São Tempos Difíceis para os Privilegiados!
Uma lição que os artistas brancos padrão precisam aprender urgentemente: não SomosTodos(insira aqui o seu preconceito).
Muitos artistas brancos têm grande dificuldade de aceitar críticas quanto à representatividade. Tem uns dando show de close errado. Vai aqui um único pedido: apenas parem.
Mas eles se recusam a repensar suas posições. Semana passada, Paulinho Vilhena e Cléo Pires, ator e atriz globais, fizeram fotos para divulgar os Jogos Paraolímpicos do Rio em que o primeiro aparece com uma perna mecânica e a segunda, sem um braço, numa tentativa de colocar em evidência o paratletismo, usando a hashtag “SomosTodosParaolímpicos”. Com toda a razão, as pessoas nas redes sociais se revoltaram e criticaram as imagens. Cléo Pires #revoltada rebateu com um vídeo em sua página do Facebook dizendo que estava dando visibilidade, como se as pessoas não estivessem entendendo a óbvia mensagem.
Há alguns meses, o humorista Paulo Gustavo também passou por críticas por fazer o famigerado blackface. Se defendeu dizendo que estava dando voz à mulher negra periférica. E na sua tentativa de retratação quando finalmente esboçou algum entendimento do quanto aquilo era ofensivo, apenas reforçou o estereótipo.
O que acontece, e os privilegiados não estão sabendo como lidar, é que as ditas minorias estão reivindicando seu direito de representarem a si mesmos. Deve ser muito difícil para quem nunca parou para pensar em seus privilégios (risos) não poder fazer o que dá na cabeça sem ser questionado. Mas uma lição que os artistas brancos padrão precisam fazer e refazer é que não SomosTodos(insira aqui o seu preconceito). Cada um é diferente do outro e existe uma complexidade enorme em ser o que se é, justamente porque vivemos em um sistema que cria estereótipos do que pode ou não ser aceito. Negar essa diferença impõe que o padrão continue sendo mais válido, que pessoas brancas, cisgênero, magras, sejam sempre as que apareçam nas grandes mídias como televisão, cinema, propagandas, etc. e consideradas como único modo de gerar visibilidade, comoção pública. Faz com que continuem se dando o direito de falar pelo outro.
A negação de um lugar de fala impõe a exclusão de quem está fora do padrão. Impõe que as falas de Cléo Pires e de Paulo Gustavo sejam tomadas como verdade. Existem outros caminhos, outras verdades a serem expostas e não é fazendo carão que se sai da redundância, mas com problematização, questionando-se sobre os privilégios que se possui e possibilitando que imagens e vozes sejam vistas e escutadas desde suas próprias demandas. É importante que esses artistas abram mais mão de aparecer representando o que não são na vida real e se defendam menos das críticas.
A questão é que os artistas globais – a maioria, brancos – tem uma grande dificuldade de entender que visibilidade se dá cedendo a oportunidade para que aqueles que vivem a realidade de se sentirem excluídos. Que não é encarnando uma personagem que se luta contra o preconceito. Talvez a grande crise desses artistas seja o excesso de visibilidade que têm. Parecem viver uma doença em que se sentem sempre convocados a representar aos outros. É uma dificuldade de desvincular a representação e atuação, conceitos que precisam ser revisados urgentemente.
Há tempos que a arte tem errado nesse quesito, acreditando que não é necessário contratar pessoas que tragam no corpo insígnias condizentes com a realidade. Pessoas com deficiência, de outras etnias não brancas, gordas, transgênero, e um leque de seres humanos podem e devem se representarem a si mesmos, seja na vida real, seja em atuações. Basta apenas que se dê espaço. Basta que os atores padrão sofram menos da síndrome de salvador.
*Texto postado originalmente em As Tais Cartografias.
Leia também A Importância da Desconstrução de Si Mesmo nas Lutas Sociais, e 25 Privilégios de que Brancos Usufruem Simplesmente por Serem Brancos.