Personagens Não-Brancos em Filmes de Fantasia – Vilões, Monstros ou Figurantes
Se existe um gênero de filme que mais reflete os ideias racistas da nossa sociedade, esse gênero é o da fantasia.
Poucas coisas são tão certas quanto o fato de que a representação de pessoas negras e de outras etnias em Hollywood é escassa e estereotipada. Nos últimos meses o problema tem sido amplamente debatido, principalmente depois que pelo segundo ano consecutivo tivemos uma edição do Oscar somente com atores brancos indicados ao prêmio.
As atrizes indicadas a Melhor Atriz Coadjuvante parecem, inclusive, a mesma garota-propaganda para supremacistas brancos em estágios diferentes da vida.
O racismo é estrutural e, no caso da indústria cinematográfica, ele se manifesta principalmente através da ideia de que o ser humano padrão é branco e todo o resto é, bem…resto. Isso faz com que prevaleça na telona a presença de protagonistas brancos, restando para atores e atrizes de outras etnias escassos papéis fortemente estereotipados. Na concepção de Hollywood, atores negros, por exemplo, só podem ser escalados para interpretar papéis especificamente escritos para pessoas negras.
Também por causa do racismo – que faz com que consideremos a história e experiências de pessoas negras menos importantes – esses papéis são escassos, secundários e, na maioria dos casos, terrivelmente estereotipados.
A quase inexistência de personagens não-brancos no cinema é bem documentada estatisticamente, mas apenas recentemente isso foi demonstrado de modo que até alguém com o entendimento seriamente comprometido pelo racismo nosso de cada dia conseguisse entender. Através do Tumblr Every Single Word Spoken (by a person of color in film) – que traduz para Cada Palavra Dita (por uma pessoa não-branca em filmes) – o ator e roteirista Dylan Marron vem postando desde junho do ano passado filmes editados para mostrar apenas cenas em que personagens não-brancos tem alguma fala. Os filmes escolhidos contam histórias e experiências humanamente universais, que poderiam ser vividas na telona por pessoas de qualquer etnia, mas mesmo assim oferecem poucos segundos de espaço para pessoas não-brancas.
O ganhador do Oscar desse ano teria apenas 27 segundos se mostrasse apenas as falas desses personagens.
Foi então que, navegando por esse tumblr (e sendo terrivelmente nerd) eu não pude deixar de pensar sobre a presença de personagens não-brancos em filmes de fantasia. Ou melhor – sobre a quase inexistência de personagens negros e de outras etnias nessas produções. Sim, pois se existe um gênero de filme que reflete ideais racistas da nossa sociedade, esse gênero é o da fantasia.
Seguido de perto por comédias românticas, que só não lidera esse ranking por causa do Will Smith.
Agora, calma, que eu acho que sei o que você vai falar.
“A maioria desses filmes é baseado em livros! Eles só estão sendo fiéis ao material”.
E até certo ponto, você tem razão. A maioria desses livros faz um péssimo trabalho em incluir personagens não-brancos. Há quem diga que isso é culpa de Tolkien, autor de Senhor dos Anéis, que criou um padrão de livros de fantasia para as gerações posteriores em que, qualquer que seja o mundo inventado, os personagens nele devem viver em cenários medievais, ter características físicas européias e falar com sotaque britânico.
Peter Dinklage é um dos únicos atores americanos em Game of Thrones, e mesmo ele forja um sotaque britânico. Detalhe: o autor dos livros também é americano.
Tolkien em si era um homem branco britânico em uma época de forte propaganda racista e machista, por isso não surpreende que ele tenha escrito livros em que os heróis são todos brancos como leite e apenas duas mulheres têm falas. Mesmo assim, me parece forçar a barra falar que os filmes que se seguiram estavam apenas sendo fiéis ao material ao não incluir atores não-brancos.
Uma porque a maioria das adaptações de livros para o cinema parecem cagar para o material original.
