5 Pequenas Mudanças que Teriam Tornado Stranger Things Ainda Melhor
Stranger Things peca na representatividade feminina e não-branca, por isso imaginei aqui alguns cenários alternativos que deixariam a série ainda melhor.
*Spoilers adiante.
Em um ano em que a vida real está deixando muito a desejar, eis que entra a televisão – mais especificamente, a Netflix – para nos proporcionar aquelas boas horas de fuga e alienação tão necessárias para a manutenção da sanidade.
A tão aclamada série Stranger Things é uma das que cumprem com maestria esse papel. Assim como milhares de pessoas em todo o mundo, eu não fiquei de fora da euforia em torno da série, e assisti a todos os episódios praticamente numa sentada. Suspense, aventura, mistério, nostalgia. Tem coisa melhor do que isso? Só a abertura já é suficiente pra arrepiar todos os pelinhos do meu braço.
Como o meu marido observou tão corretamente sobre a música de abertura: EU SINTO COISAS!
Enfim, eu realmente amei a série. Ok? Todo mundo ouviu bem? A galera aí do fundo também? Certo, legal. Porque eu tenho algumas coisas a dizer. Isto é, eu tenho algumas críticas a fazer. Porque eu posso ter amado a série, sim, mas não estou morta, e o meu cérebro continua funcionando tão bem quanto antes. Como eu já disse em outro texto por aqui, gostar de algo não deveria nos impedir de pensar criticamente. E não é porque eu estou com o coração explodindo de nostalgia que vou jogar os miolos pela janela.
Bem, as minhas observações têm a ver com representatividade tanto feminina, como não-branca. Em poucas palavras: ela é limitadíssima em Stranger Things. O maior problema da série, pra mim, é a pouca quantidade de personagens femininas em relação aos personagens masculinos. Vamos dar uma olhada rápida no núcleo principal de personagens para fazer a comparação.
Oito para três. Fiquei tentada a colocar a Barb e a mamãe Wheeler aí em cima, mas quem eu quero enganar, né? A Barb é um personagem memorável, mas morre logo no segundo episódio, e a mamãe Wheeler faz pouco mais que figuração. Também fui bacana por não ter colocado o Mr. Clarke (o professor sabe-tudo) e o ex-cretino da Winona entre os masculinos, apesar da participação deles ter sido até que significativas. Entre os personagens secundários e terciários, homens também são maioria.
Enfim, sobre os oito personagens masculinos listados aí em cima, acho que não há dúvidas. Todos eles têm um papel único na série, e todos tem importância na trama. Além disso, com exceção de Will – que, verdade seja dita, pouco aparece – todos são personagens complexos e bem-construídos.
Já sobre as três personagens femininas que definitivamente podem ser consideradas centrais, eu tenho minhas dúvidas. Todas as três são incriveis, não me entenda mal, mas a forma como a história delas é tão dependente da trajetória dos personagens masculinos me incomoda bastante. Joyce, apesar de brilhante, fica o tempo todo se equilibrando para não cair no estereótipo da mãe histérica e desequilibrada (mas, infelizmente, às vezes cai mesmo assim). A história da Nancy é condicionada a um estúpido triângulo amoroso. E a pobre Eleven, apesar de incrível, é simplesmente arrastada para lá e para cá o tempo todo, servindo aos propósitos de personagens masculinos variados ao longo da série.
Na parte da representatividade não-branca, as coisas também não são lá muito melhores. Todo o núcleo principal é branco, com exceção do pequeno Lucas. Suponho que eu deveria ficar feliz por esse personagem não reproduzir nenhum estereótipo racista cansativo (pelo menos ele não é bandido ou um negro mágico, né), mas já foi-se a época de eu me sentir satisfeita quando as produções fazem apenas o mínimo do mínimo. Um único ator não-branco em um núcleo principal de treze personagens não deveria satisfazer ninguém.
O estado de espírito de atores não-brancos quando saem para procurar trabalho.
Bem, pensando nisso tudo, não pude deixar de imaginar cenários alternativos para a série. Por isso pensei em cinco pequenas mudanças que fariam toda a diferença e tornariam a série ainda melhor do que já é. Pensa aqui comigo…
E se ao invés de um grupo de meninos, fosse um grupo de meninas?
