Será a Manic Pixie Dream Girl a Versão Moderninha de Bela, Recatada e do Lar?
Quando velhos ideais machistas ganham uma roupagem moderninha para agradar as novas gerações.
Em 2016, a Veja publicou um perfil para lá de questionável de Marcela Temer. Mostrando que é fã dos hediondos guias “da boa esposa” da década de 1950, a revista definiu Marcela como ‘bela, recatada, e do lar’ em tom dolorosamente elogioso, fazendo um desserviço tanto a mulheres (e incluo aqui a própria Marcela), como à população brasileira como um todo, ao tentar apresentar uma versão respeitável e gostável de Michel Temer.
Não colou, migos.
A internet não perdoou. Por vários dias, milhares de mulheres reagiram e postaram suas próprias versões do que a revista parece achar que as mulheres deveriam ser, sob a hashtag irônica #BelaRecatadaeDoLar.
A reação não foi contra Marcela Temer ou contra donas de casa e mulheres que se encaixam nesse perfil, mas sim contra a exaltação de “qualidades” que restringem a liberdade das mulheres há séculos. O “bela” representa a objetificação da mulher, o seu esvaziamento como ser humano tão complexo quanto o homem. O “recatada” representa um aprisionamento de ordem moral, na medida em que a sexualidade da mulher é fortemente reprimida e controlada no sistema machista. E o “do lar” representa o seu aprisionamento na esfera privada como um bem do homem, com a sua liberdade de atuar ativamente na vida pública cerceada pelas responsabilidades de mãe e esposa.
A resposta foi enfática.
Ou seja, por trás do ideal bela, recatada e do lar está a clara mensagem de que mulheres são menos (competentes, complexas, humanas) do que os homens e, por isso, sua posição deve ser a de coadjuvante servil na vida deles, os heróis protagonistas. Não que seja preciso destrinchar essa mensagem a partir do ideal machista de mulher perfeita, claro. Muitos homens ao longo da História reforçaram essa visão com todas as letras.
“O homem é, por natureza, superior e a mulher inferior; um governa e o outro é governado. (…) Uma esposa adequada deve ser tão obediente quanto um escravo”. – Aristóteles
“É uma lei da natureza que mulheres devem ser dominadas pelos homens” – Confúcio
“A natureza quis que as mulheres fossem nossas escravas. Elas são nossas propriedades, nós não somos as delas. Elas nos pertencem, assim como uma árvore frutífera pertence ao jardineiro. Que ideia insana exigir igualdade para mulheres! Mulheres não são nada além de máquinas de produzir crianças”. – Napoleão Bonaparte
“Toda a educação da mulher deve ser planejada em relação aos homens. Para agradar aos homens, ser útil a eles, ganhar o seu amor e o seu respeito, criá-los enquanto crianças e cuidar deles enquanto adultos…esses são os deveres das mulheres em todas as eras e é isso que elas devem ser ensinadas desde a infância”. – Jean-Jacques Rousseau.
Está aí ainda? Não jogou o computador pela janela? Legal, porque é agora que eu vou começar a falar sobre o que eu realmente queria falar.
Pois bem. Essa história do bela, recatada e do lar ficou um bom tempo na minha cabeça. Nesse meio tempo, peguei passando na televisão um filme com a Zooey Deschanel, o que inevitavelmente me fez pensar no cansativo estereótipo da Manic Pixie Dream Girl: a personagem feminina adorável, esquisita e cheia de vida que vive mudando a vida de protagonistas homens depressivos filmes afora.
Talvez você não conheça o termo Manic Pixie Dream Girl, mas definitivamente sabe do que estou falando.
E foi então que eu me perguntei: será a Manic Pixie Dream Girl a versão moderninha de bela, recatada e do lar?
Ok, uma coisa de cada vez. Primeiro precisamos esclarecer o que é exatamente a Manic Pixie Dream Girl. E para isso, vou pegar emprestada a sua definição original, de uma crítica do filme Elizabethtown de 2007. Nessa ocasião, o crítico Nathan Rabin cunhou o termo para falar sobre a surreal personagem de Kirsten Dunst que, de acordo com ele:
“(…) interpreta um tipo de personagem que eu gosto de chamar de Manic Pixie Dream Girl (veja Natalie Portman em Garden State como outro exemplo). A Manic Pixie Dream Girl existe unicamente na imaginação febril de roteiristas-diretores sensíveis para ensinar jovens homens profundos, cismados e sentimentais a aproveitar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras.”
