Como Angela Kang Salvou a 9ª Temporada de The Walking Dead

Saiba quais elementos trouxeram The Walking Dead de volta das cinzas.

Na temporada anterior The Walking Dead perdeu 4 milhões de espectadores somente nos Estados Unidos. A produção, que caminha para seus momentos finais, estava nas mãos de Scott M. Gimple desde 2014, que acabou sendo Gimple transferido para a equipe do spin-off da série, Fear the Walking Dead. Com isso, o canal decidiu escolher um novo showrunner.

Assim, uma de suas roteiristas mais elogiadas foi escolhida para a missão de reacender o amor dos fãs: Angela Kang, responsável por 17 episódios da série – entre eles, o episódio “Still”, que foi aclamado pela crítica e pelo público. Como o 12ª capítulo da quarta temporada, o episódio mostrou o passado de Daryl e Beth depois de seguirem caminhos separados.

Angela foi a primeira mulher a liderar a equipe da série e assumiu um desafio: ressuscitar a série das cinzas sem seu protagonista Rick e uma das personagens mais importantes da série, Meggie.

A queda de Rick

Agora que sabemos o contexto, vamos lá.

O que Kang fez de tão incrível nesta temporada? Para começar, nos despedimos de Rick em um episódio que fez jus ao grande personagem que a série construiu: tentando conciliar as tensões durante a construção de uma ponte para facilitar o locomoção entre as comunidades, após a queda de Negan.

Rick se sacrificou para salvar o mundo que seu filho Carl, morto na temporada anterior, idealizou. Mas, diferente de seu filho, não morre (mas só a audiência sabe disso). Assim, ele é tirado de cena para deixar as sementes que plantou florescer.

O que vem depois

Num salto temporal – típico da série – somos transportados seis anos no futuro após a morte presumida de Rick. Neste momento, nos é mostrado o que se tornaram as comunidades sobreviventes e qual papel os personagens assumem neste novo mundo.

Assim, vemos Carol com os cabelos compridos pela primeira vez em anos se sentindo segura novamente. Inclusive para amar e adotar mais uma criança. E, também, lutar por coisas que ela achou que nunca mais teriam importância, como o lazer representado pelo filme a ser exibido na feira.

Além disso, vemos um Negan vulnerável que desenvolve uma relação profunda de amizade com a filha de seu antigo rival, Judith. Criança que inclusive carrega as qualidades de seu pai e irmão que já não fazem mais parte da série, como um lembrete nostálgico do que a produção já foi. Mas, também, um prenúncio do futuro.

O choque de encontrarmos o grande vilão esvaziado de sentido que já não é mais o que ele um dia foi é grande. Em suas conversas com Judith vemos também outras camadas desse anti-herói que despertou outrora a simpatia de muitos.

A certa altura, Negan foge quando vê uma oportunidade. Ao se deparar com sua antiga base, o ex-vilão vê que o mundo mudou. E que não há mais nada lá para ele. Como um fantasma do que ele um dia foi, Negan volta para a sua cela. Assim, esvaziado de sentido, ele volta para Alexandria onde de alguma forma pertence.

Evolução?

Depois de anos assistindo a série, posso contar nos dedos os episódios que realmente deram medo. E, no geral, os vivos sempre representaram um perigo maior que os mortos. Esse é o mote da série: onde a humanidade foi parar depois que a sociedade como conhecemos ruiu. O que faz com que os lados mais sombrios dos humanos vejam um território fértil para prosperarem.

Depois de descaracterizar Negan, a série nos apresentou algo que há muito tempo estava perdido no rol de sentimentos que um dia ela já nos inspirou: o medo. No episódio Evolution, vemos uma orda de zumbis diferente das outras. Zumbis inteligentes que se comunicam entre si e não são enganados pelos antigos truques de direcionamento de som que já conhecíamos.

A sensação de “mais do mesmo” foi tomada pelo terror enquanto Rosita e Egene lutavam para sobreviver. Aliás, a necessidade de sobreviver foi uma das temáticas retomada nesta temporada.

Um novo sentimento: o terror

Como foi dito ali em cima, a essência da série é mostrar que a humanidade pode ser corrompida. O possível desenvolvimento de ficção científica é descartado. Assim, descobrimos que por trás dos zumbis evoluídos está outro grupo.

Um grupo que escolheu abraçar a natureza da morte que o mundo se encontrava. E, claro, negar qualquer tentativa de reestabelecimento da sociedade. O que vai de encontro com o sonho de reconstrução do mundo de nossos protagonistas.

Estes, que em meio ao caos de sua realidade, descobriram uns nos outros um sentido para sobreviver. Um sentido que protegeu a sua humanidade, e lhes deu fé para lutar por um futuro – mesmo que incerto.

Ascensão de um novo vilão

Uma das criticas mais justas sobre The Walking Dead foi o enxugamento da trama do Negan, que ocupa quase todo o espaço nos quadrinhos. Apesar de uma introdução difícil de ser esquecida, a queda do vilão deixou a desejar para muitos.

Nesta temporada, vimos o inesperado: nascer um vilão feito para ser temido. Diferente de Negan, que podemos dizer com segurança que era amado, ou no mínimo aclamado. As atrocidades do personagem eram justificadas em seu código de honra, apesar de tudo.

