A Importância da Presença Negra na Ficção Literária Adulta

Assim como no cinema, a representatividade negra na ficção literária ainda tem um longo caminho a percorrer.

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A ficção científica veio até mim na forma de heróis japoneses. Eu não queria ser a May dos Changeman, a Sayaca dos Flashman, ou a Diana do Spielvan. Apesar de gostar delas, eu queria ser a Change Fenix, a Yellow Flash e a Lady “Luciene”, pois elas lutavam e tinham bazucas, uniformes bacanas, espadas e, principalmente, usavam máscaras. Sendo assim, na minha lógica adolescente, eu poderia estar ali, dentro daquele uniforme, não apenas salvando o herói de vez em quando, mas também uma pessoa, uma família, o dia, o universo. Derrotar um império “do mal” deve ser muito bom! Mas nunca vi um negro ou negra conseguir esse feito em lugar de protagonismo.

Sou uma autora independente e, em tese, deveria falar da minha obra, a Duologia Brasil 2408. Fazer o marketing primeiro, não é? Mas não, o artigo tem a ver com “o lugar social” e os temores ocultos que nós, negros e negras, sentimos ao assistir um filme ou série com aquela unidade negra.

Me lembro de ter ido assistir ao Homem de Ferro 2 no cinema “exatamente” por causa do Patriota de Ferro. Corria o boato de que ele não morria, batia no Stark e não devolvia a armadura, logo, eu precisava ver isso. Ele acabava o filme vivo mesmo?

“Finalmente, o negro não morreu!” – Pois é… essa foi a fala que ouvi de um jovem negro lá no fundo e que arrancou aplausos de muita gente. Felizmente, tínhamos mais uma unidade negra, viva, com poder de fogo e segura no cinema.

 

A verdade é essa: não tive acesso a figuras negras na ficção e até hoje poucos podem ser citados em lugar de protagonismo, na ponta da língua. Para responder agora: Tempestade (HQ Marvel) e, efetivamente, o Morpheus (Matrix). De fato e presentes, só eles, mas eu já tinha mais de 20 anos quando tive acesso a essas figuras.

Se hoje temos mais personagens negros e negras, temos que agradecer a pressão popular dos movimentos sociais e pessoais de algumas figuras por insistir em representatividade, ainda escassa. Mulheres, idem; LGBTQs, idem. Mas que luta mais insana, não? Somos todos humanos, legais, maneiros, mas não… na tela do cinema, mais de três na mesma produção com falas importantes, não pode não, ainda cheira a motim. E na literatura não é diferente. Isso é inquietante.

Meus primeiros heróis e heroínas negros são pessoas reais, militantes que me explicaram que Brasil brasileiro é esse, multifacetado na propaganda da festa, mas branco na presença midiática e representatividade ocupacional. Eles me contaram, através de suas teses, pesquisas, fatos, enfrentamentos e leitura de padrões, finalmente, do que se tratava a ausência de face negra. Eu poderia até nomear, mas prefiro deixar que você, em sua mente, complete o raciocínio, pois não importa o quanto você fuja da palavra, ela está aí, na ponta da língua, e mesmo que a prenda, acabou de pensar nela. Então… eu fiz você dizer, verbalizar, mesmo sem ter pronunciado.

Verdade seja dita, a coisa melhorou nos últimos 20 anos. A tecnologia abriu caminhos, possibilitou a multiplicação das vozes. A produção por demanda de poucos livros existe, mas ainda está longe de ser algo pautável, fixo, permanente e rentável, de fato. Temos muito o que fazer, e não é fácil quando você paga toda a conta. Pois é assim para um autor e autora negra – eles e elas geralmente pagam a sua conta literária e ocupam os vários papéis de produção do livro em si.

A Bienal nunca foi o meu lugar, mas em 2015 resolvi ir, dar uma olhada, quem sabe…E consegui ver livros infantis com crianças negras – os citadíssimos, sempre quando se faz uma lista top 10, mas que no fim eram praticamente os mesmos. E eu? Nada, de novo. Eu queria achar nas novas ondas estrangeiras uma protagonista negra. Em tese, seria mais fácil: sucesso lá, vem para cá. Uma pelo menos, deve ter uma, mas… não, de novo. Isso não aconteceu.

E foi assim que tudo começou. Eu queria escrever, receava, porém aquele último domingo chuvoso da Bienal me fez voltar para casa, pegar os rascunhos e escrever e reescrever como nunca tinha feito na vida. Eu não tinha uma ideia fechada, redondinha, mas eu sabia o que eu queria: uma heroína que fizesse a diferença.

Eu sabia que a Ena começaria a mudar a minha vida, e eu queria que ela alcançasse outras mulheres, não apenas negras, mas todas que se sentem à margem. Por isso produzi uma obra adulta sci-fi1 diversa e cheia de representatividade, onde uma mulher negra revoluciona o país, acompanhada de tantas outras ao redor dela.

Que fique “escurecido”, minha obra não dá conta de tudo, e nem deve, pois como falo nas notas de ambos os livros, esta estória veio para marcar um lugar de protagonismo que nos é justo ocupar. Logo, não somos uma onda, a mudança veio para ficar e não vejo a hora de ver e ler muito mais mulheres e homens negros fazendo acontecer.

E eu preciso avisar: a Rainha Negra sci-fi, premiada, reconhecida, Octavia Butler (1947-2006) finalmente vai aterrissar por aqui. Sua obra Kindred está a caminho, via Ed. Morro Branco. Não ganho nada com a propaganda gratuita, mas suas palavras me trarão novos olhares, mundos, possibilidades. Preciso de cada parágrafo escrito por esta musa.

Esperando a Octavia.

 

Para finalizar, um adendo: minha obra, a Duologia Brasil 2408, composta pelos livros (In)Verdades e (R)Evolução, será lançada nos dias 1 e 9 de setembro de 2017 às 16h, em ambos os dias, via parceria com a editora Pendragon, localizada no Pavilhão Azul, stand H33.


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