Daria pra contar a mesmíssima história substituindo os quatro garotos principais por quatro garotas. Por que não fazê-lo? Além de inovador (eu sei, é ridículo ter que considerar uma história de aventura com garotas protagonistas como algo “inovador”), seria uma genial subversão dos clássicos dos anos 1980 que a série tanto se esforçou para homenagear.
E se o ator Caleb McLaughlin tivesse interpretado o Mike ao invés do Lucas?
Se Caleb McLaughlin tivesse sido escolhido para interpretar o Mike, toda a família Wheeler teria que se adequar. Assim, teríamos de quebra pelo menos mais três personagens não-brancos na série. Ah! E não só um, como dois personagens principais não-brancos: Nancy e Mike. Já seria um bom começo.
E se o triângulo Steve-Nancy-Jonathan simplesmente não existisse?
Eu sonho com um mundo em que roteiristas não sintam que toda personagem feminina adolescente precisa ser disputada por dois personagens masculinos rivais. Por que era necessário dar essa dimensão romântica ao personagem de Nancy? Ela tinha potencial para ser bem incrível sem precisar de dois caras brigando a tiracolo.
E se a Barb participasse de toda a trama?
Quer manter um bom número de personagens femininas interessantes em uma série? Que tal não matar uma delas logo no segundo episódio? Pelo pouco que a Barb aparece, já deu pra ver que a personagem tinha um potencial muito bacana. Meu cenário alternativo? Corta o Jonathan e faz da Barb a irmã do Will. Isso seria o suficiente pra engajar a Nancy na aventura, dado que a Barb é sua melhor amiga, e ainda teríamos um núcleo de duas moças chutadoras de bundas de monstros. Por que não?
Justiça para a Barb!
E se a Eleven fosse mais do que uma arma?
Eu amei a Eleven, amei mesmo. É incrível ver a habilidade da atriz Millie Bobby Brown em transmitir emoções com tão pouco. Dito isso, preciso externar minha frustração com a forma como trataram a personagem.
Apesar de ser um amorzinho, a Eleven é muito inconsistente. E isso seria até compreensível dado o pouco que sabemos sobre ela, mas o problema é que fica muito claro que essa inconsistência é apenas uma conveniência criada pelos roteiristas para facilitar o próprio trabalho. Da mesma forma que ela funciona como uma arma para ser usada pelos personagens quando eles precisam (achar o Will; salvá-los de bullies; quebrar pescoços; matar monstros; etc), ela é também uma ferramenta muito útil aos roteiristas, que podem fazê-la alternar entre muda, poderosa, competente, frágil e incapaz sempre de forma conveniente, quando a trama pede.
Lamento, mas a verdade é que a Eleven é uma massinha de modelar, uma tela em branco. O fato de ela ser menina é praticamente irrelevante, dado que ela mal e mal se comporta como um ser humano.
Não é a toa que a maioria das cenas de Eleven remetem a E.T. – O Extraterrestre.
Como um experimento humano sem muita história por trás, ela pode ser usada da forma que for necessário sem que a gente se questione muito se aquilo faz sentido pra personagem ou não. Mas temos que questionar, sim, porque a Eleven – como uma das únicas três personagens femininas centrais da série – precisa ser mais do que uma arma nas mãos de outros personagens e dos roteiristas. Se Stranger Things tivesse mais personagens femininas, isso não seria um problema, mas como não tem, então temos que problematizar sim.
E corrigir isso não seria nada complicado: bastaria dar um pouco mais de contexto para a personagem, um pouco mais de autonomia, uma ideia melhor do que se passa na cabeça dela e de quais são as suas motivações. E peloamordedeos, poderiam se livrar também da sua subtrama romantiquinha com o Mike e da sua leve obsessão com ser bonita, né. A pessoa passou a vida trancada em um laboratório, sem socialização nenhuma. Ela mal fala, e você espera que faça sentido ela ter comportamentos que são culturalmente aprendidos? Francamente.
Não se nasce mulher, torna-se.
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Enfim, esses são apenas alguns exemplos de como Stranger Things poderia ter sido ainda melhor. E antes que você vá comentar que “isso seria absurdo porque XYZ”, acho que vale se perguntar por que parece ser tão mais difícil para homens/brancos curtirem, admirarem e sentirem empatia por personagens femininas/não-brancos do que o contrário? Será que isso não tem a ver com o fato de a nossa cultura entender que mulheres/não-brancos são essencialmente diferentes e inferiores a homens/brancos?
