6 Coisas que Tornam Orange is the New Black uma Série Sensacional
Orange is the New Black nos traz não só (muito!) protagonismo feminismo, como também diversidade de corpos, de idades, personalidades, origens, pensamentos e crenças.
Orange is the New Black (ou OITNB) é uma série de televisão desenvolvida por Jenji Kohan, Sara Hess e Tara Herrmann, e também uma das séries de maior sucesso dentre as séries originais da Netflix. A série é baseada em uma história real, mais especificamente na biografia de Piper Kerman. Algumas personagens foram criadas especialmente para a série, outras realmente existem (a Taystee, por exemplo, se chama Delicious no livro).
Orange is the new Black conta a história de Piper (que na série virou Piper Chapman): mulher branca, loira, classe média alta, com cara de boazinha, que vai parar na cadeia por causa de uma infração cometida há alguns anos em razão de sua relação com Alex Vause, sua ex-namorada traficante internacional.
A relação das duas na prisão e a maneira como Piper vai precisar aprender a lidar com sua nova realidade servem como pano de fundo para a história, mas há muitas outras personagens complexas, interessantes e com personalidades e histórias de vida apaixonantes, que tornam tudo ainda melhor.
Como a Red. Rainha da cozinha e dos nossos corações.
A série poderia ser melhor em algumas coisas, mas acerta muito mais do que erra. Há alguns estereótipos repetitivos ao retratar algumas personagens (especialmente negras e latinas), mas isso me parece intencional: o primeiro impacto que temos de cada uma das personagens é a visão que a Piper tem delas num primeiro momento; a partir daí o olhar se aprofunda e podemos de fato conhecer (e muitas vezes amar) as personagens, conhecendo mais de perto suas histórias e trajetórias.
De maneira geral a série é inspiradora, divertida e emocionante. Vamos aos motivos:
Protagonismo Feminino + Diversidade
Além de ser uma série brilhantemente escrita por mulheres, é também protagonizada por mulheres. Todo tipo de mulheres. Tem mulheres altas, baixas, loiras, morenas, negras, ruivas, latinas, asiáticas, gordas, magras. Tem mulher lésbica, hétero, vaidosa, despojada, jovem, idosa, ingênua, perigosa, de família pobre, de família rica, sem família.
Diversidade de corpos, diversidade de aparências, de personalidades, de origens, pensamentos e crenças.
O elenco é formado por um grupo de atrizes extremamente talentosas e o entrosamento entre elas parece perfeito. Os poucos atores que aparecem na série também atuam muito bem em personagens bem construídos, mas as mulheres são realmente as grandes protagonistas.
Um fato interessante: nenhuma das atrizes aparece em todos os episódios. Isso mostra que não se trata da história da Piper apenas, mas de todas as componentes daquele universo. As histórias de todas as prisioneiras vão sendo contadas ao longo dos episódios e a cada flashback conhecemos um pouco mais da vida de cada uma.
Personagens humanas, imperfeitas e cativantes
Cada uma das mulheres que está na prisão de Litchfield cometeu um crime (ou se viu envolvida em um), mas por se tratar de uma prisão de segurança mínima, a maioria dos delitos praticados não é de grande gravidade. Há exceções, como a Tiffany “Pennsatucky” Dogget que cometeu um crime mais grave (e ainda assim a história dela é, para mim, uma das mais tristes), mas a maioria delas foi parar na cadeia por envolvimento com drogas.
As personagens são construídas de maneira complexa. Não há aquela visão superficial e binária de “boa” ou “má”; elas podem em alguma medida ser as duas coisas ao mesmo tempo, exatamente como ocorre com qualquer ser humano na vida real.
Por se tratar de mulheres que na vida real são invisibilizadas, a série foge do lugar-comum e nos convida a aprofundar o olhar e perceber que uma criminosa não é apenas uma criminosa, mas uma pessoa com sentimentos, história, família, esperanças e medos.
Big Boo ~arrasando~ na street dance
Evidentemente há o lado perverso de cada uma e isso também é mostrado sem floreios, o que torna a série muito cativante tanto pelo aprofundamento da análise das personagens quanto pelo comprometimento com a realidade.