A Manic Pixie Dream Girl (MPDG, para ficar mais fácil) é, portanto, aquela personagem feminina adorável – com ótimo gosto musical e pequenos defeitinhos que a deixam mais adorável ainda (como falar rápido e demais, se interessar por coisas insignificantes, ser adoravelmente impulsiva) – que existe completamente em função do protagonista homem. Com alguma sabedoria misteriosa baseada em alegria de viver, a MPDG está ali para fazer com que aquele pobre protagonista profundo e deprimido (ou profundamente deprimido, na verdade) aprenda a olhar para a vida de forma diferente e, com isso, consiga sair do seu status melancólico e encontrar a felicidade.
Com métodos tão bizarros quanto ela própria.
Em suma, o estereótipo da Manic Pixie Dream Girl é definido principalmente pelo seu status secundário e por uma falta de vida própria. Não de energia vital, note, porque isso ela tem de sobra. Mas de um histórico, problemas e questões de ordem pessoal, ou até interesse de ir atrás de sua própria felicidade, ao invés da felicidade do protagonista. Nesse sentido, ela é quase como a versão feminina branca (porque a MPDG é sempre branca) do estereótipo do Negro Mágico.
Com a diferença que o Negro Mágico costuma aparecer apenas em momentos cruciais da trama para ajudar o protagonista branco com a sua sabedoria mística, enquanto a MPDG é uma presença constante na tela e atua como um ideal de mulher desejado pelos homens.
E o que é que a Manic Pixie Dream Girl tem a ver com o famigerado bela, recatada e do lar? Bem, em primeiro lugar, ela tem essa característica principal, que é a de ser uma personagem coadjuvante a serviço de um homem. Exatamente o que prega o ideal bela, recatada e do lar.
Em segundo lugar, elas são sempre belas. Não lindas, nem gostosas, mas belas. Isso é importante, porque existe algo na palavra “bela” que evoca uma dignidade e discrição que outros adjetivos não evocam. Ela traz uma ideia de beleza classicamente feminina, não-ameaçadora, não-sexualizada. Exatamente como uma “mulher de família” deve ser. E exatamente como são as Manic Pixie Dream Girls. Embora sejam desejadas pelos protagonistas, elas são sempre muito femininas, e nunca hipersexualizadas. Consequentemente, elas têm como característica também uma boa dose de recato – não tanto porque são ativamente recatadas, mas pelo fato de sexo nunca ser algo que elas evocam logo de cara.
Agora, é verdade que algumas características distanciam as MPDG do ideal bela, recatada e do lar. Mas não tanto assim. Por exemplo, embora raramente sejam “do lar”, elas também raramente são profissionais focadas em alguma carreira e não é raro que exibam alguns gostos e habilidades tradicionalmente associados a donas de casa (como gostar de cozinhar cupcakes e cookies, por exemplo, ou ser fã de patchwork e tricô). Além disso, elas costumam ser livres e ativas sexualmente mas, como já foi apontado, o sexo delas é “digno”, discreto e não-ameaçador.
Por esses motivos, penso que a MPDG nada mais é do que o bela, recatada e do lar revestido de uma roupagem moderninha, mais atraente para as novas gerações. Uma versão que mistura o clássico ideal machista com o fascínio pela emancipação sexual feminina e certa relutância em relação à sua emancipação do lar.
O resultado é tão estranho e irreal quanto se poderia esperar.
Pensando um pouco mais além, talvez a MPDG seja apenas a versão do ideal bela, recatada e do lar para machistas de esquerda: homens supostamente profundos e reflexivos, deprimidos e frustrados com os valores deturpados da sociedade capitalista, que concedem às mulheres alguns direitos, mas não todos. Porque, bem, no fim do dia eles ainda esperam que uma garota adoravelmente esquisitinha e desapegada largue tudo o que estava fazendo para resgatá-los de sua melancolia com uma imbatível alegria de viver.
Esquecem, no entanto, que apesar do que dizem os filmes e os clássicos ideais machistas, nós somos as protagonistas de nossas próprias vidas.
Não estamos aqui para te salvar, colega.
Leia também sobre a misteriosa síndrome de caras “feios” com minas gatas na cultura pop, e confira outros textos relacionados abaixo.
Rebecca Bittencourt
April 28, 2016 @ 2:54 pm
Excelente texto! Nunca tinha pensado por esse lado e não é que faz todo o sentido!?