Será que machismo e racismo existem? Difícil hein.
Não adianta mais colocar um ou outro personagem feminino/minoria e achar que é o suficiente. Enquanto não tivermos uma representação justa no cinema, na televisão e mesmo na publicidade, como diria a perspicaz Nátaly Neri – vamos continuar infernizando.
Leia também Os Maravilhosos Gráficos Interativos que Trazem os Números da Disparidade de Gênero em Hollywood; e Como a Falta de Mulheres em Hollywood Contribui para a Desigualdade de Gênero na Vida Real.
Amanda
August 12, 2016 @ 6:24 pm
É isso aí!
Izabella
August 12, 2016 @ 8:45 pm
Muito bom o post, parabéns! Stranger Things é uma série maravilhosa, mas realmente pecou nesses aspectos que você apontou. Bem, o jeito é esperarmos a segunda temporada e torcer para que os problemas de representatividade sejam resolvidos (é realmente bem triste pensar que um elenco representativo seria considerado uma inovação…).
Um abraço!
Marina Ferreira
August 13, 2016 @ 8:56 pm
Mas a subtrama romantiquinha com o Mike é tão fofa :c
Não acho que tenha realmente um problema com essa parte… De resto, concordo com tudo <3
alice
August 22, 2016 @ 4:01 pm
detestei a subtrama romantiquinha. pensei a mesma coisa: um monstro chegando e uma criança de 11 anos quer beijar??
alice
August 22, 2016 @ 4:02 pm
outro detalhe: pq o will sobreviveu no mundo invertido e a Barb?
Davi Paiva
August 22, 2016 @ 6:34 pm
Boa tarde! Tudo bem? Espero que sim.
É a primeira vez que comento aqui, apesar de já ler os artigos aqui há um tempo. Espero que gostem.
Sei que temos muitíssimo mais histórias com homens do que com mulheres. Mas os homens também querem consumir coisas novas e criar uma narrativa só com garotas como foi proposta geraria distanciamento do público feminino. Logo, eu creio que a solução proposta de colocar somente garotas poderia ser trocada por “já que é um quarteto, que pelo menos dois personagens sejam mulheres”.
E sobre o ponto em Eleven ser uma personagem que se importa em estar bonita: creio que isso se deve ao fato dela nunca ter isso reconhecido. A partir do momento em que ela se vê com aquela roupa e a peruca, é bem nítido que ela se sente surpresa pela aparência especial e aprende o significado da palavra “bonita”, que passa a valorizar.
Por último, o triângulo amoroso é uma trama de fundo, para distrair um pouco o leitor da tensão da busca pelo garoto desaparecido. Recurso muito usado em novelas (não que elas sejam boas) para afastar o público da trama principal.
No resto, concordo plenamente.
Abraços e bom trabalho.
Gustavo
August 30, 2016 @ 5:15 pm
A Eleven é o personagem que faz toda a história avançar e você diz que “é uma massa de modelar, ela ser uma menina é praticamente irrelevante”? Jesus.
carlos vieira
October 2, 2017 @ 1:37 pm
deixa eu ver se eu entendi. na sua opinião, a serie devia ter um grupo de meninas nerds que nos anos 80 jogavam rpg e faziam parte do clube de audiovisual. você está desconsiderando que, por motivos de construção social ou não, não existia esse tipo de meninas nos anos 80. meninas dos anos 80 eram (de novo, por construção social ou não) obcecadas por artigos de beleza, festinhas e música pop, e o mais proximo de uma garota nerd seria uma garota que estudava bastante. então para que 4 meninas fossem o elenco principal, ou os roteiristas teriam que forçar muito a barra, mantendo as personalidades e gostos dos meninos e parecendo personagens falsas e forçadas; ou elas não seriam meninas nerds que jogam rpg e fazem parte do clube de audiovisual. ou seja, a série toda seria completamente alterada.
