Liga da Justiça: Uma esperança para a DC, mas não para as suas personagens femininas

Um dos filmes mais esperados do ano (principalmente pelo sucesso de Mulher Maravilha) é uma evolução se comparado a Batman v. Superman, mas decepciona suas heroínas.

Liga da Justiça

Eu amo o universo da DC. Na eterna briga entre os dois principais conglomerados de quadrinhos do mundo, eu sempre tive um carinho maior pelos seus personagens, pois foram eles que mais apareceram durante a minha infância e adolescência. Com Superman, Batman e Mulher Maravilha, eu sempre achei que eles tinham uma vantagem por contarem com heróis que marcaram a infância de muita gente. E um filme da Liga da Justiça tinha tudo pra ser o sonho realizado para um monte de leitores. Infelizmente, os filmes do universo estendido da DC acabam deixando um pouco a desejar, e Liga da Justiça não é muito diferente.

Liga da Justiça tem muito menos problemas do que o seu antecessor Batman v. Superman. Com o carisma dos novos personagens adicionados à Liga (principalmente o Flash de Ezra Miller) e Diana Prince como uma personagem estabelecida e sendo um bom contrabalanço ao Batman carrancudo do Ben Affleck, Liga é um filme mais leve e mais divertido do que as películas assinadas pelo diretor Zach Snyder costumam ser, sem se jogar completamente na comédia que os filmes da Marvel tanto defendem.

Mesmo tendo muitos pontos positivos e deixando quem ama a DC Comics com uma pontinha de esperança ao sair do cinema, o maior defeito de Liga da Justiça é dar menos importância para a história e tentar cumprir uma longa checklist que inclui:

  • Apresentar novos personagens
  • Apresentar um vilão
  • Trazer o Superman de volta à trama
  • Ter cenas de ação que valham a pena
  • Continuar a desenvolver/fazer referência à trama dos filmes anteriores
  • Empolgar como o primeiro filme da Liga

Nesse contexto, não só a importância de contar uma boa história se perde, mas também a consistência e importância das personagens femininas desaparece.

Lois Lane merecia mais

Eu sei que o grande foco das críticas é sobre como a Mulher Maravilha aparece (ou deixa de aparecer) nesse filme. Mas eu fiquei particularmente decepcionada com o retrato de Lois Lane. Como sou jornalista por formação, Lois é uma das minhas personagens-ídolo, em qualquer universo. Ela é o grande exemplo de repórter, que não tem medo de falar com ninguém e leva seu trabalho muitíssimo a sério. Seu interesse pelo Superman começa como puramente jornalístico, antes de mais nada. E por mais que ela acabe sendo o interesse romântico em todas as suas versões, Lois é construída como uma personagem complexa e interessante.

Mas Liga da Justiça decide tratá-la como um grande “nada” depois da morte do Superman. Ela não trabalha mais no que sempre amou e a única certeza de que ela ganharia outro Pullitzer é porque “Clark acredita que sim”, e não por ela ser uma jornalista brilhante durante sua carreira. Ela só está no filme por ele, para ele e não tem função nenhuma na trama senão existir pelo Superman. Desculpa, mas é muito desperdício de Amy Adams pra mim.

“Me parece simplificar demais”. Nem me fala, Flash.

 

Além disso, o filme perde a belíssima oportunidade de colocar Lois e Diana, duas de suas personagens femininas mais fortes do universo estendido, juntas. Fora de seu ambiente natural com as amazonas, é estranho perceber como Diana não tem mais mulheres na sua vida. E Lois seria uma aliada natural.  

Bechdel passou longe

Liga da Justiça tem quatro personagens femininas: Diana Prince (Mulher Maravilha, com Gal Gadot retornando ao papel), Lois Lane (Amy Adams, cadê o Oscar pra essa mulher), Martha Kent (Diane Lane, também indicada ao Oscar) e Mera (personagem interpretada por Amber Heard, que é difícil entender quem é caso você não saiba nada sobre o universo da DC). Dessas quatro mulheres maravilhosas, apenas duas se encontram (Lois e Martha) pra falar sobre o homem (alien?) das suas vidas: Clark Kent. Fora isso, nada de interação feminina ou desenvolvimento decente para qualquer uma delas.

Além disso, o princípio smurfette fica bem explícito na própria Liga. Veja bem, eu entendo que não existem outras personagens femininas na formação da Liga da Justiça, mas custava muito ter outras personagens com motivações e expertises próprias circulando no entorno do núcleo principal? Não vejo mais lógica nas desculpas da indústria cinematográfica depois de tanto sucesso de filmes que são protagonizados por mulheres fortes e complexas – como o próprio Mulher Maravilha – ou mesmo franquias que abriram espaço para o protagonismo feminino, como Star Wars, e são melhores sucedidas do que nunca.

Dica da Diana: meu filme é melhor que esse.

 

Mulheres por trás das câmeras que fazem a diferença

Depois do sucesso do filme solo da Mulher Maravilha, estamos todas mais do que apaixonadas por Gal Gadot e sua Diana Prince. Como a Lara pontuou no texto na época, a película dirigida por Patty Jenkins subverteu diversos estereótipos, principalmente a objetificação sexual. Vendo os bastidores, não é difícil de entender o que houve, já que mulheres estavam à frente do roteiro, figurino, fotografia e outros importantes elementos da confecção do filme, com destaque para a direção de Patty Jenkins. Pois bem, troque Patty por dois diretores homens (e, consequentemente, boa parte da equipe) e o que temos é a DC dando vários passos para trás.

Eu assisti o filme só uma vez, mas já de primeira percebi diversos momentos em que Diana Prince é filmada de ângulos que mostram mais o seu corpo do que em seu filme anterior – tem uma cena em que ela desce de uma aeronave com um pulo e é filmada por trás só pra que o movimento da saia mostre um pedaço da bunda dela.  Ela também é mais filmada por ângulos mais baixos, uma das características do famoso “male gaze”.

Dando uma olhada no que a internet tinha a dizer sobre esse assunto, achei isso aqui:

 

Tradução do Tweet: “Caso você se pergunte: aqui está uma imagem de como as amazonas foram apresentadas em Mulher-Maravilha…ao lado de uma imagem de como elas apareceram em Liga da Justiça. O primeiro figurino desenhado por Lindy Hemming, o segundo por Michael Wilkinson. Alguns passos para trás, acho.” [Descrição das imagens: na primeira, o figurino cobre todo o tronco e abdomen das amazonas, enquanto na segunda elas estão de top e barriga de fora].

Ou seja, você troca uma figurinista por um homem e uma mágica acontece: PARTE DA ROUPA SOME!

Além de retratar visualmente as amazonas e a própria Diana de uma maneira bem diferente, o papel da Mulher Maravilha no filme é reduzido quase ao de uma ajudante do Batman, que está lá pra dar conselhos que são quase sempre ignorados, assumir um papel maternal para todos os membros da Liga e ter qualquer homem que interage com ela ficar encarando sua beleza ou falar como ela é linda. Eu não espero que a sua feminilidade ou aparência sejam ignoradas (afinal, olhar pra Gal Gadot e não achar ela deslumbrante é um pouco difícil), mas ter o personagem reduzido a todos os estereótipos que o primeiro filme foi tão bem-sucedido em desafiar doeu.

O que nos resta é ter a esperança de que a DC aprenda a lição e que os próximos filmes sejam melhor equilibrados. Se não der certo, esperamos em 2019 pela sequência do filme da Mulher Maravilha com Patty Jenkins de volta ao comando. Quem precisa da Liga quando essa mulher vale por cinco?


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