Crimes de ódio na Internet – Por que a impunidade continua?

A internet continua sendo terreno fértil para crime e discurso de ódio. 

Ameaças, racismo, injúria racial, crimes de ódio, calúnia, difamação, falsa identidade. Tudo isso é crime, mas ninguém nem imaginaria ao entrar na internet. Só nessa semana, por exemplo, tivemos uma ação que invadiu e derrubou as páginas Feminismo sem Demagogia e Jout Jout Prazer, no Facebook. A ação foi organizada através de um evento criado na terça-feira, batizado de “Multirão Hétero” (sic).

E isso foi só de terça para cá. Ainda nessa última semana, tivemos ataques racistas contra a atriz Taís Araújo, também no Facebook, e a viralização de sites de ódio falsos criados no nome de uma das mais famosas blogueiras feministas do Brasil, Lola Aronovitch. O caso de Lola, aliás, é emblemático. Blogueira de sucesso por trás do Escreva Lola Escreva há oito anos, ela frequentemente recebe ameaças de morte, tortura e estupro, e tem nada menos que sete boletins de ocorrência contra os ofensores.

“É muito ruim, e é péssimo que a gente fale tanto de ameaças sofridas por blogueiras e mulheres gamers americanas e se esqueça do que acontece bem aqui, não só comigo. Como já disse antes, eu não sou ameaçada por ser Lola ou por meus lindos olhos verdes. Sou ameaçada por ter um blog feminista. Só isso. Tipo: qual foi seu crime pra ter sido jurada de morte por um bando de misóginos? Ter um blog feminista.”

– Trecho do Escreva Lola Escreva do final de 2014, quando ela fez dois BOs contra misóginos que a ameaçavam na internet. Mês passado, esses mesmos caras criaram os sites falsos no nome de Lola, com o objetivo de difamá-la. Ela fez um novo BO. E a saga continua.

 

Lola tem provas. Lola tem nomes. Mas Lola continua sendo ameaçada e importunada pelas mesmas pessoas. A verdade é que a impunidade ainda corre solta quando se trata de crimes na internet – principalmente crimes de ódio. A culpa parece ser, em boa parte, de uma legislação muito vaga ou simplesmente inexistente para esse tipo de caso. 

Mas e o caso da Maju? E o da Taís Araújo? E a Lei Carolina Dieckman? – você deve estar se perguntando.

A Lei Carolina Dieckman tipifica crimes digitais, é verdade, mas além de ter penas muito brandas, trata especificamente de casos relacionados à invasão de computadores, roubo de senhas, de conteúdo de e-mail, derrubada de sites, disseminação de vírus e malware, e roubo de dados de cartões de débito e crédito.

Ou seja, ela pune levemente quem roubou e postou fotos íntimas da ex-namorada, mas não contempla quem passa o tempo praticando crimes de ódio com discursos e comentários contra minorias online. Não há uma lei específica nesses casos, portanto a maioria deles é enquadrada nas que tratam de crimes de preconceito por meio de recursos de comunicação social e, dependendo do caso, nas leis de ameaça, calúnia, difamação, injúria e falsa identidade.

E aí temos alguns problemas. Em primeiro lugar, para que os últimos cinco crimes citados acima sejam investigados, é preciso que a própria vítima faça a queixa na delegacia. Como já existe um grande descrédito em relação à eficácia da Justiça nesse tipo de caso, dificilmente as vítimas se dão o trabalho.

Já os crimes de preconceito podem ser denunciados por qualquer um pelo site da Polícia Federal ou até pela ONG SaferNet, que possui acordo de cooperação com o Ministério Público Federal. O problema é que, às vezes, o que parece ser um caso de racismo, na verdade é identificado como injúria racial. E para crimes de injúria, como já foi dito, é preciso que a vítima vá até a delegacia prestar queixa. Ou seja, muitas vezes as denúncias acabam indo pelo ralo.

Outro problema sério é a punição em si. Para a maioria dos crimes citados acima, as penas variam entre três meses e cinco anos de prisão. No Brasil, entretanto, pena de até quatro anos de prisão para crimes sem violência se transforma facilmente em pena restritiva de direitos. Ou seja, ao invés de ir preso, o indivíduo paga umas cestas básicas aqui, faz um trabalho comunitário ali, e já pode voltar para o computador para destilar mais ódio.

O que a legislação brasileira ignora é que esses crimes – já terríveis por si só – tomam uma proporção devastadora na internet. As replicações infinitas de conteúdo, o seu alcance praticamente ilimitado e a garantia de anonimato fazem com que os crimes de ódio virtuais sejam muito mais graves do que o normal. Eles não só geram transtornos psicológicos nas vítimas, como também incitam a violência e inibem a liberdade de expressão.

De acordo com Natália Neris, pesquisadora do projeto Gênero e Tecnologia no InternetLab:

“O discurso de ódio na internet precisa ser encarado como uma violação de Direitos Humanos, mas também como uma ameaça à construção de uma esfera pública virtual democrática. A violência pode afastar indivíduos, fazer com que estes temam por expressar suas opiniões e pontos de vista, e, no limite, pode calar suas vozes – vozes estas muitas vezes subalternizadas e subrepresentadas em muitos outros espaços sociais – como é o caso das mulheres, negros, indígenas, LGBTs e pessoas com deficiência.”

Mudanças significativas precisam acontecer para que a impunidade na internet de fato chegue ao fim.

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