O Que os Filmes Sobre Questões Raciais de 2018 nos Ensinaram ao Longo do Ano
De formas diversas, os filmes sobre questões raciais de 2018 nos convidaram a pensar o racismo e a valorizar a presença negra em nossa sociedade.
Esse texto não é exatamente uma lista de indicação de filmes sobre questões raciais que vai elencar os melhores lançamentos do ano. Aqui vamos falar sobre o que alguns desses filmes nos ensinaram, os questionamentos que levantaram e quais pautas vamos levar para o próximo ano. De Pantera Negra a Infiltrado na Klan, os filmes sobre questões raciais trouxeram uma gama de assuntos a serem tratados, com personagens marcantes e carismáticos que permitiram que a representatividade negra tomasse as telas mundiais para denunciar o racismo e demonstrar a amplitude que compõe o ser negro hoje.
Pantera Negra, o sucesso tão esperado do ano, nos levou para uma África poderosa e futurista, e resgatou a ancestralidade dos povos africanos e a força das mulheres negras em suas nações. O sucesso de bilheteria, e também um possível indicado ao Oscar, nos fez pensar sobre as dificuldades enfrentadas pelo apagamento histórico de uma cultura e de seu povo. Além disso, deu destaque ao matriarcado africano e à potência feminina nas batalhas travadas pelos negros dentro e fora do continente Africano. Sem dúvida, todas as mulheres negras se sentiram representadas pelas Dora Milajes.
De outro lado, a Netflix nos surpreendeu com o lançamento de Felicidade por um Fio que, mais do que trazer uma direção sensível, conectou mulheres de todo mundo a um processo de identidade e de busca pela felicidade através do reconhecimento de seu verdadeiro eu. O filme permitiu que as mulheres fossem colocadas de maneiras distintas, subjetivas e emocionais, rompendo com qualquer arquétipo negativo e violento sobre as mulheres negras. Felicidade por um fio nos fez orgulhosas de sermos quem somos novamente.
Já Infiltrado da Klan nos direcionou para um conflito histórico: os obstáculos colocados no caminho dos negros estadunidenses e o contexto violento ao qual foram submetidos ao longo dos anos no país. Esse filme volta os olhos do telespectador para uma reflexão sobre a violência de forma geral e o papel das organizações negras no país na luta pelo racismo. Como uma ficção biográfica do movimento negro na década de 1970, o longa destaca o conflito entre indivíduo e coletivo, colocando em evidência a urgência de um movimento revolucionário na atuação contra o racismo.
Por fim, O Ódio que Você Semeia, um grande favorito nesta reta final de ano, liga o público jovem a uma luta muito cara à população negra: a do genocídio negro. O filme escancara a realidade violenta à qual muitos jovens crescem e são submetidos, mas também evidencia que essa não é uma realidade exclusiva dos Estados Unidos, como muitos pensam. Com um elenco de atores ativistas negros, o longa une uma causa política à arte, dentro e fora das telas. É emocionante reconhecer o amadurecimento de nossa querida Starr e o seu anseio por defender os direitos dos negros de sua comunidade. A personagem é, sem dúvida, uma inspiração, e a arte é definitivamente usada como uma forma de denúncia nesse caso.
Dos retratos sobre afeto, violência, ancestralidade e os aspectos históricos elencados por todos esses filmes, a resistência é apontada como uma saída constante e construída como uma possibilidade, maleável e estratégica para a luta antirracista. Se pensarmos que a arte imita a vida ou a vida imita a arte, veremos que não importa qual delas seja: ambas apontam e ressaltam a resistência negra.
De formas diversas, de todas as categorias possíveis e com direções maravilhosas, os filmes sobre questões raciais de 2018 nos convidaram, brancos e negros, a pensar o racismo e a valorizar a presença negra em nossa sociedade. Num processo lento e gradual, o cinema vem sendo ocupado por sujeitos negros que têm interesse em representar negras e negros de formas heterogêneas e romper barreiras que insistem em colocá-los em estigmas cinematográficos negativos e que repetidamente são corroborados no cotidiano fora das telas.
A lição que esses filmes tão aclamados nos ensinam é que todos nós, negros, somos muito mais parecidos com T’Challa e Killmonger (que também pode ser visto como um herói, de certa forma) do que pensamos. Que lutamos bravamente como as Dora Milajes e que queremos ser felizes como Violet, mesmo que isso nos leve a raspar a própria cabeça e a uma bebedeira para afogar as mágoas. Temos também nossos conflitos internos e dúvidas assim como Ron, o policial negro. E, mais do que isso, através de uma vida tão dura encontramos nossas vozes assim como Starr, e reconhecemos que nossas vidas, nossa cultura, nossa dor importam tanto quanto quaisquer outras.
Em suma, o que essa lista não-lista quer dizer, acima de tudo, é que os filmes, mais do que nunca, podem andar de mãos dadas com nossas reivindicações, nos emocionar e, quando mais precisamos, reafirmar que, sim: seremos resistência.
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