Duas Peças Feministas que Você Precisa Ver neste Fim de Semana (SP)

Este fim de semana tem duas peças feministas incríveis em São Paulo. Confira!

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A primeira é a “Helena Vadia”, com apresentação única nesta sexta-feira (19h30). A outra é o maravilhoso “Dramas de Princesas” com sessões gratuitas nesta sexta e sábado (20h).

Dramas de Princesas

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Um dos maiores elogios que tenho ao Dramas de Princesas é que não é para homens. É para feministas.

Já fui assistir duas vezes. Em ambas, enquanto as mulheres acenam contempladas pela angústia das cenas, os caras na plateia estão frequentemente bocejando ou esboçando certa indignação por não se sentirem contemplados ou por preferirem que as atrizes estivessem falando um pouco mais sobre eles. Selo de qualidade feminista, né?

Pois a peça não é para eles. É para nós.

O que em si já é genial. A maior parte da produção cultural é feita para contemplar ou ao menos não incomodar o público masculino – por outro lado, não se preocupa em poupar as mulheres de uma misoginia recorrente. O que temos de conteúdo feminista por aí? Esta peça dialoga diretamente conosco.

Às curiosas, segue abaixo um relato pessoal sobre a peça. Os spoilers talvez sejam bem-vindos, uma vez que o texto da peça é complexo e isso talvez ajude a navegar pelas 2 horas intensas de espetáculo:

O resumão é que são histórias de 5 mulheres famosas – na ficção e na História. A partir da experiência delas, a autora Elfriede Jelinek (vencedora de um Prêmio Nobel) parece cobrir toda trajetória que enfrentamos como feministas.

Começa com um feminismo liberal que, bom, tem pautas um pouco mais individualizadas, mas é a porta de entrada de muitas de nós para o ativismo. A primeira princesa é uma BRANCA DE NEVE sem muito conhecimento, mas que questiona a rivalidade entre mulheres (na figura da madrasta) e começa a perceber com certa angústia que a sua existência foi resumida à beleza. Um destino que ela não escolheu, que nasceu com ela. Quando ela tenta buscar algo além da aparência, a “verdade” sobre a vida aparece na figura de um homem – que a ameaça e a desmoraliza.

Aí vem a segunda princesa, que explora justamente essa relação com os homens. Acordada da morte por um beijo, a BELA ADORMECIDA sente que deve a sua existência ao Príncipe – que, enaltecido por ter lhe dado a vida, agora acha que é Deus. A princesa se divide entre o amor próprio e a gratidão, tendo aprendido na mídia que seu único propósito era encontrar um Príncipe. A cada vez que é silenciada ou objetificada pelo seu “salvador”, essa romantização do “amor eterno” parece se distanciar da realidade. Sem outras ambições ou referências, como muitas mulheres a Bela Adormecida parece arrastada pela correnteza. O seu título de Princesa perde a força ao lado do dele, que apesar de também ter o título de Príncipe se vê como superior e aos poucos a enxerga como uma posse.

A terceira princesa, ROSAMUNDA, já tem consciência de tudo isso e está puta. Com os homens. Com o sistema. Com o patriarcado. Tudo. O seu ódio é rapidamente ridicularizado pelos homens em cena, que acham que ela devia parar de reclamar e que a solução é todo mundo transar (bem esquerdo-macho). A Rosamunda passa essa angústia de ser empoderada e ter que carregar esse ódio sozinha, não ser ouvida. Ela se vê obrigada a trilhar um caminho solitário, às vezes se frustrando com as contradições entre o seu discurso e suas vontades ou os padrões que ainda a afetam emocionalmente.

A quarta princesa é a JACKIE KENNEDY. Para mim, a cena dela é uma resposta da sociedade ao feminismo. A impressão que dá é que depois de muita luta, o único poder que nos é permitido vem de forma indireta. Sabe? Do tipo “tudo bem, pode ser primeira dama, mas não presidenta” – inclusive a peça tem um cartaz em homenagem à Dilma. A cena é triste, a Jackie parece convencida com argumentos rasos de que ser coadjuvante é, de fato, uma oportunidade incrível. Ela não tem voz, mas se sente orgulhosa de expressar todo seu caráter através das suas roupas. A sua imagem silenciosa esconde as suas perdas e o seu sofrimento, em boa parte causado pelo marido, tudo soa um pouco injusto. Afinal, ela era uma mulher forte e tudo que restou foi ser “um terninho clássico”.

