Me Chame Pelo Seu Nome e a Beleza da Descoberta Desimpedida
Um dos favoritos aos Oscar de 2018 convida o espectador a vivenciar uma realidade impossível, cercada de poesia.
O cinema “blockbuster” trouxe, ao longo dos anos, alguns exemplos que podemos chamar de romance gay. Brokeback Mountain e o vencedor da categoria de melhor filme no ano passado, Moonlight, contam histórias sobre a descoberta homossexual masculina. Cada um deles decidiu encaixar um relacionamento entre dois homens em ambientes onde eles são especialmente reprimidos: um no sul preconceituoso dos Estados Unidos e o outro na comunidade negra. Já Me Chame pelo Seu Nome tem uma abordagem diferente ao situar sua história longe de tudo e de todos e, assim, eliminar o preconceito do seu universo. Isso faz com que a atmosfera retratada seja muito mais bonita, cercada de poesia e, por isso mesmo, completamente irreal.
Me Chame pelo Seu Nome conta a história de Elio, um jovem judeu que mora com os pais em uma cidade no interior da Itália, que é (ou aspira ser) um músico de formação clássica. Seu pai é um pesquisador que recebe universitários para auxiliá-lo em seus estudos. Em 1983, ano em que se passa o filme, a família recebe Oliver, um estudante norte-americano absolutamente intenso em tudo que faz – seja quando come ou quando rapidamente se junta aos locais em suas atividades cotidianas.
No verão de uma pequena cidade Italiana, a atmosfera é de sonho. É nesse ambiente que Elio descobre mais sobre si mesmo e sua sexualidade. Para mim, um detalhe importante é que o romance entre Elio e Oliver não é tratado de maneira diferente por ser homossexual. Quando Elio tem um relacionamento sexual com uma mulher, ele está cercado dos mesmos elementos de segredo e descoberta, tão associados com a juventude. Com a diferença que, com Marzia, a garota com que Elio perde a virgindade, há apenas desejo. Já com Oliver, existe algo maior, que envolve uma necessidade carnal, mas também uma identificação intelectual. É interessante perceber que os corpos masculinos e femininos são exibidos de maneira igual na tela. No ambiente sensual do filme, é natural admirar tanto os corpos dos homens quanto os das mulheres.
Considerando a história central do filme, é fácil dizer que as mulheres aqui têm um papel diminuído. A mãe de Elio não tem utilidade além de afirmar as escolhas do filho e Marzia é retratada como alguém incapaz de interessar Elio de uma maneira que não seja sexual. Eu entendo que essas escolhas fazem com que o relacionamento de Elio e Oliver pareça mais forte em comparação aos outros, mas ao mesmo tempo as personagens femininas poderiam ter sido mais desenvolvidas sem prejudicar o arco central. Inclusive, se Marzia aparecesse como um personagem tão interessante quanto Oliver, seria ainda mais poderoso o sentimento que Elio demonstra por ele.
Elio e Marzia.
Retomando a questão sobre preconceito, é um frescor assistir a um filme que retrate um romance homossexual sem que haja o medo iminente da violência ou de olhares julgadores. A naturalidade e química com que os atores principais agem educa o olhar do espectador para que caiam todas as barreiras que impediriam esse romance.
No entanto, eu como mulher heterossexual, não sou capaz de comentar um elemento essencial da narrativa do filme, que é a descoberta da homossexualidade masculina. Por isso, convidei homens gays para comentar o que mais lhes chamou a atenção em Me Chame Pelo Seu Nome. Aqui, algumas das suas falas:
“Uma das passagens mais intensas que vivi foi a dualidade entre o peso das minhas dúvidas e a leveza das descobertas. Antes de conhecer o outro, precisava me conhecer, mas a pressão social sempre me aprisionava. Quando finalmente me entreguei, descobri que a vida é bem mais leve do que nossa cabeça projeta. E senti tudo isso assistindo Me Chame pelo seu Nome, aquela ansiedade de uma paixão destruidora, meus momentos só, a entrega ao outro e aos detalhes compartilhados, a intimidade, os momentos que vivemos uma vez e depois revivemos milhares de vezes em nossas lembranças. Enfim, o conjunto de sentimentos que nos torna mais vivos. Os pequenos toques de sensualidade, retratando as trocas e o carinho entre dois homens, deixaram o filme ainda mais real. Saí do cinema me sentindo abraçado.” – Bruno Mello
“Me Chame pelo seu Nome é uma das mais belas histórias de amor que já vi no cinema. É um filme belo pela própria relação entre arte e beleza que o filme nos traz, questão estética e filosófica mesmo, seja como contexto pela profissão de pai de Élio, que proporciona o desfile de estátuas e imagens da arte grega; seja pelas imagens impressas no filme e beleza de paisagens, personagens, atores. Notei algumas cenas em que o próprio Oliver é enquadrado como uma estátua grega. Então, nada melhor do que usar Baudelaire pra definir isso tudo: “O elemento particular de cada beleza provém das paixões e, como temos nossas paixões particulares, temos nossa beleza”. – Heitor Botan
Beleza em todas as cenas do filme.
“Me Chame Pelo Seu Nome não é um romance gay. É um filme sobre como amadurecer e, principalmente, amar. O que acontece entre Elio e Oliver me fez refletir sobre como gostamos de rotular as coisas que acontecem conosco, mesmo quando não precisamos. Naquela atmosfera de sonho e encanto, o que importa é o presente e o que somos capazes de absorver dele. É o maior trunfo do filme: nos fazer ir além de um romance para pensar sobre nós mesmos, nossas dores, nossos comportamentos como sociedade e até mesmo o comportamento de diferentes gerações. É claro que o filme causa um impacto enorme na comunidade LGBTQIA+, desencontros como o de Oliver e Elio costumam ser mais comuns entre nós, mas isso não é o mais importante. A narrativa consegue nos manter no presente e, embora tenha um fim agridoce, assim como em Brokeback Mountain, deixa aquela esperança de que o importante é viver o que a vida oferece, independente se vai acabar logo. É um soco no estômago da geração ‘quero tudo e quero agora’ e um respiro em tempos de caos emocional.” – Isaque Criscuolo
Me Chame Pelo Seu Nome pode ser um filme “branco” e retratar um romance idealizado, beirando fronteiras temáticas das comédias românticas heterossexuais. Mas assim como os filmes da Mulher Maravilha e Atômica, que usam signos manjados dos filmes de ação masculinos, o diferencial é justamente o componente da diversidade. Se representatividade importa, empatia também é importante na hora de assistir um filme que não seja um espelho fiel dos nossos desejos, mas que represente a beleza do desejo do outro.
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