Projeto Cria Grupo de Apoio para Mulheres Vítimas de Violência Sexual
O projeto Dissipe e se Liberte, idealizado por Greyce Franzmann, tem como objetivo prestar apoio para meninas e mulheres vítimas de violência sexual.
Em dezembro do ano passado, a Greyce – uma prima querida – trouxe para o Nó de Oito o relato de sua experiência como vítima de violência sexual na infância. A ideia era compartilhar com outras mulheres como foi a sua experiência e, principalmente, o seu processo de superação desse trauma, numa tentativa de ajudar outras meninas e mulheres que também passaram por esse tipo de violência.
Após a publicação do texto, Greyce não quis parar por aí. Sabendo de todas as dificuldades por que passam as vítimas de violência sexual, ela resolveu desenvolver um projeto de apoio às vítimas desse tipo de violência. Foi assim que surgiu o Dissipe e se Liberte, um grupo aberto apenas para meninas e mulheres, que conta com a presença tanto da própria Greyce, como também de três psicólogas – Andressa Antunes, Roberta Raupp e Laura Detoni. Todas as três aceitaram o desafio e estão disponíveis para realizar consultas gratuitas para as vítimas por Skype ou até mesmo para conversas online. Para participar do grupo, clique aqui.
Saiba mais sobre o projeto no texto de Greyce Franzmann abaixo:
Por que agora?
Desde o momento em que comecei a escrever o meu relato, alguns amigos e parentes mais próximos me questionaram sobre alguns pontos em relação ao que eu visava dali para frente. E as principais perguntas foram: por que agora? Por que publicá-lo? E a mais polêmica: Por que sair do anonimato?
Por que agora?
Sinto que agora é o momento certo. Simplesmente pelo fato de que antes eu não estava pronta para falar abertamente sobre isso, mesmo com a minha família. Eu sinto que colocar no papel tudo que me aconteceu, mesmo sabendo que eu já havia aprendido a lidar com essa situação diariamente, acabou tornando aquele acontecimento apenas um relance do meu passado e acreditem ou não, nunca achei que conseguiria administrar esse trauma melhor ainda.
Foi como se eu visse uma fotografia de quando eu era pequena e não recordasse do momento em que foi tirada e sim que ela aconteceu, mas que não fazia mais efeito em mim. Sinto como se fosse um relato de uma lembrança que agora estava pronta para ser engavetada e reduzida a nada. Foi como se eu tivesse deixado de viver aquilo, uma sensação que não conhecia antes e que foi muito boa pra mim.
Esse nível de superação era algo impossível para mim e por isso jamais achava que poderia alcançá-lo. Era como se a protagonista e vitima desse caso tivesse se libertado de uma nova maneira, uma que ainda não tinha conhecido antes. Como se eu estivesse contando a história de uma outra pessoa, e não minha. Não, não é exagero. Realmente experimentei essa liberdade. Foi uma sensação ótima, emocionante e incrível. Fiquei muito feliz, pois nunca imaginaria que eu conquistaria esse estado e que me sentiria assim.
Se foi proposital querer escrever sobre?
Não. Minha psicóloga sempre me falou como poderia me fazer bem escrever sobre o que sinto, em como vejo as situações da minha vida, minhas decepções, meus sonhos e quem eu sou. Nunca levei isso a sério, até que teve um momento em que tive essa vontade tão espontaneamente, que simplesmente sentei um dia e comecei a escrever. Tudo fluía tão rapidamente que nem parecia que era eu que estava escrevendo. Fiquei surpresa com isso, com a forma como aconteceu.
Naquele instante, senti que poderia escrever e isso se desenvolveu tão rapidamente e sutilmente que foi nesse momento que acabei me encantando por essa prática. Fiquei deslumbrada com como eu me expressava melhor ao escrever comparado a como eu me expresso num diálogo.
Senti que o que escrevia conseguia passar uma mensagem, um texto que eu sei o quanto me ajudou e que tem um potencial de ajudar muita gente também. Acabei me deparando com um mundo novo – o da escrita – e pude ver de perto o quão profundo ele era e como ele fazia mais sentido (ao menos para mim).
Por que publicá-lo?