Lara Vascouto
April 28, 2016 @ 10:59 pm
Pior que faz, Rebecca, rs! Obrigada pelo comentário!
Stephanie Serruya
April 29, 2016 @ 7:36 pm
Achei muito interessante, não tinha pensado nisso. Mas lendo sua reflexão discordo em um ponto, a parte do “sexo”. Acho q pelo contrário, essas personagens são sempre sexualmente ativas mas curtem coisas q vc não ve mulheres normalmente curtindo, tipo alugar filme pornô, ou sexo casual com o protagonista (varias pesonagens tem problemas de intimidade e curtem sexo sem afeto e o cara salvador da patria ensina a ela que intimidade não é um problema e ele quer um relacionamento, mesmo tendo sido babaca com outras personagens secundárias). E as vezes me parece q essas protagonistas tenham necessariamente que ser “devassa” entre 4 paredes. Como se elas não tivessem inseguranças ou travas como qualquer mulher normal.
Clara Cavalcante
July 17, 2016 @ 4:54 pm
pornô é antifeminista, é exploração de mulheres e é feito pra agradar macho, não é sobre o nosso prazer. uma mulher que gosta de pornô é o fetiche de todo homem.
P.S
April 28, 2016 @ 6:22 pm
Legal 🙂 Todas as características do texto parecem muito com a Louisa e o homem depremindo com Will de Como eu era antes de você, li o texto pensando neles.
Lara Vascouto
April 28, 2016 @ 10:58 pm
Interessante, P.S! Não li esse livro, mas é bom já saber do que se trata. Obrigada pela contribuição!
Thais
April 28, 2016 @ 7:15 pm
Nunca havia pensado no arquétipo da manic pixie dream girl, mas faz todo o sentido do mundo.
E de qual filme saiu o último gif da Kat Dennings?
Lara Vascouto
April 28, 2016 @ 10:55 pm
Oi Thais! O gif é do filme Daydream Nation (acho que é Nação dos Sonhos aqui no Brasil). Obrigada pelo comentário!
Nanda
May 3, 2016 @ 5:44 pm
Vou ter que discordar da sua opinião.
Realmente a Louisa faz o esteriótipo de MPDG, maluquinha, alegre e com um estilo de vestir digamos “fora do comum” e o Will um cara melancólico devido a sua condição. Mas acho que vai somente até aí.
Diferente das MPDG, a garota energética não existe somente com a finalidade de trazer luz a vida depressiva do personagem masculino. Pelo contrário!
Durante o livro é a personagem feminina que passa por uma transformação de caráter profunda. É ela que percebe que sua visão de mundo e posicionamento perante a todos era passiva/submissa. O cara depressivo, Will, mesmo do lado da sua contagiante alegria de viver não muda (tanto que continuou com sua “opinião” até o fim).
Gabriela Franco
April 28, 2016 @ 8:17 pm
Que coisa linda esse texto! Deveria ser xerocado e entregue em faróis pela cidade! <3
Lara Vascouto
April 28, 2016 @ 10:54 pm
Que bom que gostou, Gabriela! Obrigada pelo comentário! 😀
Luis
April 28, 2016 @ 9:14 pm
Elas representam um sonho de alguns homens, se não quiser ser dessa forma, simplesmente não seja, mas, nós continuaremos sonhando, em vão…, Acho que podemos encontrar alguns exemplos masculinos para esse esteriótipo, como o personagem do Heath Ledger em “Dez coisas que odeio em você”…
Barbara Oliveira
April 29, 2016 @ 12:51 am
Luis meu filho
Leia de novo
Beatriz
April 29, 2016 @ 9:48 am
Então, querido, é isso mesmo, e tá errado. Essas ilusões prejudicam todo mundo.
O “príncipe encantado” a gente tem tem tentado destruir a muito tempo. Vocês deviam ter mais consciência da mentira da MPDG também.
Thais Godinho
June 2, 2016 @ 1:28 pm
A diferença é saber o que é ficção, amigo.
Natália F.
April 29, 2016 @ 3:59 am
Oi! Assim que vi o título já concordei!
Sempre vi isso embora o meme ainda não existia pra eu conseguir expressar e você o fez de uma forma genial! Amei o post!
Agora um detalhe sobre a Summer (zoey deschannel):
Justamente o que torna o filme interessante é que ela NÃO é uma MPDG!
