Monopólio de Mídia no Brasil – A Ditadura que Nunca Acabou
O nível de concentração de mídia no Brasil mudou muito pouco desde o fim da ditadura no país. Isso é um problema.
Notícias chocantes: a mídia não é imparcial. Claro, qualquer um pode argumentar que nada realmente é imparcial. Até na ciência, um campo essencialmente objetivo, existem parcialidades, por exemplo, na escolha de caminhos que uma pesquisa pode seguir e até nas ideias iniciais por trás de hipóteses a serem testadas. As parcialidades da mídia, no entanto, são particularmente difíceis de engolir, porque esta é uma entidade que existe baseada justamente em uma ideia de imparcialidade, posicionada no topo de um pedestal que é o Jornalismo, reconhecido como uma profissão nobre, isenta de interesses próprios e comprometida apenas com a verdade. Tal hipocrisia choca, principalmente quando lembramos da enorme influência que a mídia exerce na forma como agimos e como pensamos.
Essa influência é poderosa e não passou despercebida ao longo da História. Na Alemanha nazista, por exemplo, a mídia foi utilizada intensamente tanto para a conquista e manutenção do poder, como para a implementação de políticas fascistas – uma estratégia já prevista por Hitler alguns anos antes de sua ascensão ao poder, em seu Mein Kampf:
“A arte da propaganda consiste precisamente em ser capaz de despertar a imaginação do público através de um apelo aos seus sentimentos, encontrando a forma psicológica correta que irá prender a sua atenção e apelar para os corações das massas. A grande massa de pessoas não é formada por diplomatas ou professores de jurisprudência, nem por pessoas capazes de fazer julgamentos sensatos, mas sim por uma multidão vacilante de crianças humanas que estão constantemente oscilando entre uma ideia ou outra”.
Mas eu não preciso voltar até a Alemanha nazista para buscar exemplos de manipulação midiática. Não quando temos exemplos de sobra em nosso próprio país. Como esquecer, por exemplo, do apoio declarado do jornal O Globo ao golpe militar de 1964 e do seu subsequente apoio ao regime militar, que resultou no nascimento e consolidação da Rede Globo como a maior rede de televisão do país?
Leia o editorial do jornal O Globo, de 02 de abril de 1964.
Impossível não lembrar também da omissão do Jornal Nacional na cobertura do primeiro comício das Diretas Já, em 1984. E inúmeros outros casos poderiam ser mencionados. A parcial edição do debate entre os candidatos à presidência da República em 1989, também pela Rede Globo; o revelador caso do “podemos tirar, se achar melhor”, em que uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso em uma reportagem da Reuters foi veiculada com uma observação de um dos editores se dispondo a retirar um trecho desfavorável ao ex-presidente…
…e até, claro, as inúmeras coberturas das manifestações de 2013 (e, mais tarde, contra a Copa do Mundo), que pautaram o tratamento a manifestantes de causas sociais diversas no anos subsequentes como vândalos e baderneiros.
O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo chamando os manifestantes de 2013 de baderneiros e pedindo maior repressão policial.
Nos dias seguintes, a Folha se viu obrigada a mudar o seu posicionamento depois que a polícia militar atendeu prontamente o seu pedido e acabou ferindo sete jornalistas do jornal. Dois foram atingidos no olho com balas de borracha, sendo que um deles acabou perdendo a vista.
A manipulação mais recente orquestrada pela mídia brasileira está em curso neste momento, na cobertura da operação Lava Jato. Trabalhando em parceria com um Judiciário claramente politizado e que não parece ter medo de usar os veículos de comunicação para inflamar a opinião pública e usá-la como arma, a mídia brasileira vêm promovendo há mais de um ano uma polarização perigosa ao fazer a opção (política) de focar a sua cobertura na participação de uns, mas não de outros nos esquemas de corrupção.
O resultado da parcialidade da grande mídia brasileira nas últimas semanas lembra, assombrosamente, o que Hitler previu ser justamente o papel da mídia quando propagandista naquele trecho já mencionado de Mein Kampf. “A arte da propaganda consiste precisamente em ser capaz de despertar a imaginação do público através de um apelo aos seus sentimentos, encontrando a forma psicológica correta que irá prender a sua atenção e apelar para os corações das massas.”