A história original nunca impediu Hollywood de escalar brancos para interpretar egípcios, árabes, latinos, orientais e afrodescendentes negros (tem um texto inteiro sobre isso aqui)
E outra porque estamos falando de mundos inteiramente inventados, em que a cor de pele dos personagens não faz diferença nenhuma para a trama (com exceção de alguns livros, como As Crônicas de Nárnia, por exemplo, que trazem temáticas bem racistas). Ou seja, dragão pode, fogo verde pode, gente voando em vassoura pode, personagem branco ser interpretado por ator negro CLARO QUE NÃO, MAS QUE ABSURDO, O LIVRO É INSPIRADO NA EUROPA MEDIEVAL, NÃO VIAJA!
Além disso, na maioria das vezes a cor de pele dos personagens é tão insignificante para a história que ela nem chega a ser mencionada nos livros. Prova disso é a possibilidade de se escalar uma atriz negra para interpretar Hermione Granger, que nunca teve sua cor de pele descrita nos livros e foi imaginada como negra por milhares de leitores muito antes de Noma Dumezweni ser escalada para o papel na peça que será lançada esse ano. Mesmo assim, na maioria dos casos os produtores dos filmes nem cogitam a possibilidade de contratar alguns atores e atrizes negros para papéis de destaque.
Em suma, por mais que autores de livros de fantasia deixem muito a desejar no quesito diversidade, os responsáveis por adaptá-los para o cinema têm a opção de fazer diferente, mas tanto não o fazem, como muitas vezes tomam decisões que deixam a história mais branca ainda do que o material original respalda. E pior: muitas vezes optam por manter caracterizações de personagens que trazem implicações inegavelmente racistas.
Como escalar os únicos atores não-brancos em três filmes inteiros para interpretar aliados de Sauron e orcs sanguinários comedores de gente.
De fato, parece que – com uma ou outra exceção – só há três papéis possíveis para atores não-brancos em filmes de fantasia: monstros, vilões e figurantes.
Os exemplos disso são vários. Como já mencionado, em Senhor dos Anéis o elenco principal é todo branco, restando para pessoas negras e de outras etnias os papéis de monstros e vilões. Em O Hobbit, somente depois de muita controvérsia (incluindo uma mulher que foi recusada como figurante por ser de origem paquistanesa) a produção incluiu alguns figurantes negros e asiáticos entre hobbits e anões. Em Crepúsculo, atores de descendência indígena foram escalados para interpretar os personagens lobisomens da família Quileute (um povo indígena real, diga-se de passagem), mas curiosamente esses atores só descobriram que eram descendentes depois de terem sido contratados para o filme. E não ajudou em nada também o fato de a história retratar esses personagens como selvagens e primitivos em comparação com os vampiros brancos, ricos e classicamente europeus.
Eles literalmente se transformam em animais.
Já em Harry Potter, uma atriz asiática foi escalada para interpretar Cho Chang (que nos livros também é asiática), mas atores e atrizes negros foram escalados, em sua maioria, apenas como figurantes ou personagens secundários também já descritos como negros nos livros, como Dino Thomas, Lino Jordan, Angelina Johnson e Kinsgley Shaklebolt. E pior: a personagem Lilá Brown (que não tem sua cor de pele descrita nos livros) foi interpretada por atrizes negras até o sexto filme, quando o papel passou para uma atriz loira de olhos azuis. Curiosamente, é no sexto filme que Lilá finalmente tem falas e se torna o interesse amoroso do melhor amigo do protagonista.
Curioso, muito curioso.
Em As Crônicas de Narnia, também vemos personagens negros apenas como figurantes, secundários ou tão fantasiados que nem se percebe que são negros, como no caso dos minotauros Asterius e Otmin. Pessoalmente, estou curiosa para ver como o próximo filme da série (se sair) vai lidar com o racismo do livro que pretende adaptar, que descreve os calormanos – os vilões da história – como um povo do deserto de pele escura, com espadas curvas, turbantes, comida apimentada e cultura obviamente islâmica. Ah, e eles são também cruéis e gananciosos, e têm o costume de sacrificar pessoas para um deus satânico.