Somos apresentados a Alfa através da sua relação abusiva com sua filha, Lydia. A relação vai além da violência física, passando também pela manipulação psicológica. Vemos uma vilã sem escrúpulos, capaz de fazer que sua própria filha acreditar que é culpada pela morte de seu pai (sendo que ela própria o matou).

Diretamente dos quadrinhos

Os flashbacks do passado de Alfa são inéditos na narrativa. Mesmo nos quadrinhos, quando os chamados “sussuradores” aparecem, conhecemos Alfa pelas suas ações. Não pela construção de seu passado. Assim, até mesmo fãs do HQ são apresentados a uma faceta nova da personagem.

O telespectador não quer ser Alfa, seus ideias, sua estética… Nada é convidativo. Pelo contrário: é repulsivo e nos lembra do que de pior a sociedade pode ser. Assim, nasce um antagonista capaz de nos inspirar medo, terror e repulsa. Diferente dos sentimentos dúbios despertados por Negan.

Não que nenhuma fragilidade de Alfa não seja mostrada. Mas esta, seu choro, a rejeição de sua filha, só nascem para acentuar as características que já destacamos, trazendo uma camada a mais a personagem.

E falando nos HQs… Também vemos Henry assumindo parte da trajetória de Carl nos quadrinhos. Assim, é ele que se envolve romanticamente com Lydia e toma decisões estúpidas e dignas de adolescentes para protegê-la.

Daryl vs. Beta

Além disso, vemos aos poucos Daryl ganhando terreno e passando de personagem de suporte para algo mais. O valentão lobo solitário se identifica com Lydia e percebe que a garota passava por maus tratos, assim como ele.

Também não podemos deixar de mencionar a grande cena de luta entre Daryl e Beta, o braço direito de Alfa. Digna de deixar os nervos à flor da pele, a cena muito bem conduzida e posicionada deu um adversário à altura ao intocável mocinho.

Uma proposta diferente

Aqui entramos num ponto crucial para a mudança de direcionamento da série. Carl no seriado televisivo morreu em prol de um ideal de reconstrução de sociedade. Antes de morrer, ele escreve cartas pedindo para que as comunidades parem de lutar entre si e se unam para construir o futuro.

Esse desenvolvimento é bem diferente dos quadrinhos, nos quais Carl permanece vivo e constrói sua personalidade assumindo o papel de liderança tal qual um dia fez seu pai. Seguindo uma linha diferente, temos a proposição de uma carta de direitos e deveres. A reinstituição da sociedade sobre os pilares da igualdade e da cooperação.

Neste ponto, vemos como foi subvertida a ordem da dominação pela violência e que vença o mais forte – mesmo que não o faça, ele poderia.

Assim, os rumos da série caminham para outro paradigma, o que nos é mostrado também com a redenção de Negan, que no último episódio se sacrifica para salvar Judith em uma nevasca. A reinserção social do personagem, mostra outros rumos para a narrativa e também para a proposta de sociedade buscada pelos personagens.

O ex-vilão faz parte daquela comunidade e conquistou uma posição dentro dela. Como apontou Kang em entrevista, ele aparece diante de Michone sem algemas. Diferente de suas primeiras conversas cobre liderança, nas quais ele estava algemado ou enjaulado.

Ameaça ao sonho de sociedade

Assim, temos no desenvolvimento de Alfa o antagonismo de toda essa visão de mundo que está sendo construída. Seu ódio ao modo de vida que está tentado ser retomado, a sua repressão dos sentimentos e das relações humanas (representadas em suas regras) é a grande ameaça. Alfa é a antítese do reestabelecimento da sociedade.

Sua jogada para entrar na feira do Reino e recuperar sua filha Lydia também mostrou a Michone que mesmo que seu trauma tenha sigo grande, a união faz a força. Alfa só foi capaz de entrar na feira, pois os moradores das comunidades não se reconheciam mais. E a série destaca isso.

Com a queda do Reino no último episódio, e a máxima “o reino são suas pessoas”, a série demonstra os rumos que irá tomar. Mas sempre deixando aquele gosto metálico de sangue nas bocas dos telespectadores com as mortes nas estacas.

Muito para uma só temporada?

Como vemos a história de suas mortes e o discurso de abertura da feira, o que ressuscitou The Walking Dead das cinzas foi lembrar que a produção audiovisual é mais do que simplesmente ação, mortes e conflitos entre antagonistas. Na temporada temos duas visões de sociedades postas a prova.

Tal mudança tem a marca da direção implacável de Kang, que trouxe até mesmo a primeira cena com neve da série, dando um quê de “o inverno chegou” para a trama. Se foi muito? Talvez mais coisas do que aconteceram em umas três temporadas. O que com certeza quebrou o ritmo arrastado pelo qual a série ficou conhecida…

Destacando as relações humanas e o instinto de sobrevivência que juntou os personagens da série, Angela trouxe novos ares e olhares aos caminhos que já conhecíamos. Sob seu comando, até mesmo comentários depreciativos falando que agora a série era feminista e havia perdido a graça de um ator famoso de Hollywood foram feitos. Mas, o fato inegável é que Angela Kang nos lembrou do que é feito The Walking Dead. Uma lembrança que fez toda a diferença. 

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