Mulheres Peacekeepers: Tão Reais quanto Necessárias
A presença de mulheres peacekeepers é fundamental para garantir o sucesso de missões de paz em todo o mundo.
A importância do feminismo ainda é frequentemente questionada com o argumento de mulheres não precisam prestar serviço militar. No entanto, mesmo não sendo obrigadas, elas já engrossam as filas de exércitos no mundo todo. No Brasil, pouco mais de 22.000 mulheres estão nas Forças Armadas, compondo cerca de 6% do total do efetivo militar do país. Como na maioria dos outros países, a pouca presença feminina se explica, em parte, tanto pelo fato de muitas áreas de atuação nas Forças Armadas não aceitarem mulheres, como pela forte cultura machista dentro do exército. Em todo o mundo, as mesmas perguntas se repetem: será que elas são fortes o bastante? Será que seus relacionamentos com soldados homens não atrapalhariam as missões? Será que o público apoiaria mulheres nas linhas de frente?
A verdade é que mulheres vêm provando há décadas que podem lutar em guerras muito bem, obrigada. Cerca de 500.000 mulheres atuaram em combate durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo. Mais recentemente, milhares de mulheres lutaram no Iraque e no Afeganistão. Desde 2004, mulheres formadas em enfermagem ou veterinária na Polônia devem passar por alistamento obrigatório. E em países como Austrália, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Israel, Nova Zelândia e Noruega, mulheres são aceitas em praticamente todas as funções dentro do Exército, inclusive em posições de combate. Lembrando que, em Israel, mulheres são obrigadas a se alistar.
Claro que ideal seria se ninguém precisasse lutar em guerra nenhuma. Mas guerras acontecem mesmo assim. E a mulheres deveria ser permitido atuar nelas em pé de igualdade com homens. Principalmente porque elas são importantíssimas para a efetividade de determinadas operações, como é o caso das mulheres que atuam como peacekeepers: os famosos capacetes azuis da ONU.
Os capacetes azuis atuam em missões de paz no mundo todo. Foto de un.org.
Os peacekeepers da ONU somam atualmente 125 mil homens e mulheres de 193 países, em 16 missões humanitárias ao redor do globo. Sua função é auxiliar regiões devastadas por conflitos na obtenção da paz, atuando com ajuda humanitária, na proteção de civis, no apoio a resolução de conflitos (incluindo desarmamento, organização de eleições, etc) e na proteção e promoção de direitos humanos.
Nesse cenário, a presença de mulheres peacekeepers é fundamental. Em primeiro lugar, sua presença tem uma infinidade de efeitos positivos nas comunidades que as recebem, principalmente entre as mulheres, crianças e idosos locais. É muito mais fácil, por exemplo, mulheres reportarem situações de violência sexual ou até problemas de saúde íntimos para outras mulheres. Sendo mais acessíveis para grande parte da população do que os homens, as mulheres peacekeeepers trazem um aspecto de sociabilização entre as comunidades e as tropas que é essencial para a efetividade dessas operações. Com elas, as missões de paz conseguem um resultado muito melhor no empoderamento de mulheres locais, na assistência de ex-combatentes locais do sexo feminino, na assistência em casos de violência sexual, na redução de conflitos e na segurança de mulheres e crianças.
Infográfico das Nações Unidas, traduzido pelo Nó de Oito.
Além disso, unidades de peacekeepers integradas por mulheres costumam ser recebidas com menos desconfiança por parte da população. A sensação de segurança quando elas estão presentes é muito maior. De acordo com Gerard J. DeGroot, professor de História na Universidade de St. Andrews, na Escócia:
“Quando mulheres peacekeepers estão presentes, a situação se torna mais próxima da vida real e, como resultado, os homens tendem a ser comportar mais. Qualquer conflito em que você tem um exército inteiramente composto por homens é como se você tivesse férias da realidade. Quando você coloca mulheres na situação, elas têm um efeito civilizador”.
Esse aspecto da presença de mulheres peacekeepers é essencial, principalmente porque não são incomuns as denúncias de homens peacekeepers exigindo sexo em troca de itens básicos, como comida. Esse ano, no Haiti, 231 pessoas contaram ter recebido dinheiro, comida, celulares e joias em troca de sexo com militares, civis e policiais da ONU. Infelizmente, isso não é nenhuma novidade. Seis de doze países estudados em um relatório de 1996 sobre o impacto de conflitos armados em crianças mostraram um rápido aumento de prostituição infantil após a chegada de tropas de peacekeepers.
As mulheres peacekeepers, porém, ainda são poucas. Apesar da Resolução 1325 do Conselho de Segurança ter reconhecido o valor delas nesse tipo de operação e assumido a responsabilidade de aumentar sua presença em funções ativas e igualitárias, apenas 3% dos militares e 10% dos policiais da ONU atualmente são mulheres. E pior: poucas trabalham diretamente em campo, onde podem fazer uma diferença significativa. Além disso, o nível de exigência para elas costuma ser muito maior, por existir uma desconfiança generalizada de suas capacidades em funções historicamente ocupadas por homens.
A ONU se defende afirmando que é difícil atingir a meta inicial de 20% de mulheres em missões de paz, pois a composição de gênero dos soldados é prerrogativa dos Estados, que contribuem com as tropas. Infelizmente, enquanto existirem tantos empecilhos para a atuação de mulheres nesse tipo de função, a meta vai continuar longe de ser alcançada.
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