Em contraste com os civilizados heróis brancos, com seu Jesus Cristo em forma leão.
A série Game of Thrones também é problemática, embora faça um trabalho um pouquinho melhor ao trazer alguns atores secundários negros. A série inclui até atrizes asiáticas, um dos grupos mais subrepresentados do cinema. O único problema é que essas atrizes foram escaladas para personagens notoriamente descritas como tendo caracterização árabe/africana nos livros. Aparentemente, para os produtores da série, todas as etnias que não a branca são intercambiáveis entre si. O engraçado é que nessas horas a galera purista que justifica a falta de representatividade com argumentos como “Mas Westeros é tipo a Europa, os produtores só estão sendo fiéis aos livros!” não fala nada. Obviamente, para eles a série só tem que ser fiel para garantir o protagonismo a atores e atrizes brancos.
E para piorar, as dornesas foram terrivelmente estereotipadas pela série, coisa que não acontece nos livros.
Que fique claro que essa reflexão não tem a intenção de demonizar essas produções e as pessoas por trás delas. Como disse Dylan Marron, o criador de Every Single Word Spoken:
“Nós como sociedade somos tão bem treinados para identificar pessoas racistas. (…) Mas não temos as ferramentas para falar sobre racismo sistêmico. Não estou dizendo que esses filmes são racistas. Não estou dizendo que esses cineastas são racistas. Estou dizendo que o sistema para o qual eles contribuem tem práticas profundamente racistas”.
O racismo é estrutural. Ele está impregnado no tecido da sociedade e uma das formas pelas quais ele se mantém e é passado para as novas gerações é através da mídia. É através de filmes, e séries, e livros, e músicas. Cabe a nós exigir algo diferente.
Não é só um filme.
Leia também 4 Clássicos Infantis com Histórico Racista; e 10 Vezes que Atores Brancos Interpretaram Personagens de outras etnias (nos últimos 10 anos). Confira outros textos relacionados abaixo.
Larissa
May 3, 2016 @ 7:23 pm
Olha, acho que o Martin (mesmo sofrendo TREMENDA influencia de Tolkien) foi muito bom sim em colocar TODAS as minorias, mulheres de Martin são um comentário a parte que já até li aqui, agora o núcleo de Dorne é em sua maioria negra, vários personagem de grande importância são negros, como Martell, algumas Serpentes, Nymeria, entre todos são retratados muito bem,o problema é a TV que não consegue colocar negros no papel, as serpentes fazem meus olhos sangrarem Obara principalmente, enfim, acho que seu texto faltou um pouco de elogio ao Martin neste quesito. Mulheres fortes, homens fracos, Negros, gays, anões, gordos e feios, coisas que não vemos ser retratada com naturalidade dele.
Lara Vascouto
May 4, 2016 @ 1:35 pm
Oi Larissa! Também acho que o Martin trouxe um avanço significativo para o mundo da fantasia (apesar de ser influenciado pelo Tolkien e ter suas falhas), mas infelizmente a série de TV não leva para as telas a diversidade que vemos nos livros. Obrigada pelo comentário! 🙂
恵莉
May 17, 2016 @ 6:08 am
Eu acho exagerado sim querer ter negros e arabes em tramas europeias.
Qualquer um sabe que o branco evoluiu para se adaptar a ambientes escuros, com longos invernos, pouco sol e etc, enquanto povos de pele escura se adaptaram melhor a ambientes quentes (o que game of thrones mostra lindamente no quesito de geografia etnica).
O proprio R R martin disse que quis a trama com sotaque britanico pois ele realcava uma ideia de ingles antigo e nobreza, remetendo ao ambiente medieval da trama. Nada de errado nisso.
Agora, querer negros em filmes que se passam na noruega/islandia no meio da neve/tundra só pra “preencher cotas raciais” é besteira né?