Uma das primeira dificuldades do casal é o tanto de namorados e experiencias sexuais ela já teve, inclusive esse é o objetivo dela no relacionamento. Ela ainda é “recatada” no sentido introspectiva por dificuldade em confiança que ela mostra não deixando ele ir no apartamento dela. E ela também não vive em torno dele, ela tem os próprios desejos tanto para a vida quanto no amor e isso é o que faz o relacionamento ir acabando. Mas eis o pulo do gato: ela pode até não ser uma MPDG, mas ela a vê assim. Ele a coloca em um pedestal que ela não pertence e isso causa a sua desilusão. Tanto no livro quanto no filme fica bem claro que ele tem uma visão dela e deles que pode não ser a real, principalmente quando eles colocam em justaposição os momentos bons e ruins ou expectativas e realidade.
Eu acho o filme interessante porque mostra o ponto de vista de um rapaz deprimido que conhece uma garota que gosta da mesma música que ele e por isso cria toda uma atmosfera de garota dos sonhos nela e quando ela não se encaixa perfeitamente ele se decepciona até descobrir uma mulher “real”. Essa é uma história bem verdadeira pra mim porque mostra a dificuldade que esses ideais causam nos relacionamentos.
Ah e o livro foi baseado em fatos reais.
Lara Vascouto
April 29, 2016 @ 12:26 pm
Muito interessante, Natália! Faz todo sentido mesmo essa questão da Summer – ela acaba subvertendo o estereótipo da MPDG. Acho que outra personagem que subverte esse estereótipo é a Clementine, de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Ela tem tudo para ser uma MPDG, e o Joel a enxerga desse jeito, mas ela diz com todas as letras que não está ali pra ele, que se preocupa com a próprio paz de espírito e não com a dele. E esse acaba sendo todo o ponto do filme. Ela não o salva – muito pelo contrário, né?
Obrigada pela contribuição! 🙂
Gabriela Franco
April 29, 2016 @ 4:50 pm
Exatamente. Tanto que ele sente essa “desconexão” entre eles justamente porque ela tem a vida dela. Muito bem colocado, Natália. Concordo.
Byanka C.
May 4, 2016 @ 4:16 am
Amei o texto e amei o comentário da Natália! Bem inteligentes e sagazes, ambos! Durante a leitura do texto, que eu realmente achei genial, fiquei com algumas questões que comentaria e acho que esse comentário da Natália deu conta. E bem lembrado pela Lara sobre a Clementine!
Niara
August 31, 2020 @ 2:37 pm
Curioso que sempre que tem uma mulher que desconstrói esse estereótipo como vocês citaram, é sempre vista como “cruel”, “sem coração”, “uma vaca”. A Summer é uma que todo mundo fala isso dela, tadinho do protagonista (eu nunca vi o filme, então não sei como é). daí então dá pra entender bem quando as expectativas do homem pra MPDG são frustradas, a mulher vira uma vilã.
Beatriz
April 29, 2016 @ 9:43 am
Genial o texto!
Sempre achei que elas eram um ideal machista moderno, mas nunca relacionei ao “bela, recatada e do lar”. Faz muito sentido, mas para mim é primeiramente uma versão do “príncipe encantado”. Todos 2 estereótipos fazem o mesmo(?) desserviço aos relacionamentos e às mulheres mais ainda.
Caroline Teodoro
April 29, 2016 @ 1:27 pm
Ruby Sparks é a definição deste termo (ou ao contrário). Muitos amigos gostaram do filme, mas sempre me causou muito incomodo, e aí tá a resposta. Não conhecia o termo, mas o significado todas já vimos!
Lisa
April 29, 2016 @ 1:44 pm
Texto maravilhoso. É isso aí…
Lembrei dos artigos falando sobre “Cool Girl”. Essa seria um faceta da Cool Girl conhecida, mas reflexo de um homem mais nerd/introspectivo e blablabla.
e ótimo comentário sobre a Summer do 500 Dias com Ela. A Zooey Deschanel faz muito esse tipo de papel, e nesse filme em especial a personagem era para ser assim e pá.. deixa de ser. E a Clementine do Brilho Eterno é outro exemplo maravilhoso daquela que subverte. Tão rico enxergarmos as relações mais palpáveis e realistas nos filmes.. e ainda assim acreditarmos ou não no amor.
Christine
April 29, 2016 @ 5:13 pm
Gostei muito do texto!
Faria apenas uma ressalva quanto ao seu comentário sobre o fato de que as personagens citadas se aproximam do perfil de MPDG por gostarem de atividades “do lar”, tais como cozinhar ou costurar.
