“A Insustentável Leveza da Submissão” (ou “A Hora da Fraqueza”)
Sabe quando você escuta uma história e só consegue pensar sobre como a protagonista é trouxa por gostar de certo cara? Pois Tereza e Macabéa nos mostram que as coisas não são tão simples assim.
Uma das coisas que eu mais me obrigo a pontuar é o lugar de fala. É difícil falar sobre o outro, sobre aquilo que você não é, sem parecer que você está falando no lugar do outro. Esse é o primeiro texto que eu escrevo com a intenção de ser publicado, por isso acho importante ressaltar que eu nunca estive em um relacionamento abusivo (pelo menos não romanticamente falando). Sendo assim, pra mim sempre foi muito fácil julgar. Sempre foi muito fácil ouvir os problemas das minhas amigas e dizer: “você tem que parar de ser trouxa”.
Mentira, aprendi sim.
Esse texto é uma tentativa de mostrar o que eu aprendi ouvindo e exercitando minha empatia. Sabe quando você lê um livro, assiste a um filme, e tudo o que consegue pensar é sobre como A PROTAGONISTA É UMA IDIOTA POR GOSTAR DE CERTO CARA? Então. Eu escolhi duas protagonistas de livros que antes eu via como trouxas, e hoje em dia eu tento formar uma opinião mais profunda sobre elas.
Então vamos à primeira, com a qual provavelmente você teve que se deparar em algum ponto da vida: Clarice Lispector, na voz de Rodrigo S. M., nos promete em A Hora da Estrela um relato antigo, com “começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e de chuva caindo”. Ele descreve uma Macabéa magra, com uma fome constante, uma fé abstrata e uma paixão por goiabada com queijo. Seu mundo se limitava a poucas pessoas, entre elas, Olímpico, o namorado que dizia que ela só fazia chover.
Olímpico aspirava a ser deputado. Já havia matado um homem, saíra do sertão, tinha ares de superioridade, mas “na verdade não passava de um coração solitário pulsando com dificuldade no espaço. O sertanejo é antes de tudo um paciente.”, descreve Clarice aludindo à frase de Euclides da Cunha em Os Sertões. Qualquer tentativa de Macabéa de se comunicar com Olímpico era interrompida por ele com a justificativa de que ela era muito tola, e seus assuntos eram tolos, e seus modos eram tolos. Olímpico é o típico cara que precisa colocar uma mulher para baixo para se sentir por cima.
Tá achando que vai resolver as coisas com essa florzinha mequetrefe, queridão?
A Tereza, de A Insustentável Leveza do Ser do Milan Kundera, é minha segunda escolha para ilustrar o que eu quero dizer. Pra mim, esse livro fala de amadurecimento, ele foi minha primeira grande descoberta literária e me doeria ter que fazer um resumo. O que vem ao caso no momento é um aspecto específico da relação Tereza e Tomás, personagens que se encontraram por acaso e construíram um relacionamento: “a primeira vez que viu Tomás, suas entranhas foram tomadas por ruídos”. Os borborigmos mais tarde deram lugar aos pesadelos. Tereza vivia uma relação monogâmica, Tomás, não.
Até parece um casal de propaganda de margarina, né?
Tereza sabia que Tomás a traía, ele tinha uma teoria de que amor e sexo são coisas diferentes e, por isso, na cabeça dele, estava tudo bem. Mas na cabeça dela não. Tomás é o típico cara que sabe que está te machucando, mas não faz nada a respeito. Então por que Tereza não saía dessa relação que a consumia?
“[…] com Tomás [Tereza] é obrigada a se portar como mulher amorosa, pois precisa de Tomás. Nunca se poderá determinar com certeza em que medida nosso relacionamento com o outro é o resultado de nossos sentimentos […] e em que medida ele é determinado de antemão pelas relações de força entre os indivíduos.”
Tereza era fraca. Tomás era forte.
Macabéa era fraca. Olímpico era forte.
Ou pelo menos é nisso que querem que a gente acredite. Macabéa fez de Olímpico seu queijo com goiabada. Tereza fez de Tomás seu acaso preferido. E os dois sabiam que elas estariam sempre por perto. E acho que é justamente isso que faz delas fortes. Estarem por perto mesmo quando não tem ninguém pedindo, mesmo quando não tem ninguém retribuindo.