Eu moro no japao e voces ja viram filmes asiaticos? Os filmes chineses, japoneses, coreanos, que se passam aqui na ásia…Só TEM ASIATICOS! SURPRESA! cade o pessoal querendo cotas raciais nos filmes daqui? Os samurais negros? Emperador chines arabe?
Nao faz sentido.
Alladin branco, branca de neve negra… nao faria sentido ja que alladin se passa nas arabias e branca de neve na alemanha medieval (nao tinha imigracao praticamente).
Agora, vamos supor que os povos de tribos nunca tivessem tido contato com povos brancos. Sera que hoje eles teriam acesso a energia eletrica, internet, tecnologia (basicamente inventados por brancos)?
Talvez sim, talvez nao, mas a imagem de povos exoticos sem tecnologia ficou com os de pele escura, por isso eles sao representados assim na midia.
Alias, imaginar um povo indigena desses que anda pelado e com penas na cabeça branco seria bem esquisito: o clima frio de onde povos brancos sao originarios nao permitiria andar nus nem se vestir com penas de animais tropicais.
Mas daí temos os wildlings de game of thrones: se vestem com peles curtidas, sao selvagens, vistos como assassinos e nao civilizados, mas sao brancos (equivalente ao povo “bárbaro”). Mas daí ninguem fala nada.
E mais um ponto, dessa vez socio-economico: assumindo que os negros sao maioria pobre (herança da escravidao), qual a % de negros e brancos nos estados unidos que pode se dar ao luxo de largar estudos e trabalho pra perseguir carreira na atuacao? Sera que o numero de atores negros competentes tambem nao é menor, gerando assim um menor numero de negros nas audicoes dos papeis?
O numero de atores asiaticos é muito pequeno, muitos sofrem discriminacao das familias ao tentarem buscar carreiras na arte, levando a um baixo numero de atores asiaticos competentes e compativeis com os papeis, o que faz com que brancos sejam escolhidos.ja pararam para pensar nisso?
Mas eu tambem nao tenho direito de ter opiniao sobre o assunto, afinal sou branca.
Lara Vascouto
May 17, 2016 @ 11:33 am
Oi Elise! O problema, como eu disse no texto, é que o argumento da precisão histórica só é usado quando se trata de garantir o protagonismo branco nos filmes. Quantos filmes sobre personagens não-brancos (reais e fictícios) são feitos com atores brancos? Muitos. Só aqui você encontra dez exemplos recentes: http://www.nodeoito.com/brancos-interpretaram-personagens-de-outras-etnias/
Isso se chama whitewashing – é bem frequente e bem prejudicial para o nosso entendimento da história do mundo. Um exemplo é o fato de você (e a grande maioria das pessoas) achar que a ciência e a tecnologia são invenções estritamente brancas.
Além disso, como eu também disse no texto, essas histórias são de fantasia. Por que é tão mais fácil imaginar um dragão ou fogo verde ou leões que falam do que personagens negros e de outras etnias?
Sobre a quantidade de atores negros ter alguma influência nessa questão, isso não confere. Te recomendo os seguintes textos que podem esclarecer sobre o assunto: http://www.nodeoito.com/mulheres-em-hollywood/ e http://www.nodeoito.com/mulheres-negras-em-hollywood/
Obrigada pelo comentário!
Anderson Gama
May 4, 2016 @ 1:08 pm
Lara, bom dia!
