Os Perigos do Pensamento Binário nas Redes Sociais
Cresce no Brasil e no mundo uma onda de intolerância e violência motivada por um mal da modernidade: o pensamento binário.
O termo binário significa: aquele que tem duas unidades ou dois elementos. Refere-se, portanto, a uma dualidade, formada por dois elementos presumivelmente opostos ou contrastantes.
Originalmente o pensamento binário pode ter sido uma herança do maniqueismo persa, que foi propagado durante o Império Romano e tinha forte cunho religioso: era basicamente a ideia universal da luta do bem contra o mal, da luz contra as trevas. Tudo que não fosse o bem seria, portanto, o mal, porque não havia espaço para qualquer outra possibilidade diferente das duas opções impostas.
Hoje, a expressão diz respeito a toda dualidade absoluta e não apenas diz respeito ao campo religioso ou moral.
O chamado pensamento binário consiste em uma visão de mundo simplista, que considera apenas os extremos e não enxerga a complexidade real das coisas, como se a vida fosse uma equação exata (o que sabemos que está muito longe de ser verdade). Para quem pensa de forma binária, apenas existe o 8 ou o 80, sendo completamente ignoradas as infinitas possibilidades de nuances que existem entre uma coisa e outra.
É, em outras palavras, o pensamento baseado em deduções que não levam em consideração aspectos mais profundos e acabam caindo em um extremismo altamente prejudicial, que não considera a complexidade da vida e das relações humanas, criando uma polaridade nociva e paralisante.
Exemplos disso podem ser encontrados aos montes em comentários de portais de notícias (independente de qual seja o tema da notícia!) e nas redes sociais: “se reclama da atuação policial, já sei que é defensor de bandido”, “se é cristão, já sei que sofreu lavagem cerebral e não pensa por si mesmo”, “se é de esquerda não pode comer hambúrguer no Mc Donald’s”, “se é contra a pena de morte, defende bandido”, “se é muçulmano, é terrorista”, “se acha que não há motivos para o impeachment, é petista”, “se defende a legalização das drogas, já sei que é viciado”, “se é feminista, já sei que não se depila”, dentre outras proposições absurdas que vão sendo replicadas quase que automaticamente, sem que se reflita sobre o assunto.
As coisas não são apenas boas ou ruins e reduzir a amplidão real de cada situação empobrece o discurso. Criticar violência policial não implica em dizer que todos os policiais são ruins. Criticar o governo de X não quer dizer necessariamente que você tenha votado em Y. Enxergar coisas boas em algo tido como ruim não quer dizer que você ficou cego para as coisas ruins. Ser a favor da legalização do aborto não quer dizer que você faria um. Ter um iPhone ou viajar para o exterior não quer dizer que você não possa enxergar e criticar as mazelas e desigualdade que o capitalismo pode trazer. Buscar diminuir as desigualdades e tentar fazer com que a vida das pessoas em situação menos favorável melhore não tem (necessariamente) relação com fazer voto de pobreza. Ter uma religião não significa que você não pensa racionalmente. Criticar um político não significa que você aplaude tudo que o político adversário faz. As coisas são complexas. E as pessoas muito mais.
O mundo não é dividido em pessoas boas e Comensais da morte. Nós todos temos luz e escuridão dentro de nós. O que importa é o lado que escolhemos agir. Isso é o que realmente somos.
O pensamento simplista e extremista não é, muitas vezes, algo natural e inerente aos seres humanos, mas sim, no mais das vezes, algo propagado pelos meios de comunicação e paulatinamente absorvido e incorporado inconscientemente por grande parte da população. Isso torna ainda mais difícil um diálogo de qualidade, com espaço para a divergência saudável e a exposição de ideias com respeito e reflexão.
Por meio da utilização de falsa simetria e de silogismos superficiais, cria-se uma ideia prejudicial de estereotipar padrões de comportamento, colocando rótulos pejorativos nas pessoas, como se elas não pudessem ou devessem ser várias coisas ao mesmo tempo. E caso a pessoa não corresponda ao estereótipo, ela pode ser questionada ou atacada, ignorando que seres humanos são muito maiores do que um rótulo ou padrão.