Cada uma à sua maneira, na verdade, todas as princesas parecem vítimas do tal “entrar para a História”.

A última cena pega por aí. É uma conclusão devastadora sobre esse “quase lá”, sobre todo o nosso esforço para nos rebelarmos ou validarmos como gênero ao longo da História. Duas princesas contemporâneas – as autoras SYLVIA PLATH e INGEBORG BACHMANN – discutem sobre uma parede invisível. Esta que todas as mulheres sentem, mas que muitas ainda não vêem ou não sabem enfrentar. Elas se propõem a escrever sobre a parede. Mas explicá-la parece vir às custas da nossa sanidade ou da nossa própria vida. A parede impede, limita, bloqueia e uma hora engole quem se propõe a desafiá-la. Dá certa angústia de ver os dramas destas e das outras princesas para se libertar. Para serem ouvidas sem enlouquecer. Este sentimento fica ainda mais pesado ao sabermos que a Sylvia e a Ingeborg reais se suicidaram – e eram mulheres brilhantes.

A primeira vez que assisti a peça da Ciadasatrizes, saí com a sensação de que não tinha entendido tudo que a autora quis dizer. Precisava voltar. A Elfried Jelinek tem uns textos difíceis, meio prepotentes. De fato, em algumas cenas talvez coubesse um esforço um pouco maior para tornar a obra mais acessível – e consequentemente menos classista. Mas mesmo sem entender tudo, a plateia sai de lá com um sentimento incômodo de que ser mulher não é fácil.

O que já é importante.

Esta peça precisa ser vista. A sensação que tenho, depois de ver, é que não passamos por tudo isso sozinhas. Sabe, lá está a Jelinek sofrendo as mesmas babaquices cotidianas que nós. E o entendimento dela sobre esses caminhos de luta e opressões é muito incrível. Deprimente, talvez, mas incrível. Eu saí ainda mais maravilhada na segunda vez que assisti.

É uma peça para ver duas vezes – o que complica, considerando que só tem mais duas apresentações.

ONDE: Oficina Cultural Oswald de Andrade

ENDEREÇO: Rua Três Rios, 363 (Metrô Tiradentes)

HORÁRIO: 20h, ingressos distribuídos às 19h (cheguem cedo!)

QUANDO: Sexta-feira (30) e sábado (1)

PREÇO: Gratuita

Helena Vadia

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Pensa numa performance incrível? Esta eu vi nascer, anos atrás, e estava esperando a chance de chamar todas minhas amigas feministas para ver. Finalmente o “Helena Vadia” veio para São Paulo.

A Helena de Tróia é a famosa “mulher-troféu”. Reduzida mundialmente à sua beleza, ela foi violada ainda adolescente e usada como desculpa para guerras, repetidas vezes, por homens que transformam suas emoções em demonstrações violentas de masculinidade.

A atriz Pâmella Villanova, aliás, questiona o masculino e o feminino, transitando brilhantemente entre ambos durante a performance. É maravilhoso.

Em suas palavras: “Trata-se da exploração cênica do mito de Helena, a mulher vadia, erótica, sexualmente ativa. Em meu corpo de atriz são experimentados marcadores de feminilidade e de masculinidade, justamente questionando a dualidade. Tão ambígua quanto Helena, a cena teatral é considerada um campo fértil para a flexibilização do fazer gênero, da performatividade de gênero”.

Ou seja: vão. Vale a pena assistir.

ONDE: SESC Centro de Pesquisa e Formação

ENDEREÇO: R. Dr. Plínio Barreto, 285 – Bela Vista

PREÇO: R$ 15 (inteira), R$ 7,50 (meia) e R$ 4,50 (SESC)

QUANDO: Sexta-feira (30)

HORÁRIO: 19h30

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