Curiosamente, em sua origem, costurar e bordar eram atividades com uma simbologia profunda, vitas como algo que aproximava os indivíduos do que há de mais sagrado e divino, pois era, atos de criação. Durante a Idade Média, mulheres se reuniam para tecer e contar histórias, que mais tarde foram compiladas e ficaram conhecidas como nossos contos de fada. Aliás, as narradoras e as compiladoras femininas não entraram pra história pelos motivos machistas de sempre.
Entao, essas atividades femininas foram subvertidas ao longo da história como atividades menores justamente por serem tradicionalmente femininas, e hoje de alguma forma estão sendo retomadas com um novo olhar; quem sabe retomando uma essência do sagrado que existe em todas nós.
Nádia
April 29, 2016 @ 9:28 pm
Que lindo Christine!!
Também acho que essas atividades resgatam uma essência do sagrado que existe em nós! <3
Lara Vascouto
April 30, 2016 @ 8:55 pm
Que bacana, Christine! Não sabia do histórico dessas atividades, apesar de eu mesma adorar praticá-las. Muito obrigada pela contribuição!
Rafaela Paiva
April 29, 2016 @ 6:21 pm
Lara, seu texto é simplesmente delicioso de ler: em conteúdo, estilo e tom. Meus parabéns! Fiquei tomada pela urgência de ler tudo o que você já escreveu!
Gostei não apenas da leitura, mas das análises nos comentários também. Especialmente no que se refere aos personagens Summer e Clementine. De fato, elas aparentam de cara o estereótipo da MPDG e depois há indícios de ruptura, como em uma fala ou no encaminhento das personagens na história…
Maaas, eu fiquei aqui pensando que essa ruptura não me parece real em ambas as histórias. Primeiro porque o fato dos desfechos não serem os esperados/desejados pelos personagens masculinos, não diminui em nada a caracterização das coadjuvantes, afinal de contas, elas continuam belas, esquisitas, complicadas e perfeitinha, e essa inadequação ao relacionamento só reforça suas personalidades. E, por outro lado, existe uma coisa contra a independência dessas personagens, contra a sua emancipação na história – e daí, na minha perspectiva, contra a superação do estereótipo da MPDG – que é o lugar de onde essas histórias estão sendo narradas: do ponto de vista masculino, seja o do protagonista, em volta do qual essas personagens orbitam, seja de um narrador onisciente, que não deixa de ser o do homem – a despeito de pra quem a indústria pensa criar no geral esses gêneros cinematográficos, quer dizer, o público feminino – e que também consome e reproduz o arquétipo.
Felipe
April 30, 2016 @ 4:27 am
Texto incrível!!! Enxerga com perfeição as nuances de um machismo não tão aparente. Culpabilizaria ainda roteiristas e produtores pela falta de boas personagens femininas, porque se temos tantas MPDGs é porque ninguém se deu ao trabalho de construir personagens mais densas e complexas, limitando à coadjuvantes de simples apoio.
Muito por isso grande parte dos filmes (Hollywood/Globofilmes) nem chega perto de passar no Teste de Bechdel, simplesmente existem pouquíssimas mulheres no roteiro, as poucas que existem não têm relevância no filme pra interagir entre si.
Da minha posição de garoto que se identifica com o protagonista e consequentemente se encanta com as MPDGs foi um ótimo tapa ~reveja seus conceitos parça~ certamente verei esses arquétipos com mais desconfiança a partir de agora.
Ps. Só mais uma prova da escassez de conteúdo para as meninas se relacionarem.
Luiza Anderle
April 30, 2016 @ 4:45 am
Muito bom! Nunca tinha feito essa associação (alias, acredito que outro exemplo que é muito endeusado é a Ramona Flowers). Parabéns pelo texto!
Lara Vascouto
April 30, 2016 @ 8:52 pm
Bem lembrado, Luiza! Obrigada pelo comentário 🙂
Ana Carolina Fontoura
April 30, 2016 @ 1:21 pm
Simplesmente delicioso e elucidativo. Parabéns pelo texto!
Lara Vascouto
April 30, 2016 @ 8:52 pm
Obrigada, Ana! 😀
Gabriela
April 30, 2016 @ 2:33 pm
http://papodehomem.com.br/a-menina-sonhadora-feliz-cabeca-de-vento/ esse texto de 2011 fala exatamente o que você falou, mas foi escrito por um homem. E é de 2011! Achei interessante os outros exemplos dados por ele.
