Gostar de Algo Não Deveria nos Impedir de Pensar Criticamente
Pensar criticamente é essencial – principalmente em relação àquilo que a gente ama.
Já faz algum tempo que eu aprendi que as pessoas não gostam nada de pensar criticamente sobre o que elas amam – e muito menos quando outras pessoas criticam algo que elas amam. Começou quando eu era adolescente e cismei de querer escrever no meu singelo blog da época todas as falhas que eu enxergava nos filmes do Harry Potter (como uma ávida fã dos livros, eu sempre vi muito o que criticar nos filmes).
Mais tarde, recebi muita fúria de pessoas na internet quando ousei pensar criticamente sobre The Big Bang Theory e falar sobre como me incomodava o fato de essa série ser um grande poço de estereótipos ofensivos tanto contra mulheres, como contra nerds (separo os dois propositalmente, porque de acordo com a série é impossível mulheres serem nerds):
O episódio The Bakersfield Expedition supõe que mulher nenhuma jamais se interessou por histórias em quadrinho.
Atualmente, muita gente fica incomodada quando falo de filmes hollywoodianos que fazem uso de estereótipos machistas e racistas, ou mesmo sobre whitewashing e a representação quase inexistente de minorias étnicas em Hollywood.
“Você entendeu tudo errado!” – algumas pessoas dizem, e seguem justificando em detalhes por que determinado filme (que elas tão obviamente amam) está acima de críticas.
Olha, eu entendo. É duro perceber que algo que a gente ama vai na contramão daquilo que a gente defende ou acredita. Eu sei como é isso. Afinal, eu assisti todos os filmes que listei nos meus textos e gostei de muitos deles. O fato de gostarmos de algo, no entanto, não pode nos deixar cegos para todas as suas falhas. Pensar criticamente constantemente e avaliar, ponderar, analisar e pensar mais um pouco é o que nos impede de sermos meras marionetes, prontas para absorver e aceitar (e eventualmente, reproduzir) toda e qualquer mensagem ofensiva e opressiva que nos é oferecida.
Que fique claro que eu não estou dizendo que mensagens machistas/racistas/LGBTfóbicas são incluídas secretamente nos filmes e séries de TV com o objetivo maligno consciente de promover a opressão. Esses problemas são sistêmicos, profundamente entranhados no tecido da sociedade, e por isso estão fadados a aparecer na mídia com alguma frequência. Ninguém está livre de promover ideias opressoras, por mais boa vontade que tenha.
O fato é que estamos todos inseridos em uma cultura que ainda oprime muito gente e que reproduz essa opressão através da mídia constantemente. Por isso temos que ficar de olhos bem abertos para poder questioná-la e exigir mudanças. Sim, você pode consumir essa mídia à vontade, e eu mesma faço isso, faço mesmo.
Netflix, eu te amo.
Mas fazer isso sem estar disposto a identificar as falhas, a criticar os tropeços injustificados, a discutir e rejeitar os estereótipos, e a reconhecer tudo de nocivo que essa mídia pode trazer é ser conivente com ela e impedir que ela evolua. Como eu já disse, eu entendo que pensar criticamente – principalmente sobre aquilo que a gente gosta – é um processo doloroso. Mas isso faz parte de existir nesse mundo e assumir responsabilidade por ele. Se fazer de cego ou ficar ofendido, como se toda crítica a um seriado, ou a um filme, ou a uma música que você gosta fosse uma ataque pessoal à sua pessoa, só atrasa mudanças que são tão necessárias.
É por isso, por exemplo, que eu faço questão de pensar criticamente sobre como Senhor dos Anéis falha em retratar mulheres, mesmo amando a trilogia. É por isso que eu critico a misoginia e o machismo na série Game of Thrones, apesar de curtir sua adaptação para a televisão. E é por isso que eu faço listas de estereótipos que Hollywood precisa parar de usar, apesar de muitas vezes me divertir e me emocionar com os próprios filmes que estou criticando.
O fato de eu gostar desses filmes não significa que eu não gostaria que eles fossem diferentes. Eu quero que as coisas mudem. E isso só será possível se a gente engolir o orgulho e fizer o esforço de pensar criticamente. Principalmente em relação àquilo que a gente ama.
Leia mais textos relacionados abaixo.
Hanna
May 16, 2016 @ 11:22 pm
Todas as vez que te leio,
quero te dar um abraço no final! <3
Lara Vascouto
May 17, 2016 @ 11:16 am
Obrigada pelo carinho, Hanna! <3 <3 <3
Julha
May 16, 2016 @ 11:44 pm
AMEI! É exatamente isso que eu falo para as pessoas e NINGUÉM me escuta!
Lara Vascouto
May 17, 2016 @ 1:21 pm
Obrigada, Julha! É difícil, até porque, muitas vezes, quando confrontamos algo que uma pessoa gosta, às vezes ela se vê obrigada a trabalhar algumas crenças e visões de mundo próprias que compactuam com o que está sendo criticado. Mais doloroso do que descobrir que o seu seriado preferido perpetua opressões é perceber que nós mesmos também temos e perpetuamos crenças opressivas. A Joice escreveu um texto ótimo sobre isso aqui ó: http://www.nodeoito.com/desconstrucao-lutas-sociais/
Obrigada pelo comentário!
Júlia
May 17, 2016 @ 1:22 pm
É exatamente isso q observo na sociedade, tb compartilho do mesmo pensamento q o seu. Observo isso tb em outras esferas. No momento estou estudando para concursos e nos cursinhos q eu faço, sejam presenciais ou online os professores são tds homens, para passar credibilidade aos alunos.
Queli
May 17, 2016 @ 2:00 pm
Cara Lara,
Não pude deixar de observar a beleza de seu texto…claro, profundo e direto. Mostra sabedoria, no entanto, sem abusar de “juridiquês”. É meu primeiro acesso, mas admito: vou virar fã!!!Precisamos de mentalidades como a sua, onde buscam a correta posição da mulher na sociedade sem o excesso do feminismo sem fundamento!!!Raciocínios críticos tb…
Bruna
April 24, 2017 @ 4:15 pm
Você é incrível! AMO seus textos!! Aliás, parece que toda vez que penso em algo que precisa ser dito, eu venho aqui e descubro que você já tem um excelente texto sobre o assunto kk
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Juliana
October 18, 2017 @ 6:15 pm
Oi, gostaria de ler seu texto sobre the big bang theory. Sempre foi um incômodo muito grande pra mim o fato de que mesmo após mais de 10 temporadas, nunca apareceu uma personagem nerd e mulher na série. Nunquinha. Em que mundo nerd é esse que eles vivem.
Gosto muito das meninas, mas elas não representam. Ou são super inteligentes ou é a burrinha.
DELIRIUM NERD - Cultura sob um viés feminista
August 21, 2018 @ 2:53 pm
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