Por Que só ‘Descobrem’ a Seleção Feminina Quando a Masculina vai Mal?

Que o fetiche olímpico pela seleção feminina não fique apenas na memória assim que o fogo da tocha olímpica se apagar.

seleção

Olimpíada após Olimpíada é a mesma história. A mídia e o povo brasileiro parecem descobrir a seleção feminina, como se elas só passassem a existir com o acender da pira olímpica.

Rapidamente se multiplicam os compartilhamentos de notícias sobre a seleção feminina e fotos de Marta nas redes sociais. Lembra-se de que ela ganhou o título de melhor jogadora do mundo por cinco vezes (marca que Messi igualou esse ano). Fala-se de Formiga, em sua sexta Olimpíada e com mais atuações pela seleção brasileira do que qualquer outro atleta. De Cristiane, maior artilheira da história das Olimpíadas.

E, especialmente quando a seleção masculina vai mal – como é o caso atualmente -, aí parece que a “salvação” dos brasileiros é lembrar que a feminina existe. Como se elas precisassem do fracasso deles para terem sucesso.

Inevitavelmente e sem demora, surgem as comparações com o maior ídolo esportivo da nova geração, Neymar, e com a seleção masculina. Parece que as nossas atletas só são valorizadas dentro dessa comparação e, ainda mais, quando se evidencia o mal desempenho da seleção masculina dos últimos anos.  

Não raras vezes volta-se àquela idealização de que as meninas jogam por um amor à camisa que parece esquecido pelos jogadores. Como se fosse algo a se cultuar que as nossas atletas sejam desvalorizadas e recebam salários infinitamente menores do que os homens e mesmo assim sigam competindo em alto nível.

A mídia mostra o drama das jogadoras que, seguidamente, ficam sem clube, sofrem com a falta de campeonatos e vivem em constante dificuldade em viver da profissão. Nada de novo. Essa é a realidade das mulheres que praticam o futebol desde que o esporte deixou de ser proibido como prática feminina (apenas na década de 1980).

Mas de que adianta o apoio durante a Olimpíada se nos esquecemos delas durante os outros 3 anos e 11 meses, até a próxima edição dos Jogos? A partir do dia 21 de agosto, a mídia voltará a esquecer o futebol feminino, para só voltar a falar dele em Tóquio, 2020.

Evidente que devemos torcer pela seleção feminina. O que incomoda é perceber que só se torce e só se dá atenção para a seleção feminina durante as Olimpíadas, (quando estão na busca de uma medalha que eleva o país na competição) – e se ignora totalmente o futebol delas depois. Ou que é pior: torcer para seleção feminina, porque a seleção masculina vai mal.

É possível contar nos dedos quantas vezes a mídia falou de Marta nos últimos quatro anos – talvez só quando ela ficou de fora da lista de melhores do mundo no ano passado? Na cobertura do Pan-Americano em 2015, quando as meninas foram campeãs com sobra e, inclusive, golearam a equipe do Equador pelo simbólico placar de 7 a 1, narradores e repórteres das principais televisões do país chegaram a errar o nome da atacante titular da seleção brasileira. Chamaram Andressa de Alessandra. No ar, ao vivo, para o Brasil inteiro ver o descaso com que eles tratam o nosso futebol feminino.

Mas agora, o discurso é de “mirem-se no exemplo daquelas mulheres da seleção” – já que o masculino vai mal, vamos recorrer a elas.

Em entrevista ao dibradoras, Ju Cabral, nossa eterna capitã, não mede palavras ao falar da exaltação oportunista da mídia acerca do futebol feminino durante as Olimpíadas:

“Eu confesso que fico muito chateada em relação a isso. Porque isso normalmente acontece quando o futebol masculino passa por uma fase ruim. Então não é que alguém está olhando o futebol feminino, não é que alguém está vendo algo de diferente, não é que alguém está vendo que as mulheres também tem qualidade e também precisam ser respeitadas. Longe disso. É simplesmente uma maneira de atingir, de cutucar, de menosprezar a má fase que vive a seleção brasileira (masculina). Foi assim em várias Olimpíadas e sempre será e isso me deixa muito triste.”

Ainda me lembro do choro de Marta e Cristiane quando perdemos as finais de 2004 e 2008 (nas duas ocasiões para os Estados Unidos). Me arrepio só de lembrar, porque entendo aquele choro. Não se trata apenas do choro de uma atleta que se preparou 4 anos para a competição e vê seu sonho por uma medalha de ouro se perder. Trata-se do choro de mulheres que sabem que apenas o Ouro poderia significar uma verdadeira mudança no investimento no esporte no Brasil. Choram porque sabem que a prata não é suficiente e sabem que, passado o furor das Olimpíadas, serão relegadas outra vez ao esquecimento com o qual já se acostumaram, mas que NÃO ACEITAM.

Nós também não aceitamos. Não aceitaremos nunca!

Independente do resultado que as nossas guerreiras da seleção obtiverem, temos que garantir que mais será feito pelo futebol feminino no país. Muito mais. Elas não merecem nada menos do que o nosso respeito, admiração e um real investimento por parte da CBF. Um mero fetiche olímpico, que se extingue tão logo o fogo da tocha se apaga, está longe de ser o suficiente.

Texto publicado originalmente em dibradoras. Para mais textos sobre mulheres no esporte, dá uma visitada lá!

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