Lara Vascouto
April 30, 2016 @ 8:49 pm
Interessante o texto, Gabriela! É uma boa leitura complementar, já que explica bem o fenômeno da Manic Pixie Dream Girl. Obrigada por compartilhar! 🙂
Marcos
May 3, 2016 @ 6:02 pm
Muito bom o texto.
Lara, eu queria saber se você tem as referências das citações do Aristóteles, Confúcio, Napoleão e Rousseau? Tenho um professor na faculdade de Letras que faria um uso muito bom delas.
Marcela V.
May 6, 2016 @ 4:28 pm
Poxa, adorei o texto. Mas não entendi direito a parte do “o sexo delas (assim como a sua beleza) é digno, discreto e não-ameaçador”. O que seria o oposto disso? Como a atividade sexual da mulher pode ser não discreta se não for pela difamação de um homem? É à esse ponto que a frase se contrapôs, certo? E também, tendo um oposto literal, sexo não-digno, sexo espalhafatante e ameaçador, o que seria? Pode se aproximar da situação de uma mulher que pensa ter uma certa liberdade sexual mas na verdade é uma falsa impressão, quando infelizmente ela só enche o ego e a fama do homem “fodelhão” com quem se relaciona, logo essa ilusão da liberdade sexual não é algo benéfico pra ela, não por culpa da mulher, claro, mas por conta dessa equação machista desbalanceada – homem que fode todas: deus – mulher que fode com todos: puta; e até hoje eu nunca vi alguma amiga que já ficou com vários caras e foi bradada com respeito e admiração; por isso eu não apoio o sexo promíscuo com homens e uma vida sexual escancarada, porque quando pensamos que estamos nos emponderando mais assim, infelizmente estamos alimentando o ego do machista. Defendo que sexo sem compromisso: somente com nós mesmas.
Luiza Anderle
June 1, 2016 @ 9:32 pm
Outro exemplo é a robô de ”I’m Here”, um curta de 2010.
Luiz
June 1, 2016 @ 11:26 pm
Sempre adorei este filme. Mas nunca tinha olhado deste jeito. Legal o texto. Totalmente Selvagem
http://imdb.com/rg/an_share/title/title/tt0091983/
Gabriela
June 5, 2016 @ 5:12 pm
É a famosa cool girl descrita pela Amazing Amy em Gone Girl.
vitória
July 13, 2016 @ 1:05 pm
Adorei seu texto! Seeeempre pensei isso, pra mim é esse o novo padrão imposto pra gente: a mulher da jornada dupla, que chega em casa e ainda tem paciência e energia pra ser a cool girl, ou MPDG.
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August 23, 2016 @ 11:31 am
[…] The manic pixie dream girl, ou a “a garota maníaca, fadinha mágica, dos sonhos”, novo (mas nem tanto) estereótipo hollywoodiano, veio para cimentar definitivamente o apagamento das mulheres enquanto sujeitos dotados de sua própria narrativa no cinema e na literatura. […]
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lemon
May 29, 2017 @ 6:07 pm
“Pensando um pouco mais além, talvez o arquétipo da MPDG seja apenas a versão do ideal “bela, recatada e do lar” para machistas de esquerda – homens supostamente profundos e reflexivos, deprimidos e frustrados com os valores deturpados da sociedade capitalista, que concedem às mulheres alguns direitos, mas não todos. Porque né. No fim do dia, eles ainda esperam que uma garota adoravelmente esquisitinha e desapegada largue tudo o que estava fazendo para resgatá-los de sua melancolia com uma imbatível alegria de viver.
Esquecem, no entanto, que apesar do que dizem os filmes e os clássicos ideais machistas, nós somos as protagonistas de nossas próprias vidas.”
Você escreve muito bem, gostei muito do texto. Parabéns!
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[…] o heroi – Artigo: mulheres só tiveram 27% das falas nos maiores filmes de 2016 – Artigo: Manic Pixie Dream Girl – Notícia: Natalie Portman recebeu 3x menos que Ashton Kutcher em “Sexo sem […]
nICK
July 28, 2017 @ 8:33 pm
eNFIM, A FANTASIA DE UM FILME DEMONSTRA A REALIDADE: É ISSO QUE TODO HOMEM QUER.
CABE A CADA UMA SER O PODE SER E VIVER COM ISSO: uMA PIXIE DREAM GIRL OU UMA FEMINISTA.