Céticos das Mudanças Climáticas – Ignorância ou Ideologia?
Por que algumas pessoas se recusam a acreditar nas mudanças climáticas, apesar de todas as provas científicas?
Furacões constantes. Temperaturas extremas. Secas e enchentes devastadoras. Nada menos que 97% da comunidade científica concorda: tudo isso é resultado de mudanças climáticas causadas pela ação humana.
Mesmo assim, os 3% que discordam – acompanhados de um pequeno exército de seguidores fervorosos – fazem tanto barulho que por mais louco que pareça ainda estamos discutindo se as mudanças climáticas realmente estão acontecendo e se elas são resultado de nossas ações. Esses 3% convenceram governos nacionais. Convenceram grandes empresas. Podem até ter convencido você. E como resultado, estamos patinando em uma discussão sem fim rumo à extinção.
Será que esses “céticos” são burros? – nos perguntamos, indignados. E acreditando firmemente que esse ceticismo tem base em ignorância, sacamos relatórios, artigos e gráficos sem parar, na esperança de que algum dado científico vai conseguir penetrar o cérebro dessas pessoas e fazê-las entender.
Mas será que os céticos das mudanças climáticas são realmente burros ou ignorantes?
Um estudo recente publicado na revista Nature comparou a visão de 1540 americanos sobre mudanças climáticas com a sua capacidade de raciocinar logicamente e concluiu que não. Essas pessoas conhecem e entendem toda a ciência das mudanças climáticas. Elas conhecem e entendem todos os relatórios, gráficos e dados. O problema aqui não é ignorância, nem burrice. O problema é ideologia.
Como assim, ideologia? Bem, além de avaliar a capacidade de entendimento científico dos participantes, o estudo também avaliou que tipo de pessoas eles eram. Perguntando se eles concordavam ou discordavam de afirmações como “Precisamos reduzir as desigualdades entre ricos e pobres, brancos e negros e homens e mulheres”; e “O governo precisa impor limites nas escolhas dos indivíduos para que elas não interfiram no bem-estar da sociedade”, o estudo conseguiu dividir os participantes entre dois grupos: os individualistas-hierárquicos e os igualitários-comunalistas. Os primeiros acreditam que as pessoas devem se virar sozinhas e respeitar a autoridade. Já os igualitários-comunalistas acreditam que a desigualdade tem que diminuir e o bem estar da sociedade deve ser priorizado.
Como era de se esperar, os igualitários-comunalistas se preocupam muito mais com as mudanças climáticas do que os individualistas-hierárquicos. E o que é mais chocante: quanto maior a capacidade racional de cada um deles, mais fortes são as suas crenças preexistentes relacionadas à mudanças climáticas. Isto é, quanto mais inteligente o igualitário-comunalista, maior a sua preocupação em relação ao clima; e quanto mais inteligente o individualista-hierárquico, maior o seu ceticismo. Com isso, os pesquisadores descobriram que a identidade e as crenças políticas, culturais e sociais dos indivíduos são um indicador muito mais preciso da sua crença nas mudanças climáticas do que o seu nível de informação e inteligência.
Isso muda tudo. Em primeiro lugar, prova que não podemos nos fiar somente em dados concretos e provas científicas para conscientizar as pessoas. O estudo sugere que só levamos esses fatores realmente em consideração quando o nosso trabalho profissional exige isso. Isso explica por que o grosso das pessoas que têm que lidar com as mudanças climáticas em nível profissional – como epidemiologistas, equipes de prevenção de desastres, etc – não as negam. Para o resto de nós, que não vemos tão claramente e não somos afetados de forma tão direta por elas, fica a cargo da ideologia definir se acreditamos ou não. A ciência, nesse caso, vai servir apenas para endossar a nossa própria visão, seja ela igualitária ou individualista. O que não servir para reforçá-la, será rejeitado como falso, errado, equivocado, enganoso, influenciado.
Dessa forma, o estudo mostra como nossas crenças pessoais são potentes, e como estamos dispostos a fazer uso da ciência de acordo com os nossos próprios interesses. O nome disso é raciocínio motivado, um fenômeno discutido pela primeira vez em 1950 pelo psicólogo Leon Festinger. Desde então, muitos outros estudos comprovaram que as nossas crenças preexistentes, por mais ilógicas que sejam, são capazes de influenciar consideravelmente nossas opiniões, mesmo quando novos fatos e descobertas que as contradizem são apresentados. O problema pode ser explicado pela descoberta neurocientífica de que as emoções são ativadas antes do raciocínio quando somos confrontados com novas pessoas, situações e ideias. A repulsa natural que sentimos contra informações que desafiam a nossa visão de mundo contamina o raciocínio. E isso faz com que ao invés de raciocinar sobre um determinado assunto, nós o racionalizemos, buscando pensamentos e informações falsos que reforcem as nossas crenças preexistentes.
Conhecer esse detalhe pouco animador da natureza humana é especialmente relevante, pois com isso podemos tomar ações para trabalhar com ela da forma certa. Isso significa que temos que nos munir de outras ferramentas para convencer os céticos de algo que já está mais do que provado cientificamente. Dan Kahan, o autor do estudo, sugere algumas estratégias práticas que distanciam a discussão da ciência e podem dar mais resultado. Por exemplo, para convencer um individualista-hierárquico que as mudanças climáticas devem ser reconhecidas, seria uma boa ideia mencionar que a geoengenharia e a energia nuclear podem ajudar na solução. Por outro lado, para convencer um igualitário-comunalista a aceitar a energia nuclear, mencione que ela pode ajudar a reverter as mudanças climáticas.
Esse tipo de tática mantém a discussão fora dos pacotes de crenças predefinidos e nos retira de nossos grupos sociais/culturais antagonistas. Paciência e estratégia são a chave.
*publicado também em Ano Zero.