Tem uma personagem trans interpretada por uma atriz também trans
A talentosa atriz Laverne Cox dá vida a Sophia Burset, que é uma mulher trans e tem um salão de beleza na prisão. Isso não parece nada demais, mas levando em consideração que muitas vezes homens cis são convidados para interpretar tais papéis (assim como pessoas brancas são convidadas para interpretar pessoas que na vida real são negros, por exemplo), é algo a ser notado e celebrado.
Lamar, músico e irmão gêmeo da atriz Laverne Cox, interpreta na série a Sophia antes da transição (quando ainda era Marcus), tornando o flashback bastante verossímil.
Participação de presidiárias da vida real na abertura da série
A música tocada na abertura, “You’ve Got Time” na voz vibrante da cantora Regina Spektor foi composta especialmente para a abertura da série e é excelente, mas a melhor sacada é que os olhos, bocas e rostos mostrados na abertura são de mulheres que realmente foram para a prisão e não de atrizes.
Mais uma chance de dar visibilidade a pessoas majoritariamente marginalizadas e ignoradas pela sociedade foi aproveitada com sucesso pelas idealizadoras da série.
Mostra a força das amizades femininas e passa no Teste de Bechdel
O Teste de Bechdel consiste em questionar se numa obra de ficção existem 1) pelo menos duas mulheres, 2) que conversem entre si, 3) sobre algo que não seja um homem. A série passa no teste com louvor.
Não há apenas duas, mas várias mulheres na série, e elas conversam sobre absolutamente tudo: sobre a vida que tinham antes da prisão, sobre suas famílias, sobre seus sonhos, sobre seus medos, sobre carência, sobre alimentos que gostariam de comer. E também eventualmente sobre homens, mas passa longe de ser o assunto principal das conversas. E, sim, isso acontece inclusive com as personagens que não são lésbicas.
Mas OITNB vai além. Mostra também o quanto a união feminina é importante e valiosa, em muitas oportunidades. A amizade de Taystee e Poussey é linda e dá muita força para as duas suportarem melhor a vida na prisão. A relação de mãe e filha da Nicky com a Red é algo que chega a emocionar.
E por último, mas não menos importante, a amizade engraçada, improvável e incrível da Big Boo com a Tiffany “Pennsatucky” Dogget. Apesar de peculiar, a amizade funciona tanto que é possível observar uma mudança significativa de comportamento das duas, especialmente da Tiffany, que passa a ser um ser humano muito melhor e enfrenta seu passado, seu presente e seus problemas de auto-estima com muita coragem e força, porque se sente amparada e acolhida como nunca antes.
Jesus, você parece o Anjo da Morte!
Faz críticas importantes e provoca a reflexão sobre temas como racismo e sistema prisional
Durante toda a série há críticas ao sistema prisional norte-americano e também ao racismo, mas isso toma proporções muito maiores na quarta temporada, onde ocorrem várias mudanças que afetam diretamente a vida de cada uma das prisioneiras e que torna o ambiente ainda mais inóspito do que normalmente costumava ser.
Enquanto as temporadas anteriores equilibravam o clima tenso da prisão com muito bom humor, a quarta temporada já começa um pouco mais pesada, com superpopulação na cadeia, violência extrema dos novos guardas, transfobia, formação de gangue, exploração de mão de obra nos presídios, assédio, racismo, nazismo, corrupção, despreparo policial… A lista dos pontos críticos que a série expõe é imensa.
O objetivo era sensibilizar o público para todos esses problemas e, para isso, algumas de nossas personagens preferidas sofreram terrivelmente (ainda não superei a quarta temporada, sério). A série foi criticada pela maneira como lidou com essas questões, mas acredito que tenha atingido a meta de chocar para conscientizar. Mesmo assim, será necessário assistir aos episódios da próxima temporada para ter uma melhor noção sobre a estratégia ter sido acertada ou não.
De qualquer maneira, até aqui foram quatro temporadas de episódios intensos e cheios de emoção que deixam, além da necessária reflexão, uma enorme ansiedade para o que vai acontecer na próxima temporada.
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