vai poder ser quem você é na frente de todo mundo”. Advinha só, Billie Jean não se assumiu como gay, mas “foi saída do armário” por sua ex-namorada que a processou para receber pensão da tenista. Dito isso, o filme perdeu a chance de explorar um cenário real muito interessante para a história que construiu, uma vez que Billie Jean perdeu patrocinadores e foi duramente criticada pelo público na época (anos 80), complicando ainda mais o relacionamento com a sua sexualidade.
Ninguém merece ter que fazer gay mágico a essa altura do campeonato.
Em resumo, o que Billie Jean King representa para o tênis, a luta feminina e os direitos LGBT+ é grandioso, mas a impressão final é de que o filme não faz jus a história dela, mesmo que não se proponha a ser uma biografia. King dá nome ao complexo de quadras do US Open em Nova York, um dos mais prestigiosos do mundo (e sabemos como poucas mulheres tem seus nomes usados nesse tipo de homenagem), é a fundadora principal da organização de tênis feminino e aos 74 anos atua como ativista pela fundação Elton John e outra dela própria que defende a inclusão de minorias no esporte. Seu legado merece mais do um filme mediano.
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