A mulher é antes de tudo uma forte.
E, mesmo tendo que ouvir que tudo o que você sabe fazer é chover, mesmo tendo que sentir o cheiro de outras mulheres nas roupas que você lava, você continua. Porque acha que deve. Porque alguma coisa te diz que essa é a ordem natural das coisas. Porque te ensinaram que você tem que aguentar as fraquezas do seu homem. E é difícil se desvencilhar. É difícil ouvir que você está fazendo papel de trouxa, mas é mais difícil deixar de ser forte.
E hoje, portanto, eu faço um apelo à fraqueza. À fraqueza de desistir. De ser egoísta. Não precisamos ser como Macabéa e Tereza, e ter um final de Anna Kariênina (às vezes é muito louco como tudo se conecta). Alcançar a liberdade deve ser menos complicado do que ser esmagada pelo destino. Abaixar a cabeça, engolir sapos e desaforos, se moldar para ser perfeita para alguém é difícil. Pedir desculpas quando claramente não se está errada é difícil. Já parou para pensar como é muito mais fácil ser quem você é? E falar o que você pensa, e vestir o que você quer? É tão fácil e tão óbvio, que não parece uma possibilidade. Mas é.
Boneca trouxa tendo sua hora da estrela.
Novamente, eu nunca encontrei um Tomás e um Olímpico na minha vida. Eu nunca tive que deixar um amor destrutivo ir embora. Mas o que eu aprendi vendo histórias assim desde sempre é que a parte mais difícil vocês já fizeram. Eu sei que não parece, eu sei que dói, eu sei que a sociedade, sua tia, ou você mesma falando que qualquer relacionamento é melhor do que nenhum relacionamento te deixa sem saber o que fazer. Mas sair correndo é mais fácil e faz mais sentido do que ter que aparar suas asas pra se adaptar à gaiola de alguém.
Quando a gente coloca as coisas no papel, quando a gente racionaliza a situação, parece muito claro o que deve ser feito. Mas o que fazer com aquela sua parte que quer continuar tentando? Com aquela parte que acredita que se você se esforçar mais um pouquinho tudo vai dar certo? E que se persistir por mais um tempo o cara vai mudar? Porque tem vezes que não importa o quão feminista, empoderada e inteligente você seja. Essa parte fica falando na sua cabeça como uma musiquinha irritante grudada na sua memória. Foi muito difícil, pra mim, entender isso. Foi muito difícil aceitar que pode acontecer com qualquer menina, e que ela não é menos por se sentir assim.
“Você precisa de um namorado” é o novo “Triple Dent”
Se você, assim como eu, nunca passou por isso, tente se lembrar do quão forte essa menina chorosa está tendo que ser. E do quão confortável é pra você, sentada no sofázinho da prepotência, apontar o dedo pra ela. Terezas e Macabéas são personagens mais complexas do que os rótulos que você colou nelas.
E se você, diferente de mim, tem que lidar com isso, se acalme. Não existe uma fórmula mágica que vai tornar tudo mais fácil. Mas existem abraços. Existem porto-seguros espalhados por aí. Vai ser muito clichê se eu disser que com o tempo vai parar de doer? Mas uma hora passa, menina. E ser fraca ou ser forte é sempre uma questão de ponto de vista. E é sempre uma questão do valor que você dá a esses adjetivos.
Você é mais do que palavras e dedos apontados.
É mais do que um meme das Bonecas Trouxas.
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Larissa
July 30, 2016 @ 7:59 pm
Foi um texto lindo, obrigada.
Heloísa Buttini
July 31, 2016 @ 3:22 am
Eu que te agradeço, moça!
Iris
July 31, 2016 @ 2:04 am
Conscientizador, grata.
Moalima
August 1, 2016 @ 7:20 pm
Obrigada por compartilhar conosco esse texto lindo e cheio de empatia.
É uma coragem única tentar se colocar também no outro lado, e justamente no lado que julgamos ser o mais fraco, quando na verdade, “aceitar e suportar” requer também muita coragem.
Conscientizador.