Primeiramente queria deixar claro que sou negro. Fazendo uma breve introdução, eu não acredito no racismo moderno o qual muita gente prega e o qual eu não sofro(ou se sofro é tão insignificante que pouco faz diferença). Não se sinta ofendida, mas acho que análises como a que você fez gera ainda mais a segregação de raças. Bem, eu sou um amante de filmes, inclusive dos gêneros citados, e nunca me senti ofendido por não haver um negro como protagonista. Diga-se de passagem o filme Star Wars VII- O Despertar da Força, do gênero ficção/fantasia nos apresenta o ótimo John Boyega com um dos protagonistas, e sinceramente, não faz diferença se ele é negro ou caucasiano. Na verdade, em nada importa a etnia da pessoa, do ator, da atriz… Fugindo um pouco sobre o seu assunto principal, pouco importa se tem mais brancos ou negros ocupando cargos importantes nas empresas, vagas na faculdade e qualquer outra tratativa nesse sentido. Eu acredito sim na meritocracia, e sou contra a violência que deriva da xenofobia, homofobia e afins. Porém , dizer que uma pessoa é discriminada por uma brincadeira de apelidos, por que as pessoas acharam seu cabelo diferente, ou por que a pessoa está beijando alguém do mesmo sexo, é um certo exagero. Vejo isso cada vez mais presente nas atuais gerações. Não se pode brincar, falar nada que já é racismo, homofobia e os outros milhares de nomes que a sociedade vem rotulando. Cresci no início dos anos 90, onde brincadeiras assim não machucavam, humilhavam, desmotivavam, causavam depressão em tantas pessoas. Como te disse, sou negro, um homem de estatura baixa para padrões, nasci em uma famílha de classe “f, g ou h” e hoje sou bem sucedido graças ao meu esforço, e nada que alguém pudesse ter dito no passado faria isso ser diferente hoje, e assim como eu, acredito que há milhões por aí a fora. Talvez essa geração “leite com pêra “que não esteja focada em ser bem sucedida sem ajudas, cotas ou superproteções. Seu sucesso depende apenas de você, e se você for bom não será sua cor que irá te parar.
Lara Vascouto
May 4, 2016 @ 2:34 pm
Oi Anderson! Imagina, claro que não fico ofendida, rs! Bem, penso que a questão não é se essas representações causam ofensa ou não, ou mesmo se há intenção declarada de inferiorizar ou ridicularizar pessoas negras por parte dos responsáveis por essas produções (embora em alguns casos esse seja o caso). A questão é que ao tomar a decisão de não incluir minorias étnicas ou de manter representações com implicações racistas, muitos desses filmes acabam reforçando um pensamento dominante que ainda tem como ideal a estética e a cultura branca. Não é que alguém vá ver esses filmes e passar a odiar negros. É muito mais sutil que isso. Representatividade importa também para combater no imaginário branco a ideia de que pessoas negras são inferiores e menos importantes na sociedade – uma ideia que é reforçada pelo fato de essas pessoas sofrerem exclusão tanto na vida real, como na ficção.
Por último, eu realmente acho importante o esforço individual para alcançar o que quer seja que se deseja alcançar. Mas é ilusão pensar que somente ele basta. Admiro histórias como a sua e acredito que existam outros casos como o seu, mas infelizmente eles são poucos entre milhares. Existem inúmeras amarras que limitam o progresso de certos grupos no Brasil, e essas amarras têm nome: racismo, machismo, homofobia, transfobia. Falar sobre isso não é desmerecer o esforço individual de alguns, mas sim reconhecer e valorizar o esforço de todos.
Enfim, desculpa essa resposta gigante! Obrigada pelo comentário! 🙂
Dieferson
May 18, 2016 @ 5:44 am
Referente a Tolkien a Carta 131 ele declara: “Desde cedo eu sofri com a pobreza de meu próprio amado país; não possui histórias próprias (ligadas com sua língua e solo), com a qualidade que eu buscava e encontrei em lendas de outras terras. Havia lendas gregas, celtas, romanas, germânicas, escandinavas e finlandesas; mas nada inglês; e nada substituía o que eu achava que estava faltando.” Esse trecho explica a questão do eurocentrismo: Tolkien não estava escrevendo um livro, estava criando uma mitologia para a Inglaterra. Isso tambem explica o porquê de nenhum personagem que não seja caucasiano ocupar posição de destaque na obra, senão como inimigo. Agora tente encontrar algum mito africano protagonizado por um europeu e terá a resposta para isso.
O racismo existe, mas sair falando o que não sabe, somente para colocar mais lenha na fogueira é coisa de pessoas que não tem o que fazer. Querem cobrar filmes antigos com africanos e asiáticos? Cobrem que façam filmes sobre a região acima citado e caso utilizem um caucasiano no lugar, podem reclamar.
