Master of None – Um Jeito Mais Humano de Fazer Comédia
Master of None é uma comédia profundamente consciente do mundo em que vivemos e das pessoas que habitam esse mundo.
*Não contém spoilers.
Depois de um longo hiato desde novembro de 2015, a Netflix lançou no começo de maio a segunda temporada de Master of None, aclamada série de comédia dos veteranos de Parks and Recreation, Aziz Ansari e Alan Yang. Mas peraí…comédia?
Sim, é possível que pessoas da minha geração, acostumadas a sitcoms que não se achavam dignas do título a menos que lançassem uma piada por minuto, estranhem o tipo de comédia que Ansari e Yang apresentam. Porque longe de ser uma máquina de fazer rir com situações absurdas e personagens cretinos, Master of None aposta na comédia que resulta de um retrato sensível da vida cotidiana de um jovem de trinta e poucos anos em uma grande cidade, conforme ele lida com questões complexas relacionadas à família, carreira, romance, amizade e vida moderna.
E comida também, por incrível que pareça.
Qualquer estranhamento que a série possa causar de início, portanto, é logo substituído por um sorriso firme e duradouro (que se mantém sem a ajuda de trilhas de risadas, diga-se de passagem). Que alívio é uma série como Master of None, que ao invés de fazer comédia às custas dos outros, simplesmente aproveita as próprias sutilezas e percalços dos relacionamentos entre seres humanos tanto para fazer rir, como para fazer pensar.
Sem se comprometer muito com uma linha do tempo fixa, cada temporada se divide em episódios que trazem, cada um, uma temática mais específica, que norteia a narrativa. Essas temáticas são o que alçam Master of None a um patamar de comédia consciente do mundo em que vivemos e das pessoas que habitam esse mundo.
Isso é real! É algo real que as pessoas podem fazer de verdade!
No episódio Indians on TV, por exemplo, Dev e seu amigo Ravi (ambos atores) discutem racismo e enfrentam a estereotipização de personagens indianos na mídia. Em Ladies and Gentlemen, Dev reflete sobre privilégio masculino quando descobre os obstáculos que suas amigas mulheres enfrentam simplesmente por serem mulheres. Em Parents, Dev e seu amigo Kevin refletem sobre o tipo de vida que levam como filhos de imigrantes (Dev de indianos, Kevin de taiwaneses) e indagam seus pais sobre a experiência de ser imigrante em um país estranho.
Os atores que interpretam os pais de Dev são os pais de Ansari na vida real e roubam a cena sempre que aparecem.
A segunda temporada não deixou a bola cair e trouxe mais episódios que tocam fundo na diversidade da experiência humana. Em Religion, Dev, que é muçulmano não praticante e amante de carne de porco, enfrenta seus pais ao mesmo tempo que reflete sobre escolhas e espiritualidade. No hilário First Date, vemos o mundo do romance de aplicativo conforme acompanhamos Dev em uma carreirada de primeiros encontros. Em Thanksgiving, voltamos ao passado para ver o amadurecimento de sua amiga Denise, de criança à vida adulta, conforme ela se reconhece lésbica e busca a aceitação de sua família.
Esse episódio é maravilhoso em muitos sentidos, mas achei a representação da família da Denise – formada por mãe, avó e tia – especialmente significativa. Solidão afetiva da mulher negra – é um fato.
Além disso, a série ainda discute assédio sexual no trabalho, e oferece um exercício de empatia em um episódio em que nos deixa espiar a vida de diferentes nova-iorquinos – um porteiro em um prédio de luxo, um imigrante do Burundi e seus amigos, e uma mulher surda. Acho esse episódio em especial excelente porque deixa claro que Ansari e Yang tem uma preocupação genuína em fazer com que o público entre na pele de pessoas invisibilizadas na mídia.
Na sequência em que acompanhamos a mulher surda, por exemplo, não há áudio algum, o que nos aproxima da experiência da personagem.
E o que é mais bacana é que Master of None traz todas essas reflexões e representatividade de forma leve, engraçada e, principalmente, orgânica, sem pregação. Fica claro que isso só é possível porque a produção e o próprio elenco são bem representativos. Isso faz com que as questões levantadas não pareçam forçadas – elas simplesmente fazem parte da vida daqueles personagens, e isso por sua vez traz a série mais para perto do público.
Dev e seu melhor amigo Arnold: uma relação que desafia estereótipos machistas clássicos de amizade entre homens.
Outro ponto positivo é que Master of None consegue usar as complexidades e incoerências dos personagens para fortalecer seus argumentos. Os personagens não são perfeitos e mesmo fazendo parte de grupos marginalizados, não estão livres de reproduzir comportamentos problemáticos. A diferença é que a produção não endossa as opressões que retrata, optando por questioná-las e desafiá-las de forma saudável.
Pessoalmente, adorei a primeira temporada de Master of None, e gostei mais ainda da segunda. Para mim, que ouço frequentemente pessoas justificando piadas machistas, racistas e homofóbicas em nome do “humor”, a série mostra que é possível, sim, ser engraçado sem pisar nos outros e sem fortalecer opressões estruturais. Comédia não é comédia, afinal, se só metade da sala está rindo.
Leia também Machismo Irônico e Por Que é Preciso Ter Cuidado com Ele.
Alexandre
May 31, 2017 @ 8:05 pm
uma dúvida em relação à Francesca. ela pode ser considerada uma manic pixie dream girl? como foi aqui que eu conheci esse termo, gostaria de saber a opinião de vocês, se possível. Grato.
Lara Vascouto
May 31, 2017 @ 9:36 pm
Oi Alexandre! Vi algumas pessoas falando isso, mas eu mesma não vejo a Francesca como uma Manic Pixie Dream Girl. Ela me parece bem real e normal, tem um histórico e seus próprios problemas. Tanto que ela passa por todo um dilema pessoal, e isso é retratado na série.
Monica Bramorski
June 1, 2017 @ 11:47 am
Oi Lara, tu já assitiu “please like me”?!? queria tanto a tua opiniõa 😉
Eu achei maravilhosa e talvez tenha a mesma pegada de “master of none”.
Lara Vascouto
June 1, 2017 @ 12:50 pm
Já, amiga! É maravilhosa mesmo, e ainda vai ter texto! 😀
vERA
June 2, 2017 @ 1:36 pm
Não consegui me envolver AINDA.
dEPOIS DESSE POST, VONTADE DE DAR UMA SEGUNDA CHANCE!
Lara Vascouto
June 2, 2017 @ 1:51 pm
Dá sim, Vera!
Camila
June 16, 2017 @ 4:55 pm
Também prefiro a segunda temporada, embora adore a primeira. Acho que a segunda conseguiu ser ainda mais inclusiva. em especial o episódio New york i love you.
Bernado
December 7, 2017 @ 1:34 am
Tinha expectativa de que fosse melhor. Não é uma porcaria, mas, pro meu gosto, também não é excelente. mas é bem engraçado.
Nicolas
February 26, 2018 @ 11:34 pm
Vou dar uma chance para essa série, meu irmão já assistiu a série e falou que não tão bom, mas vamos ver se e boa.