Por que Estereótipos são Sempre Ruins (mesmo quando são ‘bons’)
Estereótipos não se restringem a pré-concepções depreciativas sobre um grupo, mas tem a ver com percepções limitadas sobre ele, sejam elas quais forem.
Você já deve ter percebido que aqui no Nó de Oito nós falamos bastante sobre estereótipos. E não de um jeito lisonjeador. Isso porque estereótipos são padrões, imagens e representações preconcebidas de determinados grupos ou situações, usados frequentemente para limitá-los a uma única definição. Pautados, portanto, por pre-concepções, generalizações e/ou inverdades, estereótipos frequentemente ocultam e perpetuam manifestações de racismo, machismo, homofobia e outros preconceitos e opressões.
Vale notar, no entanto, que estereotipar é algo que acontece quase que naturalmente. Para nos definirmos, afirmarmos e sobressairmos, muitas vezes generalizamos e diminuímos outros grupos em oposição às nossas próprias características, crenças e costumes. Porém, se queremos construir uma sociedade pautada em igualdade e justiça, precisamos questionar essas práticas, pois estereotipar é mais do que reconhecer diferenças (algo importante e desejável). É limitar grupos às suas diferenças e diminuir suas complexidades, distorcendo a realidade e mantendo-os na desfavorável posição de Outro.
Não por acaso, estereótipos são um instrumento valioso na manutenção de sistemas e dinâmicas de poder que dependem da exploração e submissão de determinados grupos para benefício de outros. Os que depreciam ou demonizam, por exemplo, ajudam a sustentar comportamentos e práticas violentas, que visam manter esses grupos em posição inferiorizada, vulnerável e desprivilegiada.
Além disso, eles também podem afetar psicologicamente membros de grupos vitimados. No fenômeno conhecido como ameaça de estereótipos, o medo ou ansiedade de ter um estereótipo sobre si confirmado pode acabar afetando negativamente o desempenho de um indivíduo. A ameaça de estereótipo faria com que mulheres, por exemplo, tivessem um desempenho pior do que homens em matemática em contextos em que ouvem frequentemente que eles são melhores do que elas em exatas.
É importante perceber, no entanto, que um estereótipo não precisa ser necessariamente depreciativo para ser nocivo. No seu icônico TED Talk sobre a História Única, a escritora Chimamanda Ngozi Adichie fala bastante sobre isso. De acordo com ela:
“É impossível falar sobre a história única sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é “nkali”. É um substantivo que livremente se traduz: “ser maior do que o outro.” Como nossos mundos econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do “nkali”. Como são contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder.
Poder é a habilidade de não só contar a história de uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve que se você quer destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar sua história, e começar com “em segundo lugar”. Comece uma história com as flechas dos nativos americanos, e não com a chegada dos britânicos, e você tem uma história totalmente diferente. Comece a história com o fracasso do estado africano e não com a criação colonial do estado africano e você tem uma história totalmente diferente.”
Estereótipos, portanto, não se restringem somente a pré-concepções depreciativas sobre um determinado grupo, mas tem a ver com percepções limitadas sobre ele, sejam elas quais forem. Vemos isso claramente quando percebemos os efeitos de estereótipos considerados “bons” pela sociedade.
O mais clássico exemplo desse caso é o estereótipo de que asiáticos são inteligentes, disciplinados e estudiosos. Parece lisonjeador, mas não passa de mais uma visão limitada sobre um grupo, que generaliza, restringe a sua humanidade e fortalece diferenças. Seu efeito nocivo pode ser diretamente verificado quando um professor, por exemplo, minimiza e desconsidera dificuldades que alunos orientais possam ter; ou quando esses alunos se tornam deprimidos, ansiosos ou estressados por se sentirem pressionados a corresponder às expectativas que a sociedade tem sobre eles.
Sem contar que o estereótipo vem carregado de implicações negativas, como a falta de sociabilidade e estranheza, que contribuem para mantê-los na posição de Outro inassimilável.
Vale notar também que esse é um estereótipo associado ao mito da Minoria Modelo, perpetuado nos EUA em oposição aos estereótipos de pessoas negras para justificar a desigualdade contra elas. De acordo com a historiadora americana Ellen D. Wu:
“O mito é pernicioso por duas razões principais. Primeiro, achata variações sociais, políticas, ideológicas etc. entre asiático-americanos, e assim esconde problemas reais como pobreza e imigração ilegal. Segundo, o estereótipo posiciona asiático-americanos como ‘definitivamente não-negros’, isto é, polariza asiático-americanos e afro-americanos. O argumento implícito no mito é que outras minorias, especialmente negros, são culturalmente débeis, logo eles seriam os culpados pelos próprios problemas – e não a longa história de segregação, violência e discriminação racial. A lógica bizarra é: se os asiáticos batalharam e conseguiram sucesso, os negros não conseguem porque não querem. O que está em jogo é a tal meritocracia.”
Outro exemplo de estereótipo considerado “ bom” é o que diz que as mulheres têm o dom de cuidar dos outros. Porque mulheres seriam naturalmente boas nisso, a sociedade não valoriza o trabalho de cuidar dos filhos e não paga tão bem os trabalhos tradicionalmente “femininos”, como professor de escola infantil, agente social, cuidador de idoso, agente educacional em creches, etc. E assim como acontece no caso dos asiáticos, o estereótipo pode gerar estresse, ansiedade e depressão em mulheres que não correspondem às expectativas. Além dele, há inúmeros outros que fortalecem o que é conhecido como machismo benevolente, isto é, machismo baseado em pré-concepções sobre gênero que parecem positivas à primeira vista, mas que reforçam a desigualdade de maneira mais ampla, e muitas vezes dão munição ao machismo hostil.
O casal da sitcom According to Jim – ela, uma mãe e esposa super competente; ele, um pai trapalhão. Ao retratar pais e maridos como incapazes de cuidar de uma casa e de seus filhos, reforça-se a ideia de que o trabalho doméstico deve ser exercido pela mulher.
Pois bem, como vimos, estereótipos são sempre ruins – mesmo quando são “bons”. Como bem disse Chimamanda:
“Eu sempre achei que era impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A consequência de uma única história é essa: ela rouba as pessoas de sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza nossas diferenças ao invés das nossas semelhanças.”
E completa:
“Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para desapropriar e demonizar. Mas histórias podem ser usadas também para empoderar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida.”
Vamos lembrar disso, tanto quanto consumirmos histórias de outros, como quando criarmos nossas próprias.
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