Corra! – Thriller sobre Racismo que Mesmo quem Não Gosta de Terror Precisa Assistir
Corra! é um filme de terror que assusta porque nos permite traçar paralelos com a nossa própria realidade.
*Não contém spoilers.
Semana passada estreou o aguardadíssimo Corra!, filme de terror do diretor Jordan Peele que está dando o que falar.
Pessoalmente, eu corro léguas de filmes de terror por motivos de: sou cagona. Talvez eu tenha ficado meio traumatizada com a minha adolescência, quando costumava me reunir com minhas amigas em fins de semana prolongados e meticulosamente planejados, que tinham como objetivo principal assistir pilhas e pilhas de filmes de terror em uma chácara afastada com apenas um adulto nas imediações, sendo que esse adulto ia dormir às oito da noite. Curiosamente, esses fins de semana costumavam ter um de dois desfechos: ou todo mundo começava a ver vultos e rostos nas janelas (o que nos obrigava a tratar toda ida ao banheiro como uma excursão); ou nos sentíamos inspiradas e produzíamos nossos próprios filmes de terror (sendo nossa obra prima o de título Psycho Chicken, sobre a história de uma galinha assassina).
Ok, Psycho Chicken foi mais comédia do que terror.
Mas divago. O que eu queria dizer é que não curto muito filme de terror, o que fez com que Corra! se tornasse o primeiro que eu vejo em muito tempo. E só o fiz por causa da crítica social que eu sabia que o filme traria, o que o coloca mais no espectro do thriller social do que do terror clássico. Isso, obviamente, não torna o filme menos aterrorizante, mas foi o que me deu coragem para assisti-lo.
Pois bem, Corra! conta a história de Chris, um homem negro que se prepara para passar o fim de semana na casa dos pais da namorada branca. Esta lhe garante que seus pais não são racistas.
Nessa hora eu já tava “MOÇA, MESMO SE EU NÃO TIVESSE VISTO O TRAILER EU JÁ SABERIA QUE ELES SÃO SIM DROGA ISSO É UM FILME DE TERROR CORRE CHRIS!”
Mas ele vai. E aí um monte de coisa estranha começa a acontecer. A família é toda branca. Os empregados são todos negros. E todo mundo se comporta de um jeito esquisitíssimo. Segue aí um trailer sem spoilers pra sentir o drama:
Apesar de não curtir muito filme de terror, eu gostei muito desse. Corra! é um filme que assusta não só por assustar, mas porque é inteligente e nos permite traçar paralelos com a realidade. Além disso, o filme faz algo muito valioso de forma muito competente, que é colocar o público na pele do protagonista o tempo todo. Desde o início o longa não permite que nos coloquemos do lado de nenhum dos personagens brancos. É com Chris que devemos nos alinhar, e é o seu estranhamento, desconforto, constrangimento e terror que devemos experimentar.
Ontem mesmo eu escrevi um texto sobre a série Cara Gente Branca, falando sobre como a produção é rara e importante por falar sobre racismo como ele se manifesta hoje, no século XXI. Corra! é outra produção valiosa nesse sentido, por tratar de como um jovem negro se sente em um mundo supostamente “pós-racial”, em que o racismo é proibido no papel, mas impregnado na própria estrutura da sociedade e, por isso, dolorosamente presente (e aterrorizante).
Tem um momento no filme muitíssimo interessante e que eu acho que representa bem o racismo do século XXI. Como me comprometi a não dar spoilers, vou contar meio por cima, falando nada que o trailer lá em cima já não tenha dito, ok?
Bem, quando as coisas começam a ficar bem feias para o Chris, ele pergunta por que os vilões escolhem pessoas negras. Em seguida, a pessoa pra quem ele pergunta responde que não dá a mínima se ele é negro ou não.
Certo.
Eu acho essa fala sensacional, porque é basicamente o que a maioria das pessoas brancas fala o tempo todo: “eu não vejo cor”. E o pior é que elas realmente acreditam nisso. Mas ora, se tudo é lindo e harmonioso, unicórnios voam pelo ar e ninguém vê cor, como explicar o imenso abismo social entre brancos e negros? Como explicar o fato de que 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros? Como explicar o fato de que o assassinato de mulheres negras aumentou 54% na última década, enquanto o de mulheres brancas diminuiu 10%? Ou de que mulheres negras têm três vezes mais chances de serem estupradas do que mulheres brancas? Como explicar o genocídio e encarceramento em massa de pessoas negras? No caso do filme, como explicar que apenas pessoas negras são escolhidas e vitimadas?
É o racismo do século XXI: nunca discutido, nunca reconhecido, nunca desconstruído e, portanto, nunca ativamente combatido, o que o mantém como estruturante das nossas crenças, valores e ideais. Com isso, acabamos criando sistemas de valores que posicionam pessoas negras sempre em último lugar, mesmo que inconscientemente. Constantemente inferiorizadas, passamos a vê-las como menos importantes, o que as sujeita a mais violência e exclusão.
Outro dia eu vi algo medonho circulando no Facebook que ilustra bem como tudo isso funciona. O post era uma denúncia contra um livro “didático” infantil chamado “Formando Cidadãos”, que reproduz estereótipos racistas para crianças de 3 anos de idade.
Para a criança negra, as imagens significam mais um golpe na formação de sua identidade e autoestima; para a criança branca, elas fortalecem estereótipos racistas que inferiorizam pessoas negras.
Esse não é um caso isolado. Desde pequenos somos bombardeados por imagens, falas e ausências (na mídia, por exemplo) que fortalecem o nosso racismo, ao mesmo tempo tomando o cuidado de negar que racismo existe ou reduzindo-o a uma questão de xingamentos ou preconceitos. São os nossos livros “didáticos”, os desenhos animados que assistimos, as séries, filmes e novelas que consumimos, e a nossa própria vivência em sociedade, segregada e desigual. Querendo ou não, consciente disso ou não, todos vemos cor, porque isso nos é alimentado de colherinha desde que nascemos.
Voltando ao filme, o personagem pode até ter dito “eu não dou a mínima se você é negro”, mas ele certamente vê cor e atribui um valor menor a uma pessoa negra. Afinal, se não fosse por isso, Chris não estaria naquela situação.
Felizmente, produções raras que falam sobre o racismo atual parecem estar ficando cada vez menos raras. Ainda mais agora que Corra! quebrou recordes de bilheteria e conseguiu 99% nas avaliações do Rotten Tomatoes, contrariando o discurso racista de que protagonistas negros não fazem filmes lucrativos. Então se você ainda não viu, não perca mais tempo. Corra (hê hê) para o cinema.
Leia também Cara Gente Branca – Entendendo o Racismo do Século XXI.
Vera
May 24, 2017 @ 1:52 pm
Achei o filme INCRÍVEL!
Mariana
July 14, 2017 @ 6:06 am
vou ser bem honesta… tava com uma super empolgação pra ver esse filme e… fuén fuén fuén rsrs
o filme funciona mt bem sim como uma crítica ao racismo (a cena do almoço é sensacional, e realmente faz a gente perceber como pequenas coisas que a gente diz achando que não são nada na real são bem desconfortáveis), mas como filme de terror… é péssimo! oq motiva todo o enredo (a organização secreta deles) é a coisa mais sem sentido do mundo, além da resolução de todo o problema no final ser mt mal feita.é uma pena,pq a ideia era mt boa, só foi mal executada. quiseram fazer uma crítica social, e esqueceram que era um filme de terror :/