Assim que terminei de escrevê-lo, li e reli diversas vezes e percebi que aquilo, além de ter me ajudado, poderia ajudar outras pessoas. Às vezes, quando converso com alguém sobre como isso foi pra mim, fico emocionada, já que nem eu sabia as proporções de como tudo isso me afetou, da forma que me ajudou – inclusive a me entender melhor, o jeito como ajo hoje, o porquê de alguns comportamentos que antes não ficavam muito transparentes.
Então, não era justo deixar que isso fosse algo apenas meu. Reparei no potencial de ajuda que esse relato poderia ter e quantas meninas como eu poderia alcançar (fossem vitimas ou pessoas ignorantes ao assunto) e também para ajudar a exemplificar como ele se infiltra nas vidas das pessoas que convivem com isso, como as pessoas se sentem por terem passado por isso.
Dessa forma, me deparei com uma Greyce preparada, ciente do que queria com isso e assim decidi expô-lo, principalmente pelo fato de como o abuso, assim como outros assuntos, são tratados como tabu e mal interpretados pelas pessoas, já que infelizmente muitas delas o tratam como se fosse algo normal.
Esse é um dos maiores problemas que eu vejo, além do maior de todos, que é culpar a vítima.
Por esses motivos citados anteriormente, me tornei perseverante. Eles desenvolveram dentro de mim uma motivação interna, fazendo com que eu quisesse compartilhar a minha história. Porque abuso não é normal, não deve ser tratado como algo rotineiro que “acontece…” e não tem o que ser feito em relação a isso. É um ato horrível e criminoso, e quem pratica merece ser punido.
Mas olhando para como foi o meu caso, penso o quão sortuda fui, pois mesmo tendo sido negligenciado, tive e consegui apoio profissional e de um namorado que soube lidar com essa situação não me reprendendo ainda mais sobre a questão sexual, que eu poderia ter desenvolvido. Por isso quero compartilhá-lo: para que as vítimas que não receberam e não recebem apoio algum tenham algo para servir de suporte.
Então se me questionarem o porquê de publicá-lo, minha resposta sempre será essa. Porque quero ajudar quem não tem ajuda, quero mudar esse cenário de naturalidade das pessoas quanto a esse assunto tão delicado. E, é claro, para também conscientizar que a vítima não tem culpa pelo que lhe ocorreu, como já vi muitas vezes, apontarem e julgarem.
Não podemos deixar que esse assunto continue sendo um tabu, não podemos diminuir a culpa que os agressores tem, ao tentarem culpar as vítimas pelo que ocorre, seja pela ingenuidade, ou pela roupa que estavam usavam ou por estarem viajando “sozinhas”, como aconteceu com aquelas duas meninas que faziam mochilão.
Porque se tem algo que dói mais do que o trauma é a maneira como as pessoas o tratam: como se aquilo fosse inevitável por causa da roupa que gostavam, ou por terem ido curtir uma balada com os amigos, ou por terem ido brincar na casa da vó.
Parem, simplesmente parem com isso. Pois, além do sentimento de repúdio que a vítima já tem por ter passado pelo trauma, vocês acabam propagando esse sentimento para elas mesmas, desenvolvendo nojo por elas mesmas. Isso está errado e não pode continuar acontecendo.
Nossa realidade precisa mudar. Estou cansada de ver assuntos sérios serem tratados com desprezo, não aguento mais ver pessoas desamparadas. Quero ajudar e farei a minha parte para isso. Se consegui sentir que poderia lidar com essa pressão da exposição, então não vejo motivos para guardar essa ajuda apenas para mim. Vamos deixar de ser egoísta e vamos olhar mais para o próximo, tentar entendê-lo e, se pudermos, estender-lhe a mão.
Para participar do grupo, clique aqui.
Confira o site do projeto.
Gabriel
October 24, 2016 @ 1:04 pm
Esse texto me lembrou de um projeto incrível que conheci umas duas semanas atrás, o Mete a Colher (www.meteacolher.net/). Ele está sendo desenvolvido por umas mulheres daqui de Recife. Meu objetivo de vida agora é divulgar ele em tudo quanto é lugar haha