Povos Indígenas do Brasil – 500 Anos de Massacre
A história do genocídio de povos indígenas no Brasil ainda não acabou.
Tudo começou em 1500, com o deslumbramento calculista do colonizador europeu. Entre ele e as riquezas que aquela nova terra prometia, havia, entretanto, um porém. Indivíduos de pele castanha, cabelos escuros e familiaridade absoluta com o meio que os rodeava. Cinco milhões deles.
Primitivos. Atrasados. Selvagens. Imorais. Era assim que os portugueses os viam e, com o aval da Igreja Católica (que cogitou que eles não tinham alma), a matança começou. E mesmo quando a Igreja Católica rapidamente voltou atrás e disse “não, peraí, eles têm alma, sim, só precisam ser ensinados, catequizados, subjugados, dominados, etc”, os portugueses continuaram vendo naqueles seres de olhos amendoados homens que não eram bem homens e mulheres que não eram bem mulheres. E a matança continuou.
Continuou de diferentes formas. Alguns povos, inconformados e rebelados contra a dominação, foram exterminados em massa. Outros foram escravizados e catequizados, exterminados de dentro para fora. Muitos milhares de outros padeceram ao dar de cara com uma infinidade de doenças que seus corpos despreparados nunca tinham encontrado antes.
E existiram ainda os momentos em que as coisas ficaram muito confusas, e tupinambás se aliaram a franceses para derrubar portugueses, que já estavam aliados a tupiniquins, que queriam ajuda para derrubar os tupinambás, e no fim padres tiveram que intervir e negociar tratados de paz que não chegaram a durar nem um ano.
Paz de Iperoig, o primeiro tratado de paz das Américas.
De qualquer forma, os povos indígenas morriam. Morriam a rodo. E quando parecia que os portugueses iam desistir deles para focar na parcela de escravizados africanos que não morria a rodo na travessia do Atlântico, vieram os tais bandeirantes. Os desbravadores sanguinários que forçaram os limites das fronteiras do Brasil com a escravidão e o genocídio implacável de todo e qualquer indígena que atravessasse seu caminho.
E cuja glorificação ainda hoje deveria dar engulhos até no mais orgulhoso patriota.
Mas isso tudo faz muito tempo, tem quem diga. Hoje até comemoramos o dia do índio, uh, uh, uh, uh, uh, uh, penas no cabelo e tudo.
É verdade que muita coisa mudou. A Igreja Católica resolveu que os indígenas tinham alma — os jesuítas defenderam os seus direitos (mas aniquilaram sua cultura, ops!) — os artistas do século XIX os chamaram de “o bom selvagem”, pacíficos, indefesos, incapazes — o que levou o Estado a decidir tutelar a sua existência de cidadão de segunda classe…e assim continuar a ensinar, catequizar, controlar, subjugar, dominar, ops! — reservas indígenas foram criadas… — e tiveram suas fronteiras ignoradas por grileiros, posseiros, fazendeiros, trambiqueiros, assim como todas as legislações já criadas de proteção ao índio desde o longínquo ano de 1549, meio século depois de quando tudo começou.
Muita coisa mudou. Mas muita coisa mudou tão sem rumo e sem vontade e de qualquer jeito que acabou dando a volta completa e chegando no mesmo lugar: nos indígenas morrendo. A rodo. De cinco milhões, restaram setecentos mil.
A marginalização do indígena, o seu status de cidadão de segunda classe, o descaso com a sua existência, os espaços reduzidos a que ele foi confinado; a precariedade a que ele é submetido. Tudo isso contribui consideravelmente para as suas gigantes taxas de mortalidade infantil; de mortes por doenças infecciosas e parasitárias; do seu índice assustador de suicídios…
…(se os povos indígenas do Brasil formassem um país, ele teria a segunda maior taxa de suicídios no mundo);
e dos assassinatos constantes, que prosseguem numa linha contínua desde 1500, configurando um genocídio interminável de mais de quinhentos anos. Durante a ditadura militar, mais de 8 mil foram mortos por estarem no caminho das estradas idealizadas pelo Programa de Integração Nacional, que levaria o “progresso” para os confins da mata amazônica. Os Waimiri-Atroari perderam 75% de sua população em menos de quinze anos. Os Panarás perderam 84%. O número de Parakanãs no Pará caiu pela metade. Sobraram apenas 10% dos Yanomamis do rio Ajarani.