De um lado, a cobertura parcial dos esquemas de corrupção – turbinada pelas crises econômica e política – transformou Lula, Dilma e o PT em bode expiatório para todos os problemas de corrupção do país, fazendo com que milhões de pessoas não só se levantassem contra o governo, mas vociferassem contra ele (lembrando que o ódio é um sentimento que aflora e cresce com muito mais facilidade quando o vilão é facilmente identificado).
De outro, milhões de pessoas que não se sentem representadas pela multidão e temem as consequências de um processo de impeachment fora da legalidade, reagem. Porque o jogo já se mostrou extremado desde o começo, com a eleição midiática de um único e nítido vilão, a polarização se tornou inevitável. Virou regra a máxima Se você não está conosco, está contra nós, num clássico discurso “Nós X Eles” (que é muito vantajoso, diga-se de passagem, no grande jogo de manipulação de massas).
Basicamente, a única cobertura que é seguro a Globo e o resto da grande mídia fazer.
Pensando nisso tudo, fica difícil sequer cogitar algum dia confiar na mídia. Mas não precisa ser assim. A questão é que quando a mídia é plural e representa de fato a sociedade do país em toda a sua diversidade, as parcialidades tendem a se neutralizar. E isso é algo que não pode ser esquecido quando falamos sobre mídia no Brasil: por aqui, essa pluralidade tão necessária não existe. Temos poucos falando para muitos.
Atualmente, a mídia brasileira é controlada por apenas sete famílias. Além disso, famílias ligadas a políticos tradicionais estão no comando de grupos de mídia em diferentes regiões e inúmeros políticos brasileiros são donos de rádios e TV Brasil afora (apesar de isso ser proibido pela Constituição).
Dos sete grupos que controlam a mídia no Brasil, o maior é, de longe, o Grupo Globo. Ele não só é o maior conglomerado de mídia no país, como a Rede Globo de Televisão é a segunda maior do mundo, assistida por mais de 200 milhões de pessoas diariamente em todo o planeta.
Não é a toa que a Rede Globo está no centro das maiores polêmicas envolvendo a mídia no Brasil. O seu imenso alcance tem um poder quase que ilimitado – o que, além de ser ruim por si só, piora pelo fato de a emissora ter um claro posicionamento político conservador, evidenciado tanto no seu histórico com os militares durante a ditadura e apoios políticos posteriores, como por sua própria programação diária que, pautada amplamente em racismo, machismo e no falso discurso da meritocracia, faz dela um obstáculo significativo para avanços sociais no país.
Sobre as novelas da Globo.
Tal posicionamento fica claro inclusive no exterior. De acordo com a escritora moçambicana Paulina Chiziane:
Para nós, moçambicanos, a imagem do Brasil é a de um país branco ou, no máximo, mestiço. O único negro brasileiro bem-sucedido que reconhecemos como tal é o Pelé. Nas telenovelas, que são as responsáveis por definir a imagem que temos do Brasil, só vemos negros como carregadores ou como empregados domésticos. No topo, estão os brancos. Esta é a imagem que o Brasil está vendendo ao mundo. De tanto ver nas novelas o branco mandando e o negro varrendo e carregando, o moçambicano passa a ver tal situação como aparentemente normal. Essas representações contribuem para perpetuar as desigualdade raciais e sociais.
Da mesma forma são os outros grandes grupos que controlam a mídia brasileira, o que significa que mesmo dentro de seu pequeno grande grupo as parcialidades tendem a ser as mesmas. Ao invés de se neutralizarem, elas se somam.
Não é possível ter uma democracia plena sem que os monopólios sejam desfeitos e a mídia seja também democratizada. A população brasileira, em toda a sua diversidade, precisa ser adequadamente representada também nos meios de comunicação. Sem isso, carregamos conosco não um resquício, mas um pedaço bem vivo da ditadura mais de um quarto de século depois que ela chegou ao fim.
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