Por essa razão é que o pensamento binário é tão nefasto: ele afasta as pessoas, que muitas vezes não estão emitindo nas redes sociais uma opinião própria embasada em leitura e observação empírica, mas apenas reproduzindo e compartilhando opiniões de terceiros que muitas vezes são carregadas de ódio irracional. O resultado disso no caso do Brasil é uma população dividida, que poderia ser extremamente poderosa caso se mantivesse unida ou se ao menos conseguisse manter os diálogos e a abertura para a pluralidade de pensamentos e opiniões.
A boa notícia é que por se tratar de um fenômeno social, há espaço para que cada um contribua para uma melhoria do pensamento crítico, deixando de lado fórmulas prontas, proselitismos e fanatismos de qualquer espécie. Para que a onda do pensamento binário não destrua os relacionamentos sociais, é preciso que se passe a entender que nada é, na prática, tão simples e exato quanto uma equação matemática e que todas as variáveis devem ser levadas em consideração para não se julgar equivocadamente as pessoas.
Para aprofundar o discurso e ao mesmo tempo evitar a polarização nociva das discussões na internet e fora dela, a leitura e o conhecimento são fundamentais. A única forma de sair do lugar-comum e da dualidade simplista do pensamento binário é ler e buscar o maior número de referências possíveis para não disseminar informações incorretas, imprecisas ou desatualizadas.
O estudo, formal ou não, é uma das maneiras mais eficientes de ampliar a forma de pensar e adquirir maior repertório cultural, indo além da mesmice do que é publicado nas grandes mídias.
Checar a veracidade das informações também é algo relativamente simples e rápido de ser feito e inibe a distorção de informações, que é outro problema recorrente nas redes sociais.
Outro ponto crucial consiste na empatia e no respeito, elementos fundamentais para toda e qualquer relação social. Colocar-se no lugar da outra pessoa e dirigir-se a ela com o mesmo respeito que você gostaria de receber é o primeiro passo para um diálogo produtivo e saudável, especialmente quando as ideias são muito divergentes. O que ocorre, frequentemente, é um total despreparo de pelo menos uma das partes, quando não das duas, resultando em xingamentos, agressões verbais e até ameaças.
Você pode defender o seu ponto de vista sem necessariamente precisar agredir o ponto de vista da outra pessoa (ou a pessoa em si).
Tratar as pessoas com civilidade e procurar efetivamente compreender a opinião diversa é um passo importante e nem sempre fácil. Colocar-se no lugar do outro é extremamente difícil, porque imaginar é diferente de vivenciar cada situação. Mas com algum treino os resultados podem ser surpreendentes. Julgamentos apressados devem ceder espaço para a busca da compreensão e do respeito às peculiaridades que tornam cada indivíduo único.
Aproveito para recomendar a leitura de outros artigos sobre o tema aqui, aqui e aqui.
Leia também Gostar de Algo não Deveria nos Impedir de Pensar Criticamente.
Samanta azevedo
August 22, 2016 @ 5:59 pm
Empatia e respeito, compreender a opinão diversa… Como sinto falta disso ultimamente. Adorei o artigo!!
Aline
August 30, 2016 @ 9:22 pm
Obrigada, Samanta! :*
Jozieli Weber
February 3, 2017 @ 3:52 am
Cara, eu tenho pensado muito sobre como tudo é encarado binariamente, como se o mundo fosse dividido em dois lados e você tivesse que necessariamente estar em um deles. E isso tem me incomodado pra caramba. Achei super legal as tuas reflexões. Vou colocar teu link em um vídeo que eu fiz falando sobre isso se estiver tudo bem pra ti. O vídeo é esse https://www.youtube.com/watch?v=sJnguoMBA8Q&t=14s
Abraço
Matheus
May 23, 2017 @ 12:56 pm
muito bom! Parabéns pelo texto. Compartilho uma música que trata o tema de forma divertida:
CARLOS HENRIQUE NOGUEIRA LUCENA
January 22, 2023 @ 2:48 pm
Quanta lucidez, neste texto!