Hoje os povos indígenas seguem “atrapalhando o progresso”. Os arawetés, os jurunas, os arara, os mundurukus e muitos outros “atrapalham” as mega obras de Belo Monte e Tapajós. Os guarani mbiá “atrapalham” o crescimento urbano em São Paulo. Os guarani-kayowá “atrapalham” o agronegócio no Matro Grosso do Sul.
Até que não atrapalham mais. Nesse caso, das duas uma: ou já estão com formiga na boca ou foram girados, girados, girados igual peão – pelo Estado, pelos empreendedores, pelos fazendeiros – até ficarem desorientados o suficiente para se encolherem num canto, perdidos e fora do caminho.
“A cena na aldeia dos Arara de Cachoeira Seca, indígenas de recente contato, era a de um pós-guerra, um holocausto, com lixo para todo lado”. – Thais Santi, procuradora da República, sobre o impacto da usina de Belo Monte.
Ano passado nossos noticiários falharam (mais um vez) em noticiar mais um capítulo do massacre dos Guarani-Kayowá no Mato Grosso do Sul. Motivados pelas condições de vida degradantes impostas pela demora do Executivo e do Judiciário na demarcação de suas terras, os Guarani-Kayowá invadiram, em agosto, fazendas que fazem parte das Terras Indígenas Ñande Ru Marangatu e Panambi-Lagoa Rica, disputadas na justiça desde 2005 e 2008, respectivamente. Em resposta, os fazendeiros incendiaram seus acampamentos e os atacaram a tiros.
A violência – que tirou a vida da liderança indígena Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá, de 24 anos – é tanta, que o Ministério Público Federal entrou com inquérito policial para apurar se houve formação de milícia privada. De acordo com Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), houve toda uma articulação dos fazendeiros e lideranças políticas da região para incitar a opinião pública contra os indígenas e, dessa forma, justificar o ataque armado contra eles. De acordo com ele:
“Criou-se ambiente para que houvesse uma espécie de justificativa para esse ataque planejado e posto em prática pelos latifundiários. O ataque aconteceu após uma reunião no sindicato rural da cidade de Antônio João (MS). No sábado de manhã, dia 29, Roseli Maria Ruiz convocou uma reunião de fazendeiros e teria feito um discurso exaltado, chamando os ruralistas para que a acompanhassem no ataque aos Guarani Kaiowá, que haviam retomado as fazendas desde o dia 22. Durante o ataque, Semião levou o tiro que o matou. Além da sua morte, vários indígenas, entre eles crianças, ficaram feridos a pauladas. Uma criança de um ano e poucos meses levou um tiro de borracha nas costas e outro na cabeça.”
Há quem diga mas eles invadiram propriedade privada, isso é contra a lei, não pode, tá errado, por que não esperaram a justiça decidir?. Mas eles estão esperando há décadas. Você também não invadiria uma fazenda se seus filhos estivessem morrendo de disenteria no seu barraco de beira de estrada, sendo constantemente atacado pelos fazendeiros e vendo uma terra que é sua por direito ser ocupada e devastada pelo agronegócio?
A verdade é que invasão de terras não é nada comparado à miséria, humilhação e violência que tanto os Guarani-Kayowás como as centenas de outras etnias indígenas no Brasil vêm enfrentando desde que tudo começou, há quinhentos e poucos anos. O tempo passou, mas os indígenas continuam morrendo a rodo.
Pouca coisa mudou.
Leia também sobre o impacto ambiental devastador do agronegócio.
Bruno
October 23, 2016 @ 5:44 pm
qual são as fontes desse texto?
Lara Vascouto
October 24, 2016 @ 11:58 am
Oi Bruno! Estão linkadas no texto.