Lara Vascouto
May 18, 2016 @ 12:19 pm
Oi Dieferson! Poxa, seu comentário estava tão civilizado, mas aí você foi lá e pisou na jaca no final. Enfim, como eu disse no texto, a intenção não é demonizar o Tolkien ou quem quer que seja, mas sim refletir sobre escolhas feitas nas adaptações cinematográficas dessas histórias. Claro, essas obras foram criadas em outros contextos históricos, mas elas não ficaram lá no ano em que foram criadas – continuam sendo reproduzidas em filmes e séries atuais. Não me entenda mal, isso é ótimo e eu amo Senhor dos Anéis, mas o fato de uma obra de décadas atrás ser reproduzida em massa atualmente sem nenhuma adaptação ou no mínimo discussão sobre as visões de mundo limitantes que trouxe e ainda traz é irresponsável. Até porque os filmes não vem com um disclaimer com um trecho da carta 131 de Tolkien explicando suas intenções, né.
Agora, você não é o primeiro a vir defender o Tolkien (o que é bizarro, porque eu nem o ataquei) e me choca um pouco (mas não muito, porque não sou cega pro tipo de mundo em que vivemos) ver a resistência que muitas pessoas apresentam em relação a ideia ~louca~ de variar etnias em um filme de FANTASIA. Se tem um lugar que dá pra fazer isso, é na fantasia. Não estamos lidando com fatos históricos aqui. Estamos falando de mundos inventados. Acho que é essencial fazermos um exame de consciência e nos perguntar porque é tão inconcebível imaginar alguém não-branco em cenários fantásticos.
Enfim, obrigada pelo comentário! E, por favor, evite ataques nos seus comentários.
obs: deletei o seu comentário no outro texto, porque era igualzinho ao que você postou aqui. Por favor, evite repetições.
Larissa Veloso
May 5, 2016 @ 1:22 pm
Muito, muito boa análise!
Obrigada por tocar nesses pontos sensíveis.
Lara Vascouto
May 5, 2016 @ 1:37 pm
Obrigada você, Larissa! 😀
Natália F.
May 5, 2016 @ 3:20 pm
Mais uma vez adorei o post!
Odeio defender crepúsculo mas nos livros fica bem claro o respeito com a cultura quileute, principalmente no segundo, e a ideia de virar animais faz parte de lendas locais que realmente existem (em todo mundo na verdade). Algo semelhante ao warg/troca-peles, só que na história os antepassados passaram tanto tempo nos lobos que agora ja assumem forma de lobo ao inves de wargar. Acho que serem animais fazerem isso nao é relevante porque em got/asoiaf são os nortenhos/selvagens que fazem isso e são todos excessivamente branco.
Beijos ♡
(Amei saber que você é internacionalista!)
Lara Vascouto
May 18, 2016 @ 12:55 pm
Obrigada pela contribuição, Natália!
Cristtal
May 5, 2016 @ 3:37 pm
Sempre afiada, Lara!
Eu costumo dizer que o ‘outro’, em Hollywood, é uma coisa só. Atrizes indianas escaladas para interpretar latinas é o que mais vejo… um ‘outro’ pode sempre ser intercambiado por outro ‘outro’, se cumprem as cotas de diversidade e acham que está tudo resolvido ><
Lara Vascouto
May 18, 2016 @ 12:47 pm
Exato, Cristtal. Obrigada pelo comentário!
Carol
May 6, 2016 @ 1:35 pm
Quanto ao GRRM, a obra dele é inspirada, sim, em Tolkien e na Europa Medieval. Há bastante diversidade nos livros, mas o foco é no continente que seria a Europa da história.
Só um ponto: uma das Serpentes de Areia, Tyene (que é uma loira virginal nos livros), foi adaptada como asiática. Infelizmente, essa decisão de “padronizar” as moças limou também uma das filhas negras do Oberyn, algo exótico de se ver em Westeros (e mais ainda na série) . E, como o arco de Dorne foi terrivelmente adaptado, elas se transformaram em… vilãs (!), o que não são nos livros.