outro dos seus argumentos é que o jonathan, um dos personagens mais interessantes, não deveria existir, e que a barb deveria ser a irmã do will. primeiro, a morte da barb é importante e impactante exatamente por ela ser uma personagem carismatica e relacionavel. não é uma morte que serve apenas para motivar a nancy. é uma morte que serve também para impactar, impressionar e emocionar o espectador. sem a morte dela, o começo da série perderia uma boa parte do impacto e do interesse de quem assiste. segundo, eu não vejo a barb, tendo a personalidade que ela tem, tomando as atitudes que o jonathan toma (ir atras do pai, tentar matar o monstro, ter a relação que ele tem com o will, etc), terceiro, isso iria tirar totalmente a subtrama do steve e o conflito gerado pelo ciume dele, o que alteraria o final da série completamente. alias este é outro argumento seu: o triangulo amoroso da nancy, que tem um impacto enorme na trama e mesmo assim é tratado de uma maneira extremamente suave pelos roteiristas. nunca o jonathan e o steve brigam por causa dela, e sim por outras coisas. é ridiculo tentar remover uma subtrama para elevar a personalidade da nancy, que nunca foi a personagem mais interessante pra começo de conversa.
além de tudo isso, você ainda disse que o ator que interpreta o lucas deveria interpretar o mike. por eu trabalhar com cinema, achei isso pessoalmente ultrajante. eu acho que você não sabe, mas existe uma coisa chamada DIReção de casting. se o ator que interpreta o lucas está interpretando o lucas, é porque ele foi o mais competente nos testes para interpretar o lucas. ele não faria um trabalho tão bom quanto o finn wolfhard, assim como o finn wolfhard não faria um papel tão bom no papel de lucas. entenda: atores tem limitações. eles se encaixam melhor em certos personagens. querer que o ator de lucas seja o mike é ignorar e ofender o trabalho de direção de casting. é absurdo resumir um trabalho tão longo e dificil como a escolha de elenco a: “vamos trocar esse ator com esse para fazer cotinha”. além disso, você deu a entender que é errado um elenco principal de “13” pessoas ter apenas um negro. primeiro, o elenco principal tem, forçando muito a barra, 11 pessoas (eu diria 9, mas vamos trabalhar com 11). segundo, até onde eu sei, a porcentagem de negros no estado de indiana (onde a série se passa) é de 9,5%. uma em onze pessoas pessoas é, segundo minhas contas, 9,02%, o que não se afasta da porcentagem do estado. matematica. conhece? parece mágica mas não é.
além disso, sua reclamação sobre a eleven é contraditoria. você reclama que ela não é humana e é uma “massa de modelar”, mas ao mesmo tempo critica os pontos que faz ela ser mais humana, como o romancezinho com o mike e a sensação de auto estima. isso por si só ja desconsidera todos os seus argumentos, e eu nem vou entrar em detalhes de como ela é a personagem mais complexa da trama.
mas resumindo o seu post: você afirmou pelo menos cinco vezes que adorou a série, mas se dependesse de você, ela seria literalmente uma série completamente diferente, com um grupo de garotas (e um elenco formado 100% por mulheres), sem personagens importantes como steve e jonathan, sem uma morte importante no segundo episodio que da a nancy uma motivação convincente, com barb tomando o lugar de jonathan, (o que mudaria completamente a serie, dado ao fato da personalidade dos dois serem totalmente diferentes e isso gerar mudanças em suas atitudes, que motivam mudanças na trama) e com uma eleven mais humana, sendo que ela foi literalmente criada em um laboratorio para ser uma arma. ou seja, você mudaria literalmente a série INTEIRA. inteira. por favor, pare de fingir que você gostou de stranger things. você não gostou. você odiou e se retorceu com o “machismo” e o “racismo” que não existem, mas que você se forçou a ver na série. você está mentindo para seus leitores e está dizendo que adorou para poder ter um passe livre para fazer essa postagem e criticar algo que só você achou errado. você só quer que toda série, independente de você gostar dela ou não, siga sua agenda sjw. stranger things é boa pelo que ela é. eu agradeço a Deus por não ter sido você que escolheu o rumo que stranger things tomou, porque se dependesse de você, a série seria uma bosta. e espero que você nunca seja roteirista ou trabalhe com cinema ou séries, pois sua visão dessa mídia é patética.
Juliana
October 18, 2017 @ 5:55 pm
Alguém aqui nervosinho kkkkkkk