Lara Vascouto
May 18, 2016 @ 12:47 pm
Nem me fale, Carol. Muito triste essa mudança de Dorne na série. Obrigada pela contribuição!
Quanto mimimi
May 8, 2016 @ 6:51 am
Cara usar Tolkien foi meio ruim… Escandinavos, não existiam muitos negros nas mitologias, acho que de faro não tinha um negro na escandinavia antiga.É um absurdo ao nível de dizer que não há representativade de brancos em um filme de uma tribo africana.
Aya Imaeda
May 12, 2016 @ 1:42 am
Pessoa do mimimi, leia de novo o texto da moça.
Tolkien escreveu baseando-se na mitologia nórdica, e estava inserido em um determinado contexto histórico e social que dificilmente o faria incluir negros como protagonistas. Dá até para compreender. Porém, isso não é desculpa para, em pleno 2016, nós continuarmos tendo apenas brancos como protagonistas, inclusive em filmes de fantasia que não são fiéis a mitologia NENHUMA.
Quanto mimimi
May 8, 2016 @ 6:53 am
Só estudar de fato de que mitologia ele importou suas ideias e veras que não faz sentido. Imagine colocar um monte de negros em um filme sobre China antiga, igual
Aya Imaeda
May 12, 2016 @ 1:52 am
Imagina colocar um monte brancos num filme sobre o Japão feudal.
Imagina colocar um monte de brancos num filme sobre o Egito Antigo.
Imagina colocar um protagonista branco no lugar de um protagonista negro, em uma história baseada em fatos reais.
Imagina a Globo montando um elenco em que os protagonistas de uma novela sobre a imigração japonesa são… brancos.
Pois é… não precisa imaginar. É real. E as pessoas achando que é mimimi querer mais minorias étnicas em histórias de FANTASIA.
Lara Vascouto
May 18, 2016 @ 12:45 pm
Obrigada pela contribuição, Aya! Eu não teria respondido melhor. 🙂
Ellie
May 9, 2016 @ 2:41 am
Olá
Eu concordo com todas essas críticas. Amo todas essas histórias, tanto os livros quanto as adaptações, mas isso não me impede de pensar criticamente nelas. Afinal, questionar o que a gente não gosta é fácil, né? Mas só questionando o que a gente gosta é que se cresce.
Mas eu gostaria de fazer uma ressalva para defender um pouquinho o Tolkien, ou pelo menos a sua obra. A intenção dele ao escrever O Senhor dos Anéis era criar uma mitologia britânica. Assim: em seus estudos, ele percebeu que haviam muitas lendas nórdicas e europeias em geral, mas nenhuma exclusivamente saxônica (a lenda do Rei Arthur é romana-britânica, ou seja, do povo que dominava a Grã-Bretanha antes dos anglo-saxões invadirem). Por isso, ele criou todo o universo da Terra Média (que inclui, mas não se limita, a SdA, Hobbit, Sillmarillion…) como se fosse uma lenda muito antiga britânica – bem anterior à colonização europeia na África. Antes dessas colonizações e no que seria a época equivalente aos acontecimentos dos livros, a África (retratada na Terra Média como Harad) atacava ocasionalmente a Europa, sendo vista então como uma região amiga de Mordor – reino vilão do livro.
Claro que não quer dizer que está certo retratar negros e árabes como vilões apenas por sua etnia. Mas nesse caso, há uma justificativa não pautada no racismo. É como se eu fosse escrever uma lenda da América do Sul: todos os personagens seriam indígenas, e os brancos seriam os vilões.
O que a gente pode questionar aí é o motivo de haver centenas de histórias contando o “lado dos brancos”, mas nenhuma com o dos povos nativos de outros lugares. Fica a dica para os escritores: que tal reverter esse quadro?
Lara Vascouto
May 18, 2016 @ 12:46 pm
Obrigada